“Se for um livro, eu não li, não estudei, ou estudei e não lembro”. Essa é a resposta de uma aluna do terceiro ano do curso de Relações Públicas da Universidade de São Paulo para a seguinte pergunta: “Quem escreveu Macunaíma?”
Para a mesma questão, outros palpites: “José de Alencar”, diz um aluno de Engenharia Agrícola da Unicamp; “Guimarães Rosa”, arrisca uma estudante de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero; “João Cabral”, afirma uma jornalista formada pela FIAM; “Camilo Castelo Branco”, aposta um jovem engenheiro mecânico recém-graduado pela Unicamp. Um aluno de Economia da Faculdade de Campinas responde com outra pergunta: “Tem opções?”
Dos 30 jovens que entrevistamos nessa pequena pesquisa, apenas oito souberam dizer que Mário de Andrade era o autor de Macunaíma, um dos mais importantes títulos da literatura nacional.
Começa assim o texto publicado por Luísa Pécora no site da revista “Cult” a propósito dos 80 anos de “Macunaíma”, em que a autora ouve professores para tentar entender por que o romance, “um dos mais importantes títulos da literatura nacional”, é tão pouco lido hoje. As intenções são nobres, como se vê, mas o início dificilmente poderia ser mais equivocado.
Paremos para pensar. Se oito universitários paulistas em trinta acertaram o nome do autor de “Macunaíma” (26,666%, número que tem ressonâncias apocalípticas, mas isso não vem ao caso), estamos diante de uma marca a ser festejada com fogos, dança e bebedeira noite adentro. Livros mais resistentes ao tempo, mais lidos, mais vivos na cabeça das novas gerações de brasileiros, como “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Vidas secas”, dificilmente atingirão esse grau de reconhecimento no oceano de ignorância que caracteriza o sistema nacional de ensino.
Talvez a pergunta devesse ser, então, procurada no avesso do artigo da “Cult”: por que “Macunaíma”, romance-tese de inegável interesse histórico que ninguém mais lê, ainda é tão lembrado? Por causa do filme? Da peça? Do clichê em que se transformou a expressão “herói sem nenhum caráter”? E, se é verdade que ninguém mais o lê – vamos lá, não custa nada encarar a questão – estaremos mesmo diante de “um dos mais importantes títulos da literatura nacional”?
Aqui no meu canto, e antes que venham as pedras, declaro acreditar que a resposta seja sim. Romance-tese é um gênero necessário, especialmente em momentos de fundação, mesmo que tenda a envelhecer mal. Apenas me parece que, diante das circunstâncias, a “importância” superlativa de “Macunaíma” não faz avançar em nada a discussão – nem contribui para despertar o interesse de jovens leitores além daquela marca de 26,666% – quando é escalada no papel de cristalina premissa.
101 Comentários
Os estudantes pouco o lêem ou não o conhecem é porque é ruim mesmo, no que concordo.
Desculpe, opinião democrática.
Admirável que ainda tenha atingido esses 26,666%.
É um livro chato.
“Triste fim de Policarpo Quaresma” merece melhor posição, dentro deste contexto de romance-tese.
E oitenta anos…. ja deveriamos ter colocado uma pá de cal sobre o dito cujo.
Macunaína, o livro, é subestimado.
Se me perguntassem, eu responderia: Joaquim Pedro de Andrade. Porque o livro é chato e entediante. Ao contrário do filme que é uma obra-prima.
A pergunta é: O que importa se todos leram esse livro ou não?
A sociedade brasileira tem a ridícula mania de achar que ler livro tal traz status ou ler aquele outro é coisa obrigatória. Isso não existe!
Cada um tem o direito de ler o que quer e obrigar um jovem a ler algo tão antiquado é a mesma coisa que obrigar meu sobrinho a achar Casablanca um filmaço!
Vamos colocar o pé na realidade e começar a incluir a literatura no contexto atual, vamos incentivar a sagacidade dos textos do vinícius, as colocações cariocas do R. Castro, os contos de Nei Lopes…
Grande abraço!
Acho que não se deveria subestimar os gostos e a sensibilidade do leitor brasileiro. Mesmo dos jovens. Se um livro é chato é porque é chato mesmo. Os apologistas dessas obras precisam entender o pensamento alheio.
Entender mesmo; não somente pelas transposições de gostos, mas pelas suas medidas intelectuais ainda que em formação.
Os professores têm a mania de querer achatar seus gostos literários sobre os pobres e indefesos estudantes. E obrigam-nos a fazê-los descer goelas abaixo.
Também certos críticos em determinadas colunas de jornais e revistas julgam-se éditos literários. Bem, mas aí entram outros ingredientes.
Concordo que mais se devam ler autores modernos, mas desde que não produzam condicionadores que nos remetam aos mestres chatos e superados.
Mui pertinente o comentário, Sérgio. Esse pessoal acadêmico fica patinando na superfície dos fatos e nunca chega a lugar nenhum. Como excelente analista, que foge aos clichês, você bem destacou o que interessa: é de aplaudir que em meio à idiotice geral quase um terço dos “jovens” (sabe-se lá que espaço amostral é esse) lembram-se do autor deste ou de qualquer outro livro “clássico” da nossa literatura.
De mais a mais, entrando na discussão de fundo, a realidade é que o romance é chato pra cacete. Só um colega modernista chegado do autor teria o saco necessário para atravessar todas as páginas de pretensiosa “invenção literária” do Mário de Andrade.
Seu mérito, a meu ver, na verdade foi o de pescar esse mito indígena do Maconaíma e, nele, condensar o caráter brasileiro – que, venhamos e convenhamos, esse esse mesmo: o do oportunista preguiçoso.
Ops, reescrevo o último parágrafo, que estava repleto de erros de digitação:
“Seu mérito, a meu ver, na verdade foi o de pescar esse mito indígena do Macunaíma e, nele, condensar o caráter brasileiro – que, venhamos e convenhamos, é esse mesmo: o do oportunista preguiçoso.”
Certo o jornalista….26,6 é bom demais….em vista do que hoje se le por aí…….a maioria da turma le por obrigação vestibulanda e escolar……é muito dificil mudar essa realidade…….Acho que aqueles movimento nas periferias que o Gilberto Dimenstein pesquiza são um caminho para a disseminação da leitura entre os jovens….mobilização entre os jovens!
Boa tarde.
Macunaíma é a grande obra prima do modernismo brasileiro, mas estou com muita preguiça de dizer por quê.
Aliás, há centenas de artigos, ensaios e livros explicando essa obviedade, não preciso mesmo argumentar nada.
abr,
mario de andrade
Uso para Macunaíma o mesmo argumento de O Nascimento de uma Nação, o filme de Griffith: foi importantíssimo, tanto para sua época quanto para as posteriores. Mas não provoca um prazer real a quem se aventura ali.
Não entendo esse afã de democracia cultural que atinge as pessoas. Macunaíma é um livro maravilhoso, inteligente, engraçado, belo – só o capítulo “Carta pras Icamiabas” vale o livro todo – mas quem disse que ele é pra todo mundo? Os leitores “médios” querem ler Paulo Coelho (desculpa C. S. Lew… digo, Claudio Soares). E por que deveria ser o contrário? Vou escrever em letras garrafais, pra ver se vocês entendem: BOA LITERATURA É (SEMPRE FOI) PARA MINORIAS. Sempre foi assim aqui, nos EUA, na França, no Japão, em Moçambique, no Sri Lanka e em qualquer outra parte do universo onde existam seres humanos. Meu Deus, gente! Vamos parar com essa conversinha politicamente correta de que é um absurdo “só” 26% das pessoas saberem quem foi o autor do Macunaína! Me façam um favor, sim? LITERATURA BOA É PRA UMA ELITE BEM PEQUENA, CAPAZ DE APRECIÁ-LA. Deixem o resto das pessoas ficarem muito felizes lendo Dan Brown, Paulo Coelho (sorry de novo, C. S.) e Danielle Steel! Cada um com seu cada um, caramba. Eu também tenho os meus momentos “Paulo Coelho” e não me envergonho disso. Só não compro os livros dele, que não estou aqui pra ajudar o Paul Rabbit a pagar a conta da manutenção do seu castelo na França, mas quando descubro alguém que tenha o livro dele, peço emprestado.
E paremos de alimentar mitos: não me venham dizer: “Ah, mas na França, por exemplo, todo mundo lê. Do operário ao cadre de uma multinacional. Pois sim, isso é verdade: a gente pode ver um monte de gente (das mais variadas classes sociais) lendo no metrô, no ônibus, nas praças, etc. Mas vá lá ver o que estão lendo! A maioria está lendo Dan Brown ou Paulo Coelho (que os franceses ADORAM). Deixo vocês extraírem os meus bagos se a gente conseguir descobrir alguém lendo Flaubert ou Proust. Sabe qual é a resposta – não importa a classe social do interlocutor – que recebo quando digo que adoro ler Proust? “Proust? Não, meu caro. Muito chato, frases muito longas, muito difícil. Cansatiiiiivo…”
ELITE, gente, ELITE. Parece que vocês têm medo da palavra.
Interessante essa pesquisa ter saído agora, justamente poucas semanas depois de eu esticar o braço e dar uma refolheada nesse livro que li quando era garoto, para a escola (como todo mundo, imagino).
Mas antes de mais nada, eu queria separar duas coisas distintas: Uma é não ter lido o livro. Outra é não saber quem escreveu ou de que se trata. A primeira não é particularmente grave. A segunda, sim. Mesmo que alguém ache o livro péssimo, mistificador e fruto de um modernismo mais deslumbrado do que propriamente modernizador, mesmo que se considere que sua importância literária é parca, é impossível não reconhecer que ele teve uma grande importância HISTÓRICA. Alguém pode achar a influência de Macunaíma deletéria, desprezível e lamentável, mas ela existiu. Universitários brasileiros deveriam, pelo menos, ter ouvido falar do livro.
Agora, que não seja bom, vai de cada um, mas eu concordo. É difícil um brasileiro contemporâneo levar a sério o modernismo provinciano que Macunaíma mal consegue esconder. A descrição da chegada do herói a São Paulo deixa claro o quanto Mario de Andrade se deixava embasbacar pela micro-industrialização brasileira da época.
