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Cada geração com seu estilo

23/04/2008

Crítica construtiva, tudo bem, mas eu gosto mesmo é de elogio, disse o jovem escritor do momento.

A platéia riu.

A boutade é boa, retrucou da poltrona ao lado o escritor de meia-idade, seu momento perdido em algum ponto remoto dos anos 80, mas eu sempre achei que elogio é que nem doce. Uma delícia, e te enche de energia. Mas não faz crescer. Críticas têm proteína, elogios têm açúcar. O escritor jovem que se esbalda nos primeiros elogios, se lambuza neles, principalmente acredita neles, está se recusando a crescer.

O jovem escritor do momento ficou lívido. As juntas de seus dedos descoloriram em torno do microfone.

Quem se recusou a crescer foi você, cara.

Como disse?

Quem se recusou a crescer foi você, você é que se recusou a ir além daquela lengalenga sub-mautneriana de marginais heróis e nonsense que eu li quando tinha quinze anos, como era mesmo o nome, Minhocas do asfalto? Não, agora lembrei: A cidade e os cupins. Li com quinze, achei razoável, com dezesseis já achava um lixo. Foi você que não cresceu, você que fracassou. Tudo bem, pode ser que eu não dê em nada também, é altamente provável, aliás. Mas tenha pelo menos a decência de esperar isso acontecer antes de me atirar na cara o seu fracasso.

Seguiu-se um silêncio de cristal. O auditório estalava de tensão. Ninguém respirava. Até que o escritor de meia-idade redargüiu:

Viadinho!

E se atracaram. Os dois tiveram chance de encaixar uns tantos cruzados, e o escritor mais velho se distinguiu pelos potentes cotovelaços, enquanto o mais moço manejava com perícia um estilete, tingindo o palco de sangue, antes que entrassem para separá-los. Caiu o pano.

A platéia explodiu num aplauso de puro êxtase.

11 Comentários

  • Matheus Vinhal 23/04/2008em08:16

    Esse foi muito bom, Sérgio!

    Me senti no auditório do CCBB daqui de Brasília, quando vi coisa parecida.

    (Mas, geralmente, o público que se desloca para ver escritor falar de suas vaidades é mais conservador. No CCBB, o de meia-idade saiu do auditório sob (ou sobre, quem sabe) vaias.)

  • Mr. WRITER 23/04/2008em11:48

    Muito bom…

    Ô Sérgio, esse sua ironia mata de rir.
    “Tudo bem, pode ser que eu não dê em nada também, é altamente provável, aliás.”

    Excelente frase essa. Tem um teor de realidade cruel tão grande.

  • Tibor Moricz 23/04/2008em14:20

    Olha, eu mesmo já tive oportunidade de assistir dois ou três confrontos parecidos. Escritores se odeiam (há exceções que apenas confirmam a regra). Mesmo que transpareçam gentilezas. São uma racinha de merda os escritores…rsrs
    Legal o texto, Sérgio. Pegou na veia.

  • Visitadora 23/04/2008em16:23

    Eu gostei do “silêncio de cristal”. Deu para sentir o stress. Nem precisava do “vasto”.

  • Sérgio Rodrigues 23/04/2008em23:55

    Obrigado, Visitadora (algo a ver com Vargas Llosa?), você está certíssima. Cortei o vasto.

  • Elcaballero 24/04/2008em08:39

    Sérgio, pela lembrança da visitadora (se não tiver a ver com o Vargas-Llosa, acho que ela talvez não goste da comparação…) seria um bom começo inesquecível, embora que, para transcrevê-lo, daria um trabalhão….

  • ricardo 24/04/2008em10:34

    a literatura brasileira contemporânea precisa de mais textos assim, cuja ironia combate a impostura sem se levar tão a sério. espero seu próximo romance ou livros de contos. parabéns.

  • Paulo (Outro Paulo) 24/04/2008em21:42

    Também gostei do “silêncio de cristal”. Perfeito.

  • Rafael 02/05/2008em23:30

    Que legal, Sérgio. Os Sobrescritos são sempre os posts mais saborosos do blog.

  • Maria José Limeira 19/05/2008em16:35

    Gostei muito deste texto lindo, e vou usá-lo no blog de nossa Oficina Literária, se você meautorizar. Um abraço, Saludos & Parabéns. Maria José Limeira.

  • Sérgio Rodrigues 19/05/2008em23:53

    Obrigado, Maria José. Está autorizado. Um abraço.