Sem querer ser chato, acho que vale a pena levantar a questão do acesso. Para quem teve a oportunidade de aprender várias línguas, e tem acesso a boas edições, de grandes tradutores, vale reclamar de nuances nos textos traduzidos. Mas quando se trata de leitura, sou daqueles que costumam dizer sempre: “É melhor do que nada”. Cheguei a estudar Filosofia um ano, e lembro que muitas pessoas falavam mal da coleção “Os pensadores”. De fato, ela não traz as melhores traduções, mas não creio que atrapalhem estudantes do primeiro período. Concordo que é muito melhor ler Kant em alemão, mas devo esperar aprender a língua para fazê-lo?
Comentário de Pedro — 31/10/2006 @ 1:58 pm
Pedro, traduções, boas ou más, são fundamentais. Querer que uma obra só faça sentido no original é defensável para a poesia, mas para qualquer prosa, de filosofia a literatura, denuncia um elitismo alarmante. Além de um separatismo cultural no grau mais insano: “Jamais saberás o que disse Dostoiévski, até aprenderes russo”, a sentença pairaria sobre todas as cabeças não-russas da humanidade do primeiro ao último dia de suas vidas. É nesse mundo que vivem os inimigos da tradução.
A tradução é uma necessidade humana básica, e um dos mais sensíveis termômetros da inteligência coletiva de um país. Quando é inepta pode ser, sim, desastrosa para uma obra. Provavelmente mais para a ficção do que para a filosofia (concordo sobre os Pensadores). Não se trata de “nuance”, como você diz, não é capricho. Falta legibilidade, ritmo, a bênção de não tropeçar a cada vírgula, conhecimento literário da língua, enfim. Tudo o que afinal faz o sujeito ler literatura. Temos excelentes tradutores, os que você citou e outros, mas nosso volume de tradução abaixo do medíocre é consistente. Com o que pagam, não se estranha, até pelo contrário: entende-se muito bem. As editoras dizem que não dá para pagar mais, que pagar mais comprometeria o negócio. Quando aumentam, é pouco.
Está errado. O bom tradutor precisa ser recompensado com opulência. A tradução é tão importante que deveria ser subsidiada. Isso aí. As quatro necessidades sociais básicas que cabe ao Estado prover: educação, saúde, segurança e tradução.
17 Comentários
Coordeno uma publicação que seleciona artigos relevantes escritos em outras linguas para tradução aos acadêmicos e profissionais da minha área. Mas como não temos recursos para pagar um tradutor, nossas traduções são feitas com a boa vontade dos colaboradores. Este trabalho tem relevância, devido a emergência de artigos relevantes que são publicados internacionalmente, estão disponíveis de forma livre na internet, mas não são acessíveis para 99% dos acadêmicos do nosso campo que ingressam nas universidades. Então, a qualidade dos nossos graduandos é consideravelmente inferior a de outros países. O trabalho de tradução é fundamental e os profissionais deveriam ser valorizados.
Sergio, concordo com você. Desprezar traduções e fazer uma apologia (nem sempre desfrutável no nível que se apregoa) do original é um péssimo sinal.
Concordo também que os bons tradutores devem ser mais bem remunerados.
Meu questionamento é se uma péssima tradução fosse melhor remunerada era teria sua qualidade elevada. Acho que não.
Tem muita, mas muita gente que faz um cursinho de línguas, ou entra para uma faculdade de letras, e já sai mandando currículo pras editoras. O editor aceita, em nome da viabilidade. E a bomba estoura na mão dos copidesques, dos preparadores e dos revisores – não necessariamente bem remunerados.
Vocês não viram nada. Na área jurídica os Doutrinadores esponjas traduzem mal, mudam todo o sentido da idéia original por incompetência na tradução e pimba: Assumem a paternidade da teoria. Dá vontade de chorar. Subsídio já.
Sou daqueles que acham que uma boa tradução é uma co-criação. O trabalho do tradutor e as traduções são fundamentais. Fico chocado com o que vejo acontecer em traduções de grandes editoras brasileiras: há erros grosseiros cometidos a torto e a direito. A culpa é de quem? Certa, mas não exclusivamente, do tradutor. É culpa do próprio mercado, que remunera miseramente um tradutor. Quando um bom curso de tradução vale uma fábula. É nisso que dá: tradutores medianos fazendo besteiras. Mas querer colocá-los como únicos culpados é ingenuidade ou má-fé.
E tem também a questão da tradução de obras brasileiras para outras línguas. Um tempo atrás o governo sugeriu criar um subsídio para estimular a divulgação da nossa literatura, mas foi criticado por estar “injetando dinheiro no país dos outros”. Pode? É por conta desse tipo de pensamento que as coisas seguem como estão. Quanto à tradução para o português, o problema é mesmo esse: grana. Um tradutor com mulher e filhos não consegue sobreviver traduzindo um livro por mês. Aí o cara tem que correr e…
Realmente, Roberto. É triste que lá fora sejam lançados muito mais títulos dos nossos vizinhos latinos do que livros brasileiros pela ausência de tradutores de português.