Enfim, águas passadas. A única coisa a realmente lamentar do modernismo de 22 é o furor com que se esforçaram por queimar tudo que havia sido feito no Brasil até então em termos de arte, considerando-a imitadora do academismo europeu, como se eles mesmos não fossem pálidos imitadores das vanguardas européias. Demorou muito tempo até que se começasse um trabalho de recuperação, e mesmo assim, freqüentemente já era tarde demais. No caso da pintura, muita coisa de Parreiras, Castagneto e Grimm, por exemplo, já estava comprometida. A começar por sua memória.
Desculpe o longo comentário, desejo um feliz 2008.
Quem não gosta de Paulo Coelho são os agnósticos e os ateus. E certa gama de religiosos fanáticos e evangélicos.
Pior ainda, os intelectuais invejosos do sucesso mundial deste escritor brasileiro.
Tudo bem. Nada contra os agnósticos e ateus, desde que não lancem pedras nos religiosos e esotéricos.
E como os temas do Paulo Coelho fogem ao estereótipo dos intelectuais agastados, mais ainda seus sucessos se tornam incompreensíveis aos pobres de espírito.
Se Paulo Coelho fosse “Paul Rabbit”, ia ter legiões de citações, até dos invejosos brasileiros.
Comentário sensato, Saint-Clair. Dou-lhe os parabéns, embora discorde de você sobre o Sri Lanka e Moçambique.
26% é uma ótima percentagem. Estou até um pouco mais orgulhoso do povo a que pertenço, achei que eram bem mais ignorantes dos clássicos da literatura. Se é verdade que mais de um quarto dos brasileiros conhecem a autoria de Macunaíma, então talvez eu esteja enganado a respeito do número real de pessoas que estão acompanhando o (com licença) Big Brother Brasil (*cai uma lágrima de desconsolo*) na televisão.
Só um pequeno comentário sobre a pesquisa:
Ela não foi feita aleatoriamente. Não entrevistou nenhum estudante da USP (cujo vestibular exigia a leitura do livro até 2006, pelo menos).
Mas eu to mais ou menos com o saint-Clair. Alta literatura é mesmo restrita à elite. O que assusta nessa pesquisa é que os entrevistados, em tese, são a elite. Universitários de cursos altamente respeitados, de universidades com algum prestígio (tá, jornalista formada na FIAM é analfabeta por definição)
O foda é que não somos mais uma elite. somos menos que isso, não temos mais quórum pra tanto. Se nem estudantes de cursos de humanas lêem… O que será do futuro?
vixe, q fora. a primeira entrevistada é da USP. Mas como diz um colega meu q faz RI lá “o último livro q li por gosto foi ‘meu pé de laranja lima’…”
Puxa, tudo isso…
A média de livros anuais ainda é de dois/ ano?
Dois, um do Paulo Coelho e outro do Dan Brown ou no estilo dele…
Brincadeiras de lado, acho sim que esse número é considerável e sim, eu também concordo com o Saint-Clair e com o Paulo (outro Paulo) ecom o Thiago também que bem falou, os entrevistados deveriam ser considerados “elite” no que se refere a leitura.
Bom, no mais ótimo post.
Diego foi ao ponto. É bem diferente ter (ou não lido), e não saber quem escreveu. É básico, para qualquer colegial, “decorar” que Euclides escreveu os Sertões, Raul Pompéia o Ateneu e Mário de Andrade, Macunaíma. Pelo menos resumos de cinco linhas tiveram de ler, para o vestibular.
Mas o Saint-Clair também está certo, claro.
E acredito que quem goste de livros bem escritos não deve gostar de Paulo Coelho. Isso não tem nada a ver com religião, ateísmo ou fanatismo. É de literatura que estamos falando por aqui, certo?
ter (ou não) lido
Sérgio, deixando um pouco essa parada do Macunaíma de lado… você leu a matéria da Revista da Folha sobre os contos em até 100 palavras e o sentimento de depressão etc e tal dos jovens escritores? Li ontem, e entrei aqui pensando que teria algum comentário a respeito.
E essa materia mostra bem o buraco em que está mergulhado o formacao/educacao do povo brasileiro.
É parte de um diagnóstico que afere com precisão o nível educacional e cultural do Pau-Brasil.
A colonia continuara enviando seus produtos —matéria-prima—para as grandes nacoes e a mão-de-obra continuará sendo barata. E não se consegue assento entre o futuro das nações que estão na economia das tecnologias da informação e comunicação desse jeito. Precisamos de “cérebros-de-obra”. e Isso leva muito tempo para se construir.
Saint: tua sorte é que meu C. S. não é de Counter Strike, senão… 🙂
Essa história de “boa literatura é para poucos” sabe o que cria? Esse bando de emos melancólicos (e suicídas potenciais) contando até 100.
Um estudo de Nancy Andereasen, da Universidade de Iowa, nos anos 70, com 30 escritores selecionados pela oficina de autores da própria universidade reportou: 80% dos escritores relataram perturbações do humor, 43% foram diagnosticados como maníacos depressivos, 2 cometeram suicídio. Logo, cuidado com eles…
Literatura boa é a democrática. Chega dessa história de clubinho de exilados e isolados e intelectualóides. Fala sério, isso nem combina com os trópicos…
Sobre o Paulo: fico com a opinião do Carlos Magno. Paulo é ótimo. É perseguido como perseguiam Jorge Amado (e ele faz bem em nem dar bola para isso).
No Brasil, é proibido fazer sucesso. Vi isso com o Santos Dumont, vejo com o Paulo tb. É a nossa velha mania de derrotismo. O Brasil não pode ser um país do presente (só do futuro mais distante).
Paulo faz mais pelo aumento do número de leitores neste país do que qualquer outro autor “elitista, de nariz em pé” de cerca de meia duzia de 3 ou 4 leitores (e que certamente não paga suas contas com os livros que vende, pois, muitas vezes, sequer os encontramos nas livrarias).
Saint, não perca a oportunidade, vc poderá comprar os livros do Paulo por 6 reais nas bancas de jornais. 🙂
O Paulo tb vende seus livros em canais alternativos a um preço muito mais do que popular. Bato palmas para esse tipo de iniciativa.
Um causo: Um dia o Paulo descobriu um cara que pirateou seus livros e colocou na internet. O que ele fez? Linkou o site do cara no blog dele. 🙂
Daniel: para vc o que é um livro bem escrito? Por exemplo: As Benevolentes, seria? Afinal, até ganhou prêmio. É verdade. Mas, a segunda edição virá para corrigir diversos erros (do autor). Hemingway, Borges, Faulkner? Ou Freud, Churchill, Frye, Bloch? Todos são muito bons, claro, cada um na sua. Entende? Gosto é gosto. Sejamos mais tolerantes. Aceitemos as diferenças.
Neste sentido, fico com a autenticidade de Braulio Tavares (no artigo que pode ser lido no Cronópios) e Lobo Antunes: “Quem nos leva a escrever é Flash Gordon”, disse. “Muito antes de conhecermos os grandes autores, a vontade de contar histórias já nos foi despertada por aqueles autores ditos menores, mas que apaixonam nossa imaginação: Emilio Salgari, Julio Verne…”
Imaginem, Julio Verne menor… O pior é que os leitores-elite acham isso mesmo.
Inclusive: vcs sabiam que uma de frustrações do grandioso Verne foi jamais ter feito parte da Academia Francesa de Letras?
Quem perdeu foi a Academia Francesa.
Macunaíma: bom livro. Sei que é do Mario de Andrade porque li. Mas quem não leu, está perdoado 🙂 Se bobear, sequer o pessoal dos cadernos de literatura no Brasil o leu. Certamente, leram Bolaño et al. Qt a Andrade, tenho dúvidas…
No final de 2006 participei, com alguns jornalistas, de uma mesa redonda no Colégio Miguel Couto. O que vi por lá? Leitores existem e muitos. Mas, deixe-os escolherem o que querem ler. Só para ter uma idéia: vi lá uma menina de 15 anos, leitora de J. G. de Araújo Jorge. Repito: Leitores existem e muitos.
Para terminar: Sérgio, hoje, lá no pontoLit tem o RAP do MC CDA. Conhece? Alô MTV: merece um VMB!
Biblioteca ou Midiateca? Os dois!
O artigo de Elis Monteiro, hoje no INFO ETC de O Globo, informa que estudo recente da Pew Internet & American Life Project confirma que em 2007 mais da metade dos americanos visitaram uma biblioteca (tb atraídos pelos computadores). São os efeitos da geração Y (nascidos entre 1980 e 1995) que já estão sendo sentidos. Porém, o que mais me chamou a atenção no artigo foram as palavras de Muniz Sodré, presidente da Fundação Biblioteca Nacional: “Queremos incrementar ainda mais a digitalização porque uma biblioteca parada não passa de um estoque de livros. Dedicar-se só ao livro é ser reacionário”. Aguardamos ansiosamente. Nem 8, nem 80, mas 88. Livros, computadores e livros nos computadores. Bibliotecas são midiatecas. Aproveito para indicar (aos cariocas que ainda não a conhecem) a BRG, Biblioteca Rodolfo Garcia, da ABL. Lá, esse conceito de midiateca já está sendo implementado em altíssimo nível. O empréstimo de obras passou a valer no final de 2007. Consulte o acervo pelo site da ABL.
Bom, agora, vou jogar um pouco de xadrez…
Xadrez não é democrático, meu caro CS. Jogue Damas. Ou tente o Dominó…
Continuando a falar de literatura, já li muitos autores.
E acho que o Paulo Coelho escreve bem.
Mas é provável que os machadianos, os amantes do Macunaíma ou os modernistas, não gostem. Talvez finjam não gostar.
Tudo bem, há gostos para tudo. Mas para mim é difícil dissociar a temática do autor.
Por exemplo, não li Hemingway; não gosto de quem mata animais e aves por esporte, é crueldade. Então não li um cruel. Pois o que ele dizia, o que ele pensava, não era o que fazia.
Há outros cujas extravagâncias de vida não me incomodam. Não há perfeitos e nem perfeição. Mas gosto antes de procurar saber sobre o autor, dos seus exemplos de vida. Por isso busco por biografias. E quando encontro, e me abomina a pessoa, não leio. Ponto final.
Penso que um livro deva trazer sempre mensagem construtiva. Escrever por escrever ou falar insistentemente de bordéis, prostituições e sacanagens, mesmo com apurado silogismo, não serve.
Então incluo Paulo Coelho na minha estante.
