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Culposo?

19/07/2007

O problema de Demóstenes Bastião era que ele escrevia em preto-e-branco. Não num preto-e-branco estiloso ou expressionista. Num preto-e-branco cinza, cinza-e-branco, cinza-e-cinza. Chiadeira das mais invernosas, sua prosa era mais cacete que a palavra “cacete” usada como adjetivo, mais morrinha que um daqueles lençóis de vapor que uma vez por década envelopam o mundo por semanas, meses, sem chover nem sair de cima, até os canários virarem limo e os orgasmos, perebas. Desprovida de quaisquer efeitos poéticos, dramáticos ou cômicos que soassem minimamente autênticos, a prosa de Demóstenes Bastião era sem lustro, sem lastro, sem risco, sem gosto, sem gusto. Nada iluminava, nada movia. Movia-se, só, e penosamente. Era como se desafiasse o leitor a cada advérbio preciosista, a cada contorno de frase corretíssimo e vão: se você não desistir, não espere que desista eu. Renitente, isso não dá para negar que a escrita de Demóstenes Bastião fosse. Feito um vírus combalido que, de uma hora para a outra, ao descuido mais bobo, pode ser mortal. E aqui não se trata de metáfora, infelizmente. Consta que houve mesmo seis ou sete casos funestos. Está certo que o sujeito acabar de ler um livro de Demóstenes Bastião e morrer ali mesmo, olhos vidrados, duro na poltrona, podia ser só uma coincidência, vá lá, da primeira vez. Mas a repetição macabra deveria ter bastado para nos abrir os olhos.

37 Comentários

  • Tibor Moricz 19/07/2007em14:41

    Tem o estilo do Nareba…

  • Bemveja 19/07/2007em15:05

    Pode ser um exercício em terceira pessoa do próprio Demóstenes Bastião. Just kidding. Mas há metáforas demais e, conforme se diz em inglês, o trecho “belabors the point”, repete muito uma idéia que o leitor já capta nas duas primeiras frases. Essas frases caudalosas tb são desnecessárias.

  • Daniela A. 19/07/2007em15:27

    Suspeito que seja o Andre Sant’anna.

  • C. Soares 19/07/2007em15:32

    gostei. não assinado, assumo que seja proveniente da pena do “blogger”. beleza Sérgio, agora, não creio que termine no “…abrir dos olhos.”. esperamos a continuação. forte abraço!

  • shirlei horta 19/07/2007em15:56

    Nossa, discordo completamente do Bemveja. De qualquer forma, é um trecho muito curto para avaliar. Diria que gostei com um pé no precipício.

  • Tibor Moricz 19/07/2007em16:02

    O texto é do Sérgio, sem nenhuma dúvida. E Demóstenes Bastião deve ser alter ego de muitos que campeiam por aí, matando seus leitores de raiva por terem gasto dinheiro precioso em objeto inócuo.

  • shirlei horta 19/07/2007em16:06

    Pô, Sérgio! Tá regulando a mixaria? Põe um trecho maiorzinho, vai!

  • Saint-Clair Stockler 19/07/2007em16:08

    Esse trecho me lembrou o último livro do João Gilberto Noll, A máquina de ser. Chato pra cacete (o substantivo).

    (Tá, Tibor, pode rir)

  • Tibor Moricz 19/07/2007em16:14

    HAHAHAHAHAHAHAHAHA…. Gilberto Noll é a chatice elevada à enésima potência.

  • Simone 19/07/2007em16:34

    Sim, é chato porque ele tentou replicar o estilo do Sr. Bastião. Eu *acho* que sei de quem ele está falando…

  • Saint-Clair Stockler 19/07/2007em16:44

    Os romances dele e o primeiro livro de contos são muito bons, Tibor. Mas fiquei decepcionado com este último.

  • Bemveja 19/07/2007em16:57

    É um texto inédito. Sendo otimista, prefiro acreditar que os pecados nele contidos tenham sido deliberados, de modo que minha resposta à pergunta do título seria: não, doloso.

  • Mr. WRITER 19/07/2007em17:24

    Como eu sempre digo, o Sérgio gosta muito de ironias. Muito bom, engraçado e, voltamos ao que havia sido dito no post anteriro: Quando quiser ser irônico avise com uma semana de antecedência, coloque manual de instrução, ilustrações e dvd interativo com exemplos práticos aplicados na vida real.
    Abraços.

  • Fernando Molica 19/07/2007em20:41

    Este texto certamente não foi escrito pelo Bastião.
    Muito bom, Sérgio.

  • Simone 20/07/2007em00:47

    É verdade, Fernando. Só em algumas partes, como “não espere que desista eu” (hino nacional, alguém?). Imagine se Bastião ia escrever “num” ao invés de “em um”.