Bancando o Advogado do Diabo: e temos tanta coisa boa assim que mereça ser traduzida? (Hehehe)
Bem, me dá uma tristeza quando eu vejo a imensa quantidade de títulos traduzidos em Portugal que não estão disponíveis no Brasil (a não ser que se importe). Eu não consigo entender direito porque isso acontece.
Concordo com o autor em gênero, número e grau. Somos um país que não provê decentemente nem a educação de base, onde formandos do ensino médio não conseguem compreender e preencher nem uma ficha de emprego. Se ainda almejamos, ainda que utópicamente, acompanhar a produção cultural mundial presente, passada e futura, e principalmente fazer a diferença neste panorama, não podemos nos dar ao luxo de passar sem os tradutores. a circulação da informação é prerrogativa básica para a produção intelectual. Por tudo isso, a tradução deveria sim ser subsidiada pelo Estado.
Até acho que não, Saint Clair, hehehe. Mas não falo apenas de autores contemporâneos, mas também dos clássicos. Poxa, Grande Sertão foi traduzido como The Devil to Play in the Backlands… se Rosa fosse mais e melhor lido lá fora, como diz o Mindlin, seria considerado um dos maiores autores da história.
Alguns tradutores são um caso à parte. Clarice Lispector, com sua tradução de “Entrevista com o vampiro”, me fez acreditar que Anne Rice era uma escritora. Foi só ler um romance no original para ver que estava errado.
Sérgio,
Acho que misturei duas questões no comentário. Uma coisa é o elitismo de dizer que um texto só deve ser lido no original, outra, bem diferente, é reclamar de uma má tradução. Até porque, muitas vezes, mesmo sem saber uma palavra da língua original de um texto, é possível saber que ele foi mal traduzido. É justamente a falta de “legibilidade, ritmo, a bênção de não tropeçar a cada vírgula” da qual você falou.Também foi equivocado o uso da palavra “nuance” como sinônimo de capricho, já que literatura se faz de nuances. De qualquer forma, consegui levantar a questão do acesso, que era a minha intenção. Não sei se você estava falando sério sobre os subsídios estatais, mas a primeira coisa me que me veio à cabeça é que as traduções são um assunto do qual o Itamaraty deveria se ocupar com mais afinco, não? Não sei bem o que faz um diplomata, mas acredito que a circulação de cultura é tão importante, ou mais, do que a de mercadorias.
Pedro
Não será que estamos falando de duas coisas completamente diferentes? Livros brasileiros traduzidos para outras línguas e livros estrangeiros traduzidos para o português (no Brasil). No primeiro caso, seria boa idéia que o Ministério da Cultura criasse um programa de ajuda a tradutores – isto deve fazer parte da publicidade do Brasil no exterior, algo fundamental se queremos expandir nossa fatia do mercado cultural internacional.
Mas falar em subsídio para tradutores aqui no Brasil é coisa que me causa arrepio. Se fizermos isto, daqui há pouco teremos um sindicato de tradutores e só diplomados (e sindicalizados!) poderão assinar traduções. É melhor deixar tudo como está – e que os tradutores saibam negociar melhor o pagamento que recebem das editoras. E que estudantes que têem dinheiro para pagar mais de 100 reais para ver concertos do Chico Buarque (em cujas filas ficam desde as últimas horas da madrugada!) usem uma parte deste dinheiro para comprar livros traduzidos – o que tornará mais amplo o mercado das editoras. E – pelo amor de Deus! – não deixem o governo entrar no assunto, ou tudo irá por água abaixo. Quem não se lembra daquele sistema de edições e co-edições do Instituto Nacional do Livro, que começou como algo extremamente promissor, com um bom número de excelentes traduções de obras fundamentais, e acabou como financiador de livros de “poesias” patrocinados por políticos regionais?
[Para o Jonas: “The Devil to Pay in the Baklands” é uma boa re-criação de título para o romance de Guimarães Rosa. Nele há a presença do “diabo” e, vista literalmente, a idéia de “pagar ao diabo” está presente. Além disso, o sentido da expressão idiomática inglesa dá bem a entender o “desarranjo” geral dos eventos da história. Ou será que podemos ter uma sugestão melhor?]
Melhor do que “The devil to pay in the backlands”, só se fosse “…And he was a she”.
Subsídio é uma ótima idéia, mas faz parte de uma processo de querer se fazer conhecido e de ter grana pra isso… O instituto Goethe subsidia traduções do alemão, mas realmente quase não se traduz dessa lingua (claro, por isso mesmo, se for do inglÊs ninguém precisa subsidiar!) Agora, sempre fomos muito mais de receber influências do que de achar que podemos enviá-las!
Grande idéia, Sérgio! (-: [O emoticon vai para os que tiverem dificuldade em entender o inglês…)
Cheguei a escrever para a Cia das Letras. A tradução de Stálin de Montefiore é um horror. E a dos Magnatas da L&PM não é melhor. Como nos ressentimos de traduções adequadas.