Um livro do Mário de Andrade que é muito interessante e tão bom que convida ao plágio: ‘Amar, verbo intransitivo’. É anterior ao ‘Macunaíma’, e é uma das grandes novelas eróticas escritas nesse país. Espero que a Agir, que tem os direitos da obra do Mário de Andrade, reedite o livro. É um livro cruel e cínico, e que me espanta não ser mais comentado e lido.
Caro Paulo (outro Paulo): Xadrez é tão democrático qt a matemática. Basta saber jogar. Joga-se até pela internet. Ok, damas, dominó e gamão tb, mas prefiro o “jogo eterno”.
Carlos Magno,
Com todo respeito, as pessoas que fazem parte da elite cultural geralmente não gostam das obras do Paulo Coelho não é por inveja, não. É porque o Paulo Coelho escreve mal pacas. Não estou nem falando de errinhos bestas de português (que outros escritores, aliás, cometem e são considerados bons autores), estou falando que suas obras não têm a menor profundidade. São tão profundas quanto uma poça d´água. Em literatura, quanto mais interpretações uma obra provocar, melhor ela é. Não é o caso do Paulo Coelho. Não dá pra se fazer “leituras” de seus livros.
Então, por que o Paulo Coelho faz tanto sucesso? Porque ele fala a uma carência muito grande das pessoas. Uma vez perguntei a uma francesa apaixonada pelas suas obras como é que podia ela, uma francesa, de um país que tinha dado autores do quilate de um Flaubert e de um Proust ao mundo, gostar do Paulo Coelho. Ela me respondeu: “Porque ele me dá esperança”. Eis aí, admiravelmente resumido, o cerne da questão “Paulo Coelho”: aqueles que lêem suas histórias não estão em busca de uma profunda experiência estética. Estão em busca de reconforto, de “carinho”, de acalanto. Os tempos em que vivemos são muito difíceis, e se aparece alguém dizendo que você tem de viver a sua Lenda Pessoal, que você é um Guerreiro, ele vai arrebatar milhões de fiéis.
C.S.
Sabe o que eu admiro em você? Você nunca é grosseiro em suas respostas, nunca se irrita, é (talvez) o único cavalheiro entre nós! Parabéns por isso. Sei que não é fácil. Te admiro pra caramba!
Respondendo:
Há um problema de inversão: Eu não quero afirmar que “boa literatura é pra poucos”. É justamente o contrário: poucos é que são para a boa literatura! E note que a boa literatura está aberta a todo mundo: nas bancas (a preços baixíssimos), nos sebos, nas máquinas de venda de livro do metrô de São Paulo, nos e-books gratuítos da Web, nos supermercados e lojas de departamento, até nas bibliotecas públicas. Outro dia comprei um livro da Agustina Bessa Luis e outro do Juan Carlos Onetti nas Lojas Americanas por R$9,90 cada. Estavam lá dando sopa, pra quem quisesse. O problema não é que esta literatura de qualidade está vedada à maioria, é a maioria que não chega nela porque não quer!
O problema é que se associa a expressão “elite cultural” à exploração das pobres classes desfavorecidas, coitadinhas, que são proibidas de ter acesso aos bens de consumo. Pode ser assim com a elite financeira e a política, mas não com a elite cultural. A elite cultural está aberta a todos, basta ter capacidade para nela ingressar. É, talvez, a elite mais “democrática” que existe (se esta expressão, “elite democrática”, não for uma contradição em termos).
A gente tem que combater algumas perniciosas “idéias feitas”, que caminham entre nós como mortos-vivos há séculos. Uma delas é justamente essa idéia de que um “alguém” misterioso e malvado está impedindo a ascensão das pessoas à elite cultural. Ninguém está, a não ser a nossa própria limitação.
C. S.,
Pra você ver que não banco o hipócrita: gostei muito de ter lido os seguintes romances de Paulo Coelho: Brida, As Walkírias e O alquimista. São belas histórias, contadas com talento e simplicidade.
Não vou ser hipócrita só porque passei pro doutorado em literatura comparada da Uerj e bancar o pedante literário. Acho essa atitude ridícula e indigna da minha pessoa – embora, concorde, as faculdades de letras estejam cheias de pedantezinhos de merda que “só lêem Machado de Assis ou Umberto Eco ou os Clássicos”. Tenho nojo dessa gente.
Eu leio Proust, mas leio Dan Brown quando posso. Acho muto triste um cara da área de literatura com preconceitos. A gente tem de ler nem que seja só pra saber, com certeza e em primeira mão, a razão pela qual essas obras são ruins. Dizer que são ruins só por ouvir dizer é babaquice.
Rafael,
Valeu pelos parabéns 🙂
Vinícius,
Você tem razão: Amar, verbo intransitivo é admirável! Infelizmente, uma obra esquecida do Mario. Interessante é a defesa que o autor faz, no livro, da utilização do “escrever brasileiro”. Teoria & prática conjugadas de uma forma muito talentosa.
Caro Saint:
Como ser grosseiro com amigos? Jamais. Aqui trocamos e discutimos idéias. Crescemos juntos.
Entendi seu ponto de vista e, em linhas gerais, corroboro a idéia (e confesso que o Onetti por pouco não tomou o lugar do Churchill no meu post anterior).
Discordo apenas de um ponto: existe sim um alguém misterioso (não tão misterioso assim): o descaso com a educação neste país.
Vc concorda que o brasileiro médio que é seduzido pela literatura tende a buscar os populares, não os clássicos.
Mas, ler os clássicos é mais do que necessário, é fundamental.
Não acho que deva ser uma leitura imposta. Pode-se usar ferramentas didáticas para isso.
Algo que pode ajudar (e vc como doutorando em literatura comparada, pode me confirmar ou não se estou certo): o que nos instiga a ler? Seja o mais ignorante ou o menos ignorante (todos nós o seremos dependendo do assunto discutido) o que nos impulsiona ao conhecimento é a curiosidade.
O estímulo da curiosidade move montanhas. Os professores são fundamentais nesse sentido. Os escritores tb. Borges me estimulou a ler Lovecraft, por exemplo.
Eu não escrevi o SD8 por acaso. O livro é um livro de historiador. É um link para os clássicos e populares. Vc verá lá Borges, Schopenhauer, Machado, Rosa, Joyce, Montello, verá também o Paulo.
A novidade não existe. O que existe é um grau maior ou menos de ignorância. O brasileiro precisa saber que existe para poder decidir o que quer ler.
A mídia, sabemos, pensa menos em formar leitores. O que é um grande erro. Poderíamos ter um mercado editorial muito mais consistente.
O escritor brasileiro principalmente deveria ter a missão de despertar a curiosidade. O Paulo desperta seja por que motivos ele tenha escolhido. Isso é coisa dele.
Eu tenho os meus e, creio, vc tem os seus (noto isso em seus ótimos contos).
É algo que o nosso MC Sergio Rodrigues (ao seu modo) faz também em relação ao nosso vocabulário. É um trabalho de abnegado, mas notamos que é feito com carinho e o agradecemos por isso. Notamos que ele é meio recluso (metido consigo, como o Bento Santiago, taí Sérgio, vc é o Dom Casmurro), mas realiza um grande trabalho em prol da língua portuguesa em sua coluna na Revista Semana (o ótimo trabalho sabemos já vem de outros carnavais). É uma opinião sincera.
Saint, espero que vc consiga, como um alquimista, transformar esse incômodo que todos nós sentimos (e que nos leva) aos livros em curiosidade que impulsionará seus alunos.
Não discutimos a leitura do livro de A, B ou C. Discutimos a formação de um país (como bem sacou o Monteiro Lobato). Isso, para sermos práticos. Sem ufanismo, por favor. 🙂
Forte abraço!
Saint-Clair:
Provavelmente não saberei definir o que seja literatura ou mensagem literária. Nem tão pouco definiria com acerto o conteúdo de uma obra chamada profunda de outra com estilo simples. Mas saberia dizer do que me toca mental ou emocionalmente.
Errinhos de português devem ser corrigidos pelos revisores.
Os gramáticos e os revisores de editoras, muitos são professores de português, devem seus empregos aos talentosos; melhor para eles que se cometam impropriedades lingüísticas. Revisores há punhados, talentos são pouquíssimos. Então viva os talentos!
Respeito sua opinião, e ai de mim se não soubesse respeitar! E não o estou acusando de invejoso, por favor, não me interprete mal. Citei o fato não de um ou de outro, mas de um percentual crítico e também blogueiros e comentaristas. Acho que a internet, nesse particular, é um bom termômetro.
Mas não concordo que ele reflita como poça d’água. Não é fantástico, mas é intuitivo e provoca sim reflexões metafísicas, interesses, analogias e discussões.
E aí me pergunto: valeria mais o autor das elites culturais, mestre da retórica ou dialética do que o popular que toca corações? Para uns o Paulo pode ser piegas e aproveitador. Mas sei de muitos cultos que o lêem e o relêem. Gostos?
Abraços, amigo, e não me julgue sisudo.
Lampedusa escreveu ‘O Gattopardo’ para a ‘elite’ e virou best-seller; Bellow escreveu ‘As aventuras de Augie March’ para o ‘povão’ e o livro virou cult, e quando escrever ‘Herzog’ para ‘elite’ virou best-seller; ‘A insustentável leveza do ser’ do Kundera é um livro repleto de digressões e cortes temporais e foi best-seller em todos os lugares do mundo; um livro como ‘Exortação aos Crocodilos’ de António Lobo Antunes foi lido por menos de 2000 no Brasil e mais de 300000 em Portugal… A questão é: não se sabe ao certo os motivos para um livro fazer ou não sucesso com o grande público. Há momentos em que o escritor escreve para 1000 e atinge 100000; e o contrário também é possível. E se um livro vender pouco é sinal de que é o romance é sofisticado e atingiu apenas a ‘elite’ de leitores isso significaria logo que estamos num momento áureo da literatura brasileira e mundial, e isso não procede. Qualidade não está relacionada com público escasso, até mesmo porque isso não explicaria o sucesso de autores como Thomas Bernhard, Cees Nooteboom, Javier Marias, Andrei Makine, Ian McEwan, Gabriel García Márquez, Orhan Pamuk e tantos outros que vendem muito em suas línguas de origem e são artistas estupendos. Acho curioso esse pensamento (nem tão direto e assumido) que relaciona público escasso com qualidade literária.
Macunaima é um livro duca…. quem o leu está ganhando. Mas quem não o leu não perde nada, desde que não tenha a pretensão de estar ganhando alguma coisa…Deu pra entender? Pois é, nem eu entendi, mas é isso ai.