  • Magnificat 20/07/2007em09:27

    Não entendi: qual a diferença de se escrever “num” ao invés de “em um”? Não é questão de preferência, não, hein?

  • Magnificat 20/07/2007em09:30

    Ah, sim: “a dupla ou tripla ocorrência de palavras – palavras exóticas! – com menos de 24h de diferença” chama-se “sincronicidade” e é junguiana…

  • Magnificat 20/07/2007em09:37

    Simone Campos:

    Acho tão antipático escritores que têm blogs mas não permitem comentários. É a mesma coisa que se mostrar a bunda, mas de dentro de uma caixa de vidro: qual é a graça, se a gente não pode passar a mão nela?

  • joao gomes 20/07/2007em09:51

    Acho que este Bastiao anda plagiando “Nareba, o virtuoso”. Provavelmente é um outside ex-companheiro de cela do Nareba.

  • shirlei horta 20/07/2007em13:37

    Adorei “não espere que desista eu”. E figuras de linguagem, todas, estão muito bem colocadas, descrevendo o perfil psicológico do protagonista.

    Continuo com o pé no precipício, já que não sei de onde parte e para onde vai esse texto.

    Mas a construção do texto é ótima.

  • Bemveja 20/07/2007em13:48

    A “construção” do texto é tão boa quanto a dos prédios do Sergio Naya.

  • Tibor Moricz 20/07/2007em13:52

    Paf! Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiii…..Plof!! shirlei horta acaba de despencar do precipício, empurrada pelo Bemveja.

  • Tibor Moricz 20/07/2007em14:26

    faP! iiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaa….folP!! shirlei horta resgatada pelo Sérgio.

  • Bemveja 20/07/2007em15:55

    Melhor subir logo cara shirlei, porque essa corda é meio frágil… De saída, o SR disse que não tem “por regra” não explicar posts. Logo em seguida, faz precisamente o contrário!
    Essas explicações e desculpas extratextuais não redimem nada. Ironia, precisa de universalidade, concisão e leveza, do contrário é apenas uma private joke. Além disso, para onde foi o conceito, que se aprende até em manuais de jornalismo, de se escrever somente o necessário? Provocar nos leitores aquela sensação de “ok, já entendi, já sei onde você quer chegar” é contraproducente (p/ dizer o mínimo).

  • Ana Z. 20/07/2007em16:19

    Sérgio, essa sua iteressante série de perfis me lembra “O todo-ouvidos”, do Elias Canetti.
    Um abraço,
    Ana Z.

  • Bemveja 20/07/2007em16:34

    Sérgio, abrir uma exceção apenas formaliza a incoerência. Eu não “detestei” o texto. Meus comentários, por colocarem a cabeça acima da manada, é que chamam talvez um pouco mais de atenção. Acho que você faz muito bem em demonstrar curiosidade pelos comentários daquelas pessoas que lhe criticam, aliás repito: a sina do escritor não é só ser lido ou colher os buquês deslumbrados das shirleis e sheilas da vida, é ter seus textos esmiuçados e criticados mesmo. Não se preocupe tanto com o tom ou a frequência dos comentários (isto é a internet, afinal); preocupe-se, isso sim, com o aplauso pavloviano e com a indiferença.

  • Tibor Moricz 20/07/2007em16:42

    Múúúúúúúúúú…. pra você, Bemveja.

  • Bemveja 20/07/2007em17:11

    Pois é Tibor, está cheio de replicantes (andys) na cultura brasileira! Parecem leitores, falam feito leitores, mas não lêem no sentido de interpretar o texto. Qualquer comportamento que se desvie da rotina já chama a atenção!! Eu fui criado numa atmosfera em que o anticonformismo era estimulado, e não cerceado. Nessa multidão de vacas sagradas e ovelhas elétricas, espero que o nosso Deckard do Todoprosa não seja um replicante também e estimule o debate ao invés de perseguir os que têm comportamento autônomo.

  • Bemveja 20/07/2007em17:35

    Sinto-me, digamos assim, meio singularizado entre os demais comentaristas desse tópico Sérgio, até porque houve comentários bem mais acerbos e menos ponderados no sentido de dizer por que não gostavam do texto. A própria expressão “deixar passar” já me parece eloquente…
    Veja bem: não estou reclamando. Valorizo a polêmica. Tenho certeza de que você também.

  • Cezar Santos 20/07/2007em18:01

    Puxa vida, esse vejabem é chato pra cacete (o adjetivo)…

  • shirlei horta 20/07/2007em18:44

    Obrigada, Sérgio. Realmente eu não conhecia esse “jogo”. Achei legal. Como desconhecia a autoria, não enviei flores. O texto está muito bem construído, gostei.

  • shirlei horta 20/07/2007em18:52

    Ah! Já tirei o pé do precipício… relaxem.