Cada um que leia o que que quiser, ou que nao leia.
Eu, que nestes 14 dias de 2008 já li 5 livros (terminei, há 15 minutos, o “Bolor”, do português Augusto Abelaira, e daqui a 15 minutos vou começar o “Onde os velhos não têm vez”, do Cormac)), não me acho melhor (nem pior) que ninguém.
Mas sigo lendo, porque essa é minha sina autoimposta. Por prazer, por danação? sei lá…
Vinicius, então você não acha “curioso” esse pensamento que relaciona público escasso com qualidade de literatura. Você acha esse pensamento errado.
As estatísticas informadas, só vêm reforçar o que venho dizendo. O Paulo caiu tanto no gosto popular, como no de certas faixas intelectualizadas do Brasil e do exterior.
Alguém já me afirmou que isso é estratégia de marketing.
Estratégia ou fenômeno? Estratégia não creio, mas fenômeno com toda a certeza!
Paulo (Outro Paulo), não acho errado, acho curioso mesmo. O que eu tenho certeza é que, no fundo, qualidade literária e público leitor não formam uma lógica determinável. Dizem: esse livro tem todos os elementos para se tornar um grande best-seller… E a grande maioria dos livros escritos com esse elementos (ingredientes) simplemente fracassam… E muitas vezes um escritor faz mágica estilística e o livro tem um grande público mesmo sem os tais elementos…
Creio simplesmente que o público não vai na onda. E quem achou que o livro ia vender muito e não vendeu provou que não entende de psicologia dos aficionados.
Ou a literatura não era mesmo boa, outro erro avaliativo.
No mesmo diapasão se verifica o caminho inverso.
A verdade é que têm autores que escrevem para si mesmos. Uns são diletantes com resquícios narcíseos. E os livreiros se danam!
Há lógica nos sucessos e nos fracassos? Penso que sim!
Saint-Clair, uma pergunta:
De onde vêm nossas limitações?
Saint-Clair, uma pergunta:
De onde vêm nossas limitações?
Não li Macunaima, mas gostaria… Acho que para não ficar sem saber se é bom ou se é ruim. E todo livro, forante os do Paulo Coelho (e a maioria dos de “auto-ajuda”) vale a pena ser lido.
Todo clássico tem sua importância, mas é preciso aprender a enxergar isso. Raramente se espera que um adolescente de segundo grau goste de Macunaíma. Nao vai gostar, porque nao tem bagagem intelectual para tal.
Os livros que marcaram época e fizeram história devem sim ser estudados, porém lidos..humm, tenho dúvidas de que um vestibulando tenha capacidade de interpretar/compreender corretamente um Memórias Póstumas, por exemplo.
Nao gostar de Macunaíma é aceitável, mas nao respeitá-lo e dizer que livro antigo nao tem importância……………
(Perdao pela falta de acentuacao. Teclado estrangeiro.)
minha teoria hoje é que:
a) Creio que os temas e países contidos nos livros também tem seus cíclos, suas modas; (Vide “O codigo da Vince; Os Templários; Etc);
b) Quem escrever dentro da moda de ocasião aumenta as chances de sucesso em venda;
c) Quem apoiar-se/ ou desenvolver seu escrito no suporte de um estilo de livro (romance historico, por exemplo): ampliará também suas chances de sucesso.
“Bestseller de venda” ou “Bestseller de leitura”?
Vinícius,
Acho engraçado o que você está dizendo sobre obras “difíceis” que viraram bestsellers. Ter vendido muito não significa que foi muito lido. Lembro-me, aliás, de uma discussão em torno desse assunto quando O nome da rosa explodiu no mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil. O que se descobriu é que as pessoas compravam o livro porque ficava “bonitinho” andar com ele, levá-lo pra praia, ser encontrado por um conhecido na rua com o livro debaixo do suvaco. Agora, ler que é bom mesmo… Constatou-se que poucos se davam ao trabalho de ler uma obra reconhecidamente difícil, eivada de citações não-traduzidas em latim.
A gente precisa ir um pouco além das aparências… Os únicos bestsellers que eu conheço que são comprados e lidos são os do Paulo Coelho, da Danielle Steell e do Dan Brown. Eu sempre desconfio de livros reconhecidamente difíceis que viraram bestsellers. Grande sertão: veredas é um bestseller? Só se for de vendas, jamais de leitura. É que fica lindo a gente ter um livro desses na estante. Os amigos podem ver & coisa e tal…
Lampeduza virou bestseller? De vendas. Duvido que os italianos tenham-no lido avidamente, o cara tem uma prosa complexa.
O maior exemplo do que estou falando é o Ulisses, do Joyce. O livro é famoso por ser não lido. Já ouvi um bando de gente falando: “Só consegui chegar até a cena do barco. Depois disso, ele é ilegível”. E é bestseller! Só no Brasil temos duas traduções diferentes da obra.
bom, fico até constrangida de conviver, inda que aqui, sem o devido respeito com quem até ‘viu’ dumont. (rs)
sabia que íamos cair no paulo coelho, é isso mesmo, ou é oito ou é sete e meio. bom, para os conhecedores de p.coelho (inveja mesmo, e muita$$$$$), aquele livro dele de historinhas e lendas coletadas daqui e dali e ilustrado pela esposa teve a renda revertida para alguma instituição? careceria.
sobre ‘macunaíma’:
não é meu livro preferido (e daí?). não é livro ‘difícil’ de ler, não como ‘grande sertão’ ou ‘os sertões'(grande!), é um livro que traz visão de brasil, de literatura, de modernismo que merece discussão (valor histórico, como dito acima, vá lá) em sala de aula, quer aluno e professor gostem ou não dele. ler por prazer, por gosto, ok, mas escola é formação, não dá pra não ler ‘macunaíma’, como não dá pra não ler ‘iracema’, entre outros, não só pelo assunto que tematizam, mas porque tem ‘permanência’ quando se discute hoje brasil. modernismo etc., e tantos outros autores contemporâneos e não. posteriores.
Anderson,
Nossas limitações são biológicas ou culturais. Há pessoas que não têm paciência para ler um livro (uma atividade mortal para quem é hiperativo) assim como eu não tenho paciência pra ficar 15 horas na esteira de uma academia. E há pessoas que cresceram num ambiente que jamais foi fecundo para impeli-las à leitura.
No caso da leitura, não acredito em limitações financeiras, pelos exemplos todos já expostos em algum lugar aí em cima. No Brasil todo mundo reclama do preço dos livros, mas todo mundo toma LITROS de chope (até os pobres) que, se somados no final das contas, daria um valor maior do que o de meia dúzia de bons livros. É tudo uma questão de prioridades. O povão não quer comprar livros (nem por R$9,90 na Sendas e/ou nas Americanas), quer tomar chope, comprar roupa na C&A e comer no McDonalds. É isso que os faz felizes. Por mim, nada contra, desde que eu possa continuar lendo meus livros em paz… E, por enquanto, e tô podendo.
anteriores e posteriores a ele, claro.
Veja só um exemplo de bestseller recente que eu deixo vocês quebrarem os meus dentes todinhos se está sendo realmente lido: Les bienveillantes (que devia, na tradução, se chamar As Fúrias e não “As Benevolentes”, porque falar “as benevolentes” nada mais era do que uma maneira que os antigos romanos tinham de tentar aplacar a ira dessas divindades, tentando, digamos, “comprá-las” com epítetos bonitinhos. Mas, enfim, esse pequeno detalhe passou, claro, despercebido).
Duvide-o-dó que as pessoas que estão comprando esse livro estão mesmo lendo ele! Claro, a há exceções (e muita gente daqui leu, que eu sei). Mas é moooooda, tá em todos os jornais, em todas as revistas, em todos os sites de literatura. Então é chique comprar. Virou bestseller de compra, mas não de leitura (tenho certeza).
Carlos Magno,
Entendi os seus pontos de vista. Fique tranquilo. O papo aqui tá interessante (com tantas opiniões diferentes, conflitantes, mas que se complementam) como há muito eu não via.
Parabéns aos comentaristas todos! 2008 tá começando bem no TodoProsa… 🙂
off-topic
uma leitura de PamuK
http://z001.ig.com.br/ig/61/35/147299/blig/cavernadeplatao/2008_01.html#post_19044485
Cara persia,
Quando eu disse “vi isso com Santos Dumont” quis dizer (traduzindo):
(1) que escrevi um romance (quase uma biografia) sobre Santos Dumont, intitulado “Santos Dumont número 8” (foi citado pelo Ministério da Defesa com uma das belas iniciativas no ano de centenário do 14-Bis), e
(2) que me levou mais de 3 anos de pesquisa. Muitas entrevistas, leitura de livros, jornais (cheguei a me infurnar no Jornal do Commercio em meio ao bolor de jornais de 1906 – tem algumas fotos no meu blog) e
(3) mesmo limitado pela distância no tempo, ainda assim, com o espírito abnegado de historiador-pesquisador (é duro ser isso no Brasil) e de quem já está em uma idade madura que me permite entender que em vários séculos as paixões humanas pouco mudaram (vide os textos do “psicólogo” Machado de Assis que continua atualíssimo), tive a sensibilidade necessária para perceber as semelhanças (claro que os casos não se esgotam com os 2, acrescentemos o Carlos Chagas).
Vc também deve me perdoar a intimidade que demonstrei com o nosso grande inventor. Afinal foram mais de 3 anos de convivência diária. Ele já me é quase como um tio-avô.
E que fique claro que não sou médium (até gostaria, pois facilitaria meu trabalho de historiador). 🙂
Forte abraço!
PS: persia, vc conhece o trabalho do Instituto Paulo Coelho? Deveria. Fica em Copacabana. Ajuda idosos e crianças (mais de 400) do Solar meninos da luz (morro Pavão Pavãozinho e Cantagalo). Todos os caches, por exemplo, Paulo direciona para o projeto. Veja mais em http://www.paulocoelho.com/port/ins.shtml .
PS2: Falo isso, não para me aparecer, mas penso que pode ajudar a plantar uma semente aqui (entre os escritores): 50% das vendas do SD8 também são direcionadas para projetos sociais. Portanto, eis mais um motivo para conhecermos um pouco mais do Santos Dumont e do Francisco Abayomi, o abnegado “quase-historiador” que busca desvendar o mistério (essa lemniscata) da 8a. invenção de Santos Dumont.
SD8: para quem gosta de leituras intrincadas, cerebrais, cheias de atalhos, passagens subterrâneas e viagens temporais.
Saint, você deveria repensar melhor sua visão aristocrática de mundo. Sei que deve ser muito bom, para você, pertencer ao mundo exclusivo da ‘elite’ que lê os livros ‘difíceis’ e consegue ‘compreendê-los’. No entanto, e curiosamente, você que critica tanto leituras acadêmicas por aqui está defendendo um outro tipo de leitura de especialista. Literatura não é física quântica. Aquilo que você faz que mais te orgulha não é exclusividade sua. Você é mais um na legião de pessoas que leram livros de qualidade no mundo. Mas como o seu tesão deve ser falar de livros que ninguém leu encontrados em tiragens obscuras, realmente deve incomodar saber que existem livros extraordinários que todos podem conseguir e em muitos casos muitos leram e tiraram proveito. Literatura não é física quântica, não é coisa de especialista (apesar de que isso não dá uma sensação muito boa em certas pessoas), e é apenas ‘elitizada’ pelo preço absurdo dos livros e pela situação socio-política que marginaliza a maior parte da população e privatiza o patrimônio cultural. Mas não se preocupe muito: o Carlos Avelão (250 exemplares), Pedro Nobrega (120 exemplares) e José Custório Santos (75 exemplares), que certamente são mais importantes que Nabokov, Bernhard, Lampedusa, Marías, Garcia Márquez, Mann, autores que você deve ‘desconfiar’ por serem best-sellers, esses autores não são tão importantes quanto os três secretos e ocultos mestres da literatura que você leu e compreendeu e que, assim, fazem de você integrante da excepcional elite cultural literária desse país. Parabéns. É que eu sou povão mesmo, gosto de Lampedusa, Rulfo, McCarthy, etc…
Vinicius, vc é muito povão mesmo. Vc deve ler uma página de Cormac McCarthy e pensar: ah, que delícia pertencer a essa plebe ignara. Enquanto aquela elite de requintados foliões do sofisticado carnaval carioca estão se esbaldando com a refinada cerveja e os arranjos preciosos de samba partido alto na Sapucaí, na frente daquelas cultas mulatas a peitos e bundas nus, eu, Vinícius, estou curtindo uma coisa mais democrática, um Cormac McCarthy bem plebeu, bem poviléu, autêntico no alcançar o Brasil profundo…
Saint-Clair,
Então é tudo uma questão de vontade? Uma vontade, digamos assim, orgânica?
Desculpa, Vinícius, mas em momento algum insinuei que faço parte de uma Seita Hermética Literária qualquer. Nem de uma Ordem de Super Sábios literários. Tomo muito cuidado em não afirmar que faço parte de um grupelho restrito de gênios, porque de fato não faço. Nunca fiz. Na academia, estou mais para um pária do que para um guru. Também não uso a minha paixão pela literatura para recalcar sombrias deformações psíquicas do meu caráter ou devoradoras carências sexuais. O que você acaba de falar aí em cima depõe mais contra você do que contra mim…
A elite cultural é muito vasta, meu caro. Estou falando da brasileira (imagine as ouras então!). Não é formada por duas dúzias de pessoas, não…
Desculpe, também, mas acho que você está sendo muito ingênuo. Deve ser por causa da sua idade, só pode. Não por causa das suas leituras, que sei que são vastas e variadas. Aliás, ou é ingenuidade ou má-fé. Um diabinho me soprou aqui na orelha a possibilidade de que você esteja defendendo a “superdemocratização” da literatura com segundas ou terceiras intenções, sei lá eu quais. Você é escritor, então lhe interessa que mais e mais pessoas sejam leitoras, inclusive das suas obras. Você tem que criar seu gado, claro. Deve ser isso, imagino. Quanto a mim, nunca achei que meus textos fossem do agrado de milhares de pessoas (sei que não são), portanto estou muito tranquilo com a quantidade minúscula de pessoas que lêem obras do tipo das que eu mesmo produzo.
Eu não tenho “visão aristocrática” nenhuma mas, como Voltaire, sempre fui um elitista. Desconfio muito dessa falácia democrática que somos obrigados a engolir desde que nascemos, quando os fatos por si só falam que é impossível haver uma verdadeira democraria, seja em que âmbito for. Só esses arremedos que os hipócritas engolem e dizem, com ar extasiado, que são ótimos, que são verdadeiros, que são “isso aí”. Mas vamos nos ater ao âmbito literário. O problema é que emprego a palavra “elite” com um sentido que não é o mesmo que você lê no que digo. Mas isso, lamento, não é culpa minha. Imagino que isso seja inevitável para alguém do seu meio social, alguém que morou no subúrbio mas que atualmente mora na zona sul, estuda na PUC e vezenquando escreve para jornais e cadernos literários (e publica em antologias)… Quanto a mim, desde que moro no Rio, nunca saí de Bonsucesso. Sou mesmo suburbano até a raiz dos meus cabelos. O que não significa que o subúrbio esteja em mim, sabe?
Acho que você me conhece muito pouco – apesar de sermos, digamos, “da mesma família” – para afirmar que o meu tesão é por livros obscuros perdidos em ocultos alfarrabistas. Todo mundo que me conhece um pouco, mesmo aqui, virtualmente, sabe que essa pessoa que você descreve não chega nem perto de ser eu. Aliás, se você tivesse parado pra prestar atenção e ler direitinho o que escrevi aí em cima, mencionei que ótimos livros estão à disposição de qualquer um na Sendas & na Americanas… Juan Carlos Onetti, Agustina Bessa Luis, Marques Rebêlo, Virgílio Piñera, só para citar alguns.
Gostaria muito que as pessoas fizessem fila nas portas das livrarias uma semana antes do lançamento do próximo livro do Esdras do Nascimento ou da Adriana Lunardi. Mas a verdade é que isso jamais vai acontecer, sabe? (E não que eu esteja torcendo contra) Esperar o contrário ou sequer crer que isso é possível é de uma ingenuidade atroz…
Outra coisa, Vinícius: acho que você não leu a diferença que estabeleço entre “Bestsellers de leitura” e “Bestsellers de compra”. Do contrário não citaria alguns dos autores que citou. Você certamente já leu A montanha mágica do Mann e sabe muito bem que nem em 100 milhões de anos o Uóshito, da barraca de espetinhos ali da esquina, vai se interessar em lê-lo… Vocês intelectuais me fazem rir: querem porque querem empurrar Boa Literatura goela abaixo das “classes menos favorecidas”, “para o bem delas”, quando a única coisa que eles querem ter empurrados goela abaixo são litros de cerveja!
Não sei de quem é a culpa das “classes desfavorecidas” serem assim: o que veio antes, o ovo ou a galinha? Só sei que é assim e não vou ficar chorando por um mundo que nunca virá. Me mostre, em que país for, as multidões leitoras do Lampedusa que eu peço publicamente desculpas a você pelas audácia de ousar dizer que as coisas são diferentes do que você pensa. Ou do que, de fato, são.
Anderson,
Não estou bem certo de ter entendido o que você quer dizer por “uma questão de vontade orgânica”… Explica isso melhor, please 🙂
Paulo, Pulo Carnaval e leio McCarthy. Não sei como uma coisa prazerosa excluiria outra coisa prazerosa. Saint-Clair, não entendi direito seu comentário. Como crítico literário profissional publico em jonais e revistas; como entusiasta da literatura fiz um concurso e tenho bolsa de pesquisa na PUC; e nada mais natural que aceitar um convite para publicar numa antologia. Trabalhador, colhe. Não sei o que há de errado nisso. O que não consigo entender é sua relutância em se colocar como elite a partir do momento que logo acima, num de seus primeiros comentários, você mesmo se colocou como elite. E outra coisa curioso. Você afirma que sabe que seus textos não são do agrado de milhares de pessoas, etc, e antes disse que é um pária, etc, mas quando você afirma que seu texto será de agrado restrito está afirmando que são textos para determinado grupo. Como você pode ser pária e ter um grupo determinado em mente para seus textos, mesmo que mínimo? Saint-Clair, gosto bastante do seu blog e de muita coisa que escreve e pensa e inclusive dos seus contos, que creio serem fáceis de ler e divertidos, mas não concordo com sua visão de que o homem que trabalha na carrocinha da esquina não se interessaria por Thomas Mann se tivesse as mesmas oportunidades de leitura e acesso a cultura, por mais mínima,
Paulo, Pulo Carnaval e leio McCarthy. Não sei como uma coisa prazerosa excluiria outra coisa prazerosa. Saint-Clair, não entendi direito seu comentário. Como crítico literário profissional publico em jonais e revistas; como entusiasta da literatura fiz um concurso e tenho bolsa de pesquisa na PUC; e nada mais natural que aceitar um convite para publicar numa antologia. Trabalhador, colhe. Não sei o que há de errado nisso. O que não consigo entender é sua relutância em se colocar como elite a partir do momento que logo acima, num de seus primeiros comentários, você mesmo se colocou como elite. E outra coisa curioso. Você afirma que sabe que seus textos não são do agrado de milhares de pessoas, etc, e antes disse que é um pária, etc, mas quando você afirma que seu texto será de agrado restrito está afirmando que são textos para determinado grupo. Como você pode ser pária e ter um grupo determinado em mente para seus textos, mesmo que mínimo? Saint-Clair, gosto bastante do seu blog e de muita coisa que escreve e pensa e inclusive dos seus contos, que creio serem fáceis de ler e divertidos, mas não concordo com sua visão de que o homem que trabalha na carrocinha da esquina não se interessaria por Thomas Mann se tivesse as mesmas oportunidades de leitura e acesso a cultura, por mais mínima,que tivemos.
Todos os comentários são surpreendes. Chocantes, até.
Macunaima é um livro fundamental para obra de Mário de Andrade, para quem o leu e para a noção de liberdade e experiência na Literatura Brasileira. É um livro racional, intelectual, matemático e, portanto difícil, embora os personagens e as relações estabelecidas sejam marcantes para o resto da vida, sobretudo para quem o leu na pre-adolescencia – e sem obrigação escolar, um marco para compreender o Brasil, antes mesmo de SBH e GG. Mario nunca foi feliz com Macunaíma (para ele jamais foi um romance, mas uma composição musical).O seu melhor romance – novela – é, sem dúvida, Amar, verbo intransitivo. Sobre os dois filmes baseados nas obras: estão aquem do delírio nacionalizante do professor Andrade.
Tibor: obrigado pelo carinho. Não vamos rasgar seda, mas “A sindrome de cérbero” é que é ficção científica de primeira!
Saint e Jatobá: a discussão está ótima. Eu, confesso, não sou erudito como vcs ( como um analista de sistemas poderia sê-lo 🙂 ) mas vou (com cuidado) meter o bedelho onde talvez não sou chamado (e peço desculpas antecipadas): o que faz o veneno, dizem, é a dose. As substâncias que matam, são as mesmas que curam. Dosar, esse é o segredo.
Ainda não sei dizer a vcs qual a dose certa. Estou mais para alquimista do que para farmacêutico. Sigo a intuição. Uma substância aqui, outra ali, misturo e vejo o que dá. Em resumo: diversidade. e quem no mundo poderia compreendê-la mais do que o brasileiro?
Esse “samba-do-crioulo-doido” que é o SD8 (menos cerebral do que pretendeu o meu amigo Tibor), o é, e propositalmente, pois assim é o Brasil.
A minha crítica (acho que quem escreve tem que ter uma primeira, segunda e até terceira intenção) está não no romance em si, mas em todo o livro. Desde o nome do autor quase imperceptível na capa (dentro é outro), passando pelo conceito de que é um livro incompleto (como Nação, sempre o fomos), as várias formas de lê-lo, as citações (misturando Borges, por exemplo, com Lacan e Silas de Oliveira do Império Serrano), e aquela pergunta (um what-if) que sugere que a história real (se é que ela existe) quase sempre não é a que lemos.
(Inutilmente, pois isso é impossível) Eu quis abarcar o Brasil dentro do SD8 (quem melhor do que Santos Dumont poderia representar o “ganhou mas não levou” que é o Brasil?)
Se a palavra escrita é uma palavra morta, como disseram, o que acontece se não terminarmos uma frase? Mais, o que pode significar a intenção de se falar algo que se calou?
Na minha opinião, CALAMOS A LITERATURA BRASILEIRA.
Eu não sei o que ela é porque só me falam (e superlativamente) da literatura estrangeira. Falam-me de beatniks, do boom latino americano, dos clássicos russos e franceses e da nova literatura americana (com peruanos, africanos e até americanos).
E quem fala do Brasil? O Brasil multicultural. Do nordeste, norte e não apenas de panelinhas cariocas ou paulistas que se auto-denominam “the new brazilian literature”.
Isso não me parece ser consequência de globalização. Se fosse (não o é) seria uma incompreensão total do conceito. Global não significa matar a regionalidade. Aliás, só faz sentido se for o contrário. Exportar nossa regionalidade, aquilo que nos torna diferentes e especiais.
Uma coisa vocês podem ter certeza: se eu for escritor um dia, (quando crescer, quem sabe?), serei escritor de LITERATURA BRASILEIRA.
Desculpe a demora da resposta, Cláudio.
Toda lista de “mais vendidos” no Brasil, em qualquer época, vai mostrar uma mescla muito grande de autores. Ora mais refinados, ora mais populares. Nos anos 60, imperava José Mauro de Vasconcelos. Mas quando saía um Jorge Amado, saltava para o topo por algum tempo. Até chegar um Gargia Marquez, ou Érico Veríssimo. Que podia ser desbancado por Stanislaw Ponte Preta. Ou Cassandra Rios. ou José Cândido de Carvalho. E daí?
Quem é bom e quem é ruim? Depende do público a que se dirige. O leitor de Cassandra não chegaria perto de um Guimarães Rosa (que nunca foi “o mais vendido”, por sinal). O vice versa, até acontece, porque leitores sofisticados também são curiosos, e gostam de ter opinião sobre as coisas.
Só por esta pequena lista acima, dá pra discordar de tua afirmação de que “Literatura boa é a democrática. Chega dessa história de clubinho de exilados e isolados e intelectualóides.”. Kafka seria péssimo, por essa visão!
Tem escritor querido pela academia vendeu bem. Tem muito escritor “popular” que não vende nada.
Não li as “Benevolentes”. Mas li Paulo Coelho, inclusive o último, Verônika. Achei fraco, ué!
Ser tolerante, como você diz, não pode significar automaticamente “gostar de tudo”, não acha? Adoro histórias em quadrinhos, tenho uma boa coleção em casa. E acho Thomas Mann um chato, chegar ao fim da Montanha Mágica foi um sacrifício.
Resumindo: Todos nós temos nossos favoritos, seja lá em que segmento estiver: alta, média ou baixa cultura.
O literato que vive/pensa em apenas uma dessas categorias é um idiota.
Daniel Brazil, ‘O Processo’ de Kafka no Brasil vendeu mais de 10 reimpressões… E tem a edição de bolso… E some na equação os outros títulos de Kafka (só ‘A metamorfose’ deve ter vendido o dobro), e estamos de um escritor bastante lido e com um público crescente… Se vende tanto, deve ser ruim, seguindo a lógica desse espaço… E já estou prevendo: tem gente que vai falar ‘compraram, até leram, mas não compreenderam’…
Ontem passou um programa literário na TV Cultura abordando vida e obra de Oswald de Andrade. Imediatamente procurei na estante as Memórias Sentimentais de João Miramar, que lera na adolescência. Meu Deus, gente, como é que eu consegui ler “aquilo” quando era pivete? E como também à época consegui digerir Macunaíma, de Mário de Andrade, ou Sagarana, do Rosa? Aliás, de Guimarães Rosa todos os seus livros são leituras para penitentes. Li, faz muito tempo, o último conto de Rosa – Páramos -, escrito pouco antes de falecer e publicado numa revista dos anos 70 chamada Ficção. Ininteligível – tanto que achei que o escritor morrera na hora certa.
Vinicius: como assim, “seguindo a lógica desse espaço”? Imagino que você se refira a (alguns) comentaristas, mas eles são tantos e têm tantas opiniões diferentes que, se “esse espaço” tem uma lógica, ela só pode ser a minha, a do autor do blog. Que, naturalmente, jamais disse tamanha asneira.
Saint-Clair: tudo bem, só não entendi por que você acha que a edição brasileira deveria ter transformado “As Benevolentes” em “As Fúrias”, traindo o velho eufemismo (Eumênides) dos gregos, usado pelo autor no original. Seria um grande erro. Aliás, a tradução é muito boa.
É que o Vinicius é um cara bem povão, bem plebeu, que lê Cormac McCarthy para ficar mais perto do povo, para se sentir um autêntico brasileiro, e ele vê esse “espaço” como um lugar de gente elitista, dessa gente que adora pular carnaval e ver Big Brother, só gente da sofisticada elite que não entende que literatura é a coisa mais democrática do mundo.
Saint-Clair,
A pergunta tem a ver com o que o Vinicius escreveu nas últimas linhas do post dirigido a você:
“não concordo com sua visão de que o homem que trabalha na carrocinha da esquina não se interessaria por Thomas Mann se tivesse as mesmas oportunidades de leitura e acesso a cultura, por mais mínima,que tivemos.”
Concordo quando você escreve que certa literatura é dirigida a uma elite cultural e completaria que essa mesma elite, pela sua formação, pelas ideologias possíveis a ela, acaba se sentindo um pouco culpada pelo fato desses textos terem pouca ou nenhuma ressonância em pessoas que não foram ensinadas a gostar e a tirar proveito da experiência da leitura. Também concordo contigo que pode ser um erro ficar fazendo pregação a favor da leitura, como se ela por si só fosse sempre benéfica para o ser humano, quando muitas vezes pode ser apenas pura chateação. Mas não posso concordar contigo quando você atribui o desinteresse de alguns pela leitura e o interesse desses mesmos pela cerveja & cia à vontade, a limitações. O que gera essas vontades, o que impõe essas limitações? A minha pergunta é essa pelo fato de seus argumentos soarem não elitistas à Voltaire como você já os descreveu, mas elitistas no pior estilo Ortega y Gasset (ou Boninho, como queira), aquele do nojento desprezo pelas massas…
Pronto, mais um Jatobá na área, dessa vez pra falar mal de Ortega Y Gasset e o seu “nojento” desprezo pelas massas…
Claúdio
Entendi o que quis dizer com o “vi” , não tudo o que vc me informa, claro. Estava me divertindo em pentelhá-lo. No caso, quem se deu intimidade fui eu.
Não sabia sobre o seu livro, e parabéns por ter sido “uma das belas iniciativas no ano de centenário do 14-Bis”. Sobre ele, só li o Brasileiro Voador. Também não sabia ser você historiador-pesquisador, de novo cumprimentos, quase fiz história um dia. (rs)
Não, não conheço o instituto PC, achei ótimo sabê-lo, e nunca li PC, apenas folheei o ilustrado que citei acima. Também nunca li nomes com crítica já bastante estabelecida, alguns muito citados por aqui. Continuo não tendo vontade de ler, mas aviso, quando alunos meus perguntam pq não faz parte do currículo, que não li e que não vai dar, embora adore policiais meia-boca, também eles não virão pra sala. Nem entrarei no end que indicou, embora ache que quem tem deva ter compromisso social de alguma espécie, na sua medida, não acredito em irresponsabilizar-se á espera de longínquas mudanças estruturais da sociedade. Acredito até no bolsa-família. (Pedras pela net, não.) embora Lula já esteja de bom tamanho (tchau, presidente).
Taí, já o seu livro fiquei com vontade de ler.
Grande abraço, perdoe a zoada.
Cara persia: sendo vc professora, envie um email para emaildocssoares@gmail.com, que, com o maior prazer, eu envio um exemplar do SD8 autografado para vc (mas tem vai ter que dizer o nome 🙂 ) Forte abraço!
Daniel: está desculpado. Qnd eu disse tolerância foi no sentido de aceitar que o outro pode ter uma opinião diferente da nossa. Concordo com a maior parte do que vc diz. Permita-me apenas discordar de uma coisa: jamais acharia Kafka pessímo. Que bom, mesmo à sua revelia, tenha sido publicado. Mas, penso, isso sim, pode anotar, que existe vida para além do mainstream. Vou citar um caso (aleatório). Vc já escutou falar do Edward Page Mitchell (1852-1927)? Eu não o conhecia. Conheço-o um pouco agora. Mas (é claro) conhecia o H. G. Well. Agora, veja só o que é a vida: o EPM lançou, anos antes do Wells, contos sobre invisibilidade humana (The Crystal Man) e viagem no tempo (The Clock that Went Backward). Tb lançou antes de todos histórias sobre cyborgs, teletransporte, mutantes e até transferência de mentes. Mitchell me intriga. Não se surpreenda se, em breve, eu não publicar algo no pontoLit sobre o editor do New York Sun. Abs.
Sérgio, a lógica da caixa de comentários é quase sempre excludente, elitista, e diria até preconceituosa demais. Coisa do tipo ‘o povão só quer cerveja mesmo’ repetida em dezenas de variantes. (E como se cerveja fosse ruim.) Não falo do ‘Todo Prosa’ e sim dos comentários da caixa. Acredito que o único comentarista dessa caixa que pensa maneiras de incluir pessoas no mundo da leitura é o Cláudio Soares. O restante, em sua imensa maioria, está sempre encontrando argumentos paa mostrar como é fascinante o fato que lêem um Grande Autor e o pipoqueiro e marceneiro e padeiro e leiteiro são incapazes e mesmo se o fizessem jamais entenderiam os sentidos profundos do Grande Autor. Acho a caixa de comentários do ‘Todo Prosa’ um fascinante panorama da forma tensionada como a cultura é manipulada e apropriada nesse país no melhor e também no pior sentido. Como jornalista cultural é um espaço realmente proveitoso porque dá para ter acesso a várias facetas da apropriação social da leitura. A única lástima que sinto é que inúmeros potenciais comentaristas apenas devem ler e não se importam em escrever e participar porque assim, imagino, o panorama e cenário estaria mais completo e rico. E é divertido, muito divertido, ler o burburinho curioso com que os amantes de livros se ofendem, admiram e elogiam. É uma fauna interessante; e faço parte dela. Deve ter gente que me acha esquisito.
Universitários não leram “Macunaíma”? E daí? Ninguem lê nada neste País nem no ensino fundamental que dirá na universidade. Bom alguns dizem que “lêm muito Paulo Coelho” como se fosse possível ler aquelas coisas.
Na verdade ler no Brasil é raro, raríssimo. Não só Macunaíma, Sertões, Lusíadas, Cem Anos… ou Moreninha, Iracema, seja lá o que for. Não se lê. No máximo horóscopo e futebol e olha lá, ainda assim só o signo próprio e time de preferência.
Lá para trás algum doido escreveu que ler é para emos e que escritores são doidos e suicidas. Seja lá quem foi que tascou uma asneira destas deve ser anarfa de avô,avó, pai e mãe e com certeza tem ou terá filhos anarfas…
Cá na minha cidadezinha eu distribuo desde Mônica, Pato Donald até Harry Potter, passando mesmo por Mario Prata. Compro nos sebos em Curitiba e ganho de amigos e distribuo. Quem não lê não escreve, quem não escreve não fala…
Paulo (outro Paulo),
Você acha “bacana” o desprezo que figuras eruditas e influentes (e fascistas) como o Ortega y Gasset tiveram (e ainda têm – seus filhotes andam soltos por aí) pelas massas? Eu acho abominável.
Até o velho Ortega apanhou nessa caixa. Perdoai-lhes Senhor, eles não sabem o que fazem.
Ortega apanha há tempos. Não é porque o sujeito foi um soberbo teórico das artes que não se deve apontar os momentos em que seus argumentos resvalaram para o fascismo. Esse tipo de postura cegamente reverente combina bastante com a frase divina que o você citou. De incoerência, não posso te acusar.
Aliás, outro que apanha há tempos é o Mário aqui em questão. Certa parcela – a mais influente – dos intelecutais paulistanos têm resistido bravamente na sua defesa. Ainda bem, porque também acho que o romance é importante, que seu raio de influência não pode ser ignorado e, por isso, acredito que deva continuar sendo lido nas escolas, ou melhor, deve-se ensinar a lê-lo nas escolas.
Vinícius,
Mea culpa. Fui hoje comer um churrasquinho no Uóshito da esquina e, adivinha? Ele me mostrou, entre as bandejas de espetinho cru já preparadas, um exemplar (com marcas de dedos gordurosos) do Viagem ao fim da noite, do Céline. O Uóshito me contou que os próximos na fila são o A casa assassinada do Lúcio Cardoso e o Avalovara do Osman Lins. Diz ele que mal pode esperar pra começar essas leituras, e que pretende avançar nelas durante o carnaval.
Eu errei mesmo, estou chocado com a minha falta de percepção e com o grau de desconhecimento que tinha, até hoje, das massas: elas estão LOUCAS pra ler os clássicos.
Obrigado por me libertar! Você abriu os meus olhos e me sinto como Saulo de Tarso quando Jeová fez com que sua cegueira se revertesse, depois do episódio da estrada de Damasco. Aleluia!
Sérgio e Anderson:
Prometo amanhã responder às suas questões. Já é de madrugada e eu nem ia responder nada agora, mas não pude deixar de dar resposta ao Vinícius. Estou “bouche bée”, como dizem os franceses, com esse rapaz. (Espero que ele não me acuse de elitista só porque uso expressões francesas. O francês, como tudo o mais, não tem a menor importância em nosso país… Dessa, não podem me acusar, acho eu. Talvez só possa ser acusado de anacronia)
De Mário, muito me agrada a carta de 10/nov/1924 para Carlos Drummond. (em “A lição do Amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade”, José Olympio, 1982, p.6)
Em determinado trecho ele diz: “Toda minha obra é transitória e caduca, eu sei. E eu quero que ela seja transitória. Com a inteligência não pequena que Deus me deu e com os meus estudos, tenho a certeza de que eu poderia fazer uma obra mais ou menos duradoura. Mas que me importa a eternidade entre os homens da Terra e a celebridade? Mando-as à merda (…) A minha vaidade hoje é de ser transitório. Estraçalho a minha obra. Escrevo língua imbecil, penso ingênuo, só pra chamar a atenção dos mais fortes do que eu pra este monstro mole e indeciso ainda que é o Brasil.”
abrs!
Caro Vinicius: Obrigado pela referência, mas creio que todos por aqui, de uma forma ou de outra, carregam essa semente de “incluir pessoas no mundo da leitura” (vc, certamente, pois já li alguns artigos seus).
O SD8 (desculpem mais uma vez a citação) é tb um plano de trabalho. Em algum capítulo (cujo número não quero me lembrar 🙂 ) existe uma citação (elas começam cd capítulo; eu as chamo de links): “Felizes são os que escolhem, os que aceitam ser escolhidos, os belos heróis, os belos santos, os escapistas perfeitos” (J. Cortázar, O jogo da amarelinha. Trecho subilinhado no exemplar A863 COR J encontrado na Biblioteca Popular da Tijuca em 18 de janeiro de 2006).
Se vcs forem lá na Tijuca, encontrarão o exemplar. A ótima Josefa Moutinho, bibliotecária chefe, já está avisada da propaganda que fiz da sua biblioteca.
Fiz questão de pesquisar tb em uma biblioteca popular pois queria fazer esse link. Chamar à atenção dos potenciais leitores para os verdadeiros tesouros que encontramos nas bibliotecas populares (BP).
Este ano, começaremos (pela Tijuca) um ciclo de leituras nas BPs. Escritores podem ser mais participativos. Existe uma aura nos os “que aceitam ser escolhidos” que pode despertar essa curiosidade pelos clássicos que estamos discutindo por aqui.
Espero que mais alguém por aqui se interesse e queira participar deste projeto. Avisarei o andamento dele por aqui.
As linhas sublinhadas (e comentários) nos livros que encontrei me despertaram idéias que acabei levando para o romance.
Uma delas (ainda de O jogo da amarelinha): “Ler as linhas sublinhadas até a página 211, voltar à página 206 e ler as não sublinhadas até o final, emendando no último parágrafo…”
O comentário é anônimo.
Gente:
Sou neófito tanto por aqui como em assuntos de literatura.
Vejo o Jatobá e o Saint-Clair com excelentes performances. Aliás o blog está talhado de bons críticos.
Citei somente os dois porque a discussão pega fogo. É sempre assim, quente pacas? Estou preocupado.
Faço duas perguntas:
1. Jatobá: Onde posso adquirir um livro seu? Sou pobre, e quero desconto.
2. E falando de elites, alguém por aqui já leu José Sarney?
Há tempos o ex-mandatário máximo desse nosso país dos sonhos futuros, tentou, se não me falha essa droga de memória, reeditar, me parece, A Pesca do Curral ou editar mesmo O Dono do Mar.
Não encontrou quem quisesse. Foi preciso declarar-se publicamente revoltado para que o livro fosse editado. Logo ele que poderia abrir uma editora por dia.
Fiquei então ruminando: elite político-literária e elite literária têm muito em comum. O fato é que o livro saiu.
Pobre Carlos Magno, em breve conseguirá um livro meu. Ainda esse ano. Quanto ao livro barato seria uma luta de todos os escritores para tornarem o mercado mais profissional. Infelizmente, vivemos num país onde até romancistas policiais ficam felizes de terem seus livros encalhados porque preferem o capital simbólico ao capital que irá pagar suas contas. Assim, devem imaginar que matêm sua Arte longe das demandas do Vil Mercado. Vivemos num país ideologico e institucionalmente liberal mas culturalmente aristocrático. Esse é o grande nó do Brasil.
Tentei ficar fora da discussão, mas é mais forte do que eu. Espero que alguém ainda apareça por aqui.
Saint-Clair, da última vez que entrei num papo de elitismo literário com você peguei pesado. Peço desculpas atrasadas e vou tentar manter a calma dessa vez. Em pontos:
– Você diz que gostou muito de alguns livros do Paulo Coelho, mas em outro comentário diz que Paulo Coelho escreve “mal pacas”. Não é contraditório?
– Entendo o que você quer dizer com “elite cultural”, mas por que associá-la sempre a uma elite financeira ou social? Por que o exemplo é sempre com o Uóshito do churrasquinho e não, sei lá, com o Paulo Ferreira de Gomes Oliveira Júnior, que passa o dia malhando na academia mais cara do Leblon?
– A distinção entre best-seller de venda e best-seller de leitura é interessante, mas o resultado é que a sua teoria simplesmente não pode ser negada: se há um livro bom que vende bem, você o declara best-seller de venda e pronto, a teoria está salva. Seria aceitável se as exceções fossem poucas, mas há muitos bons autores que vendem bem. Difícil colocar todos no mesmo balaio de “best-seller de vendas”. Duvido, por exemplo, que Ian McEwan não seja lido pela maioria das pessoas que compram seus livros.
– A partir do McEwan, chegando na minha opinião: há escritores bons e escritores ruins. Há escritores difíceis e escritores fáceis. A partir dessas duas categorias dá para criar quatro tipos de escritores, e todos existem: bons e fáceis (Ian McEwan), bons e difíceis (James Joyce), ruins e fáceis (Michael Chrichton, mas só li um livro dele), ruins e difíceis (Christopher Bernard, autor de “A spy in the ruins”: vocês nunca ouviram falar desse livro e, acreditem, não perderam nada).
Não dá para dizer que tudo o que é bom é para poucos. É um raciocínio reconfortante para autores sem público: se eu não sou lido, é porque escrevo para os “happy few” do Stendhal e do Brás Cubas. Mas tem muito autor bom sendo lido por muita gente.
Abraços,
Lucas
Anderson,
Respondendo, espero que não com atraso:
A questão que me incomoda MUITO é que há uma certa camada de pessoas – vamos chamá-la “intelectuais” por falta de nome melhor – que acha que “as camadas mais desfavorecidas” (outro termo que detesto) da população não têm nenhum acesso à boa cultura. É claro que os pobres não têm condição de comprar livros a 70, 80 ou 90 reais (As Benevolentes custa 80 reais), mas o que quero mostrar é que volta e meia há excelentes artigos da “alta literatura” à disposição por preços muito menores: 10 reais, cinco, às vezes até menos. Nas bibliotecas, de graça. O acesso das classes desfavorecidas é limitado mas não inexistente. Então, qualquer pessoa sensata perguntaria, por que os pobres não lêem? Porque não foram habituados à leitura. O hábito da leitura é que nem o hábito de escovar dentes: tem de ser implantado no ser humano, e isso começa cedo. No nosso país, não há uma política escolar séria (só coisas pra inglês ver) de incentivo à leitura e, portanto, a leitura é uma habilidade atrofiada. Não adianta querer que o adulto de 30 ou 40 anos torne-se leitor de repente e consuma dezenas de livros por ano. Se isso não começa na infância ou, no mais tardar, na adolescência, é praticamente impossível iniciar um adulto no hábito da leitura. Portanto, é isso que limita o acesso dos pobres aos bens de consumo literário. O meio não é propício, entende?
Agora, por favor, que não me venham dizer que os pobres, coitadinhos, não têm acesso a bons livros!
Anderson,
Esqueci: nunca li Ortega y Gasset.
Sérgio,
Sei que a tradução de As Benevolentes é excelente (o tradutor está de parabéns), só não gostei do título, porque a maioria das pessoas não vai entendê-lo quando ler o livro. Acho que seria mais direto e inteligente trocar o epíteto por aquilo a que ele se refere. Mas reconheço que é uma opinião, apenas.
Saint-Clair, você não acha que esse observação só poderia ser dirigida ao autor? Que, a partir do momento em que ele optou pelo eufemismo no título, nada resta ao tradutor senão… traduzi-lo?
Saint-Clair:
Com tantas carências nesse Brasil realmente seria uma dádiva dos deuses que os pobres tivessem acesso à literatura.
Em certa proporção acho até que as camadas desfavorecidas poderiam surpreender intelectualmente, como surpreendem quando se lhes dão oportunidades de desenvolver potenciais atléticos, para jogos, ou mesmo danças, como o menino bailarino vindo da favela, que se mostra ao mundo. Mas atlética ou fisicamente é uma coisa, cultural e intelectualmente é outra. A arremetida pela intelectualidade e cultura é algo puramente endógeno, instintivo, genético.
Concordo em parte com você, pois a educação é problema social. Mas o pobre dito alfabetizado não sabe ler direito. Aqui no Rio, nossos governantes acham que fazem enorme favor em manter lá, ao pé da favela, um Brizolão. Das professoras que conheço, três não irão mais de forma alguma a essas escolas. Falta de tudo, e corre tudo o que não presta. E são até ameaçadas de morte ou estupro.
Os programas de alfabetização e de outros níveis educacionais, têm de ser revistos, não somente pelo lado da cultura literária. Nas escolas um pouco melhores dessa classe social, falta mesmo o incentivo à leitura em meio a tantas coisas básicas. Basta ver a colocação ridícula e vergonhosa que o Brasil obteve na avaliação mundial da qualidade educativa de nossos jovens. Ficamos quase segurando a lanterna.
Mas acho que se levassem a sério essa necessidade da educação, com investimentos sólidos ao invés de papo furado de políticos canalhas, teríamos aí, com sorte, um promédio de uns trinta anos somente para olharmos os resultados dos investimentos com boa expectativa.
Contudo, acho que a classe “mérdia” consegue ainda heroicamente ler alguma coisa. Heroicamente por tudo. Pela má formação de nosso sistema de ensino, pelas dificuldades financeiras, pelos preços dos livros, pelo desemprego vergonhoso. Muitos que lêem, de repente, tiveram sorte na vida e são aficionados da literatura. No mais, creio, é nossa velha vontade de exigirmos a realização de um sonho.
Abraços.
Carlos, ainda podemos fazer a nossa parte, indo aonde o povo está.
Os escritores estão reclusos. Não conversam com o público. Quer dizer, só “dão as caras” em Bienais (ou qq outro evento badalado).
O nosso trabalho é de formiguinha mesmo. Não é de cigarra.
Por exemplo, acho inadimissível que eu, escritor estreante, tenha sido o primeiro (escritor) a fazer um bate-papo com o público na Saraiva MegaStore da Rua do Ouvidor, aqui no Rio de Janeiro.
Isso foi em novembro de 2006. Depois repeti na Tijuca. Conversei com leitores sobre o processo de criação do meu romance.
Isso deveria ser prática comum. Também vou às escolas, bibliotecas, etc. É lá que estão nossos futuros leitores.
E afirmo: espaço tem aos montes.
Nosso livro pode não sair no jornal ou nos cadernos de literatura. A gente até tenta, mas me parece que eles estão sempre muito atarefados e não tem tempo para essas coisas… Que sigam seu rumo.
Por incrível que pareça, em jornal impresso, só souberam do SD8 pela coluna do Ancelmo Gois, 2 vezes, na época em que fiz os bate-papos na Saraiva.
Isso eu digo para mostrar que a vida, camaradas, é dura. Mas, como é doce ver nosso livro na livraria (e vendendo) e conversar com nossos leitores!
Se a vida de um best seller brasileiro é difícil aqui nesse país (vide o caso do Paulo Coelho), escritor estreante, e desamparado de QI, também rala e muito.
Mas, tudo vale a pena pela literatura e pelos leitores. Afinal, é melhor ser lido, do que só comentado. Se é que me entendem…
Eu até queria dar um pitaco. Cheguei atrasado fica para a próxima.
92 comentários-teses ia requerer o dia inteiro para 1) levantar o que se está discutido 2) formar opinião sobre cada tópico 3) escrever uns 4 comentários sobre cada um 4) já me perdi.
Ou seja, vim dizer que tenho que me abster.
Mas parabéns pelo fôlego.
Enquanto houver debate a literatura está assegurada.
Seja MAIOR ou menor.
C.S. Soares:
Realmente, quando não há infra-estrutura fica tudo mais difícil.
Falam que nos USA, escritor novo ou veterano é mais considerado e respeitado.
Sei não. Tenho lido sobre imensas dificuldades de escritores editarem livros, principalmente novos.
Enfim, ler também é uma arte.
Abs.
Discordo da qualidade universal de Macunaima, apesar de reconhecer que o livro foi direcionado com rigor e inteligencia a um publico paulista. Meus motivos para discordar? Encheriam uma tese, mas se pudesse resumi-los, diria prosaicamente que eh um livro chato, cheio de pastiches, cheio de preconceitos, cheio da arrogancia industialista paulista recem-nascida do aroma do cafe. Nao eh a toa que o Lima Barreto – convidado pelo jovem Sergio Buarque – se recusou a participar do movimento modernista, dizendo que aquele negocio ( o modernismo da Klaxon) mais parecia propaganda de automovel.
Eh um livro que, tentando enterrar o romantismo, o realismo, e os ufanismo a la Conde de Affonso Celso, retrata o brasileiro como um povo bruto e incultivado. Sinceramente, qualquer Chico, Santa Clara, Jatoba, Sergio, Soares CS, Lucas, Persia, Carlos Magno, enfim qualquer um de nos, ja deve ter mesmo pensado que Mario de Andrade tinha razao – quando p. ex. chega a janela e ouve aquele som de pagode saindo do boteco da esquina nas alturas, ou ligando a televisao num domingo a tarde – , mas hoje chego a conclusao que ele era um cara mal intencionado intelectualmente, pois tinha os meios interpretativos para fazer uma obra sofisticada, como a de Lima Barreto ou Machado (p. ex.) e os expos de maneira crua, mostrando uma falsa erudicao juvenil que athe podia fazer dele, frente a seus pares ‘modernistas’, um ponto fora da curva em termos de originalidade.
O que mais me deixa intrigado eh como um livro tao ruim possa ser tao idolatrado e tao buscado como um muiraquita.
Nao me lembro bem quem ai em cima falou de elites, cultura de massas e confundiu Ortega com seu irmao univitelino Gasset, e Pareto com um tipo de Mosca…. Bom, quem tiver tempo, arrojo, grana, humildade, saco e perseveranca, – enfim, valores que vc adquire lendo Paulo Coelho – , de uma olhada nos livros do Grynszpan e do Christopher Lasch sobre as elites. Depois deles, acho que nunca mais o pessoal todo prosa vai confundir comida italiana com o escol.
Vinicius, quando me referi a Kafka quis exemplificar um escritor “isolado”, “exilado”, que provavelmente não escreveu nada na vida pensando em estar na lista de “best-sellers”. Poderia ter citado Raduan Nassar, pra ficar num exemplo nacional.
O que eu queria indicar, com esses exemplos, é que pessoas “isoladas” também podem fazer boa literatura, não é preciso ter uma atitude populista para ser popular.
Pasmei com essa afirmação: “quem tiver tempo, arrojo, grana, humildade, saco e perseveranca, – enfim, valores que vc adquire lendo Paulo Coelho -”
Chico, você é um gozador!
Poxa Daniel, logico! Pois afinal esses valores eu adquiro mesmo eh lendo o Deepak Chopra!
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Bom,a obra Macunaíma passa a ser chata e entediante para os leitores superfíciais,ela só tera valor para aqueles que souberem fazer uma releitura da obra.