Crítica construtiva, tudo bem, mas eu gosto mesmo é de elogio, disse o jovem escritor do momento.
A platéia riu.
A boutade é boa, retrucou da poltrona ao lado o escritor de meia-idade, seu momento perdido em algum ponto remoto dos anos 80, mas eu sempre achei que elogio é que nem doce. Uma delícia, e te enche de energia. Mas não faz crescer. Críticas têm proteína, elogios têm açúcar. O escritor jovem que se esbalda nos primeiros elogios, se lambuza neles, principalmente acredita neles, está se recusando a crescer.
O jovem escritor do momento ficou lívido. As juntas de seus dedos descoloriram em torno do microfone.
Quem se recusou a crescer foi você, cara.
Como disse?
Quem se recusou a crescer foi você, você é que se recusou a ir além daquela lengalenga sub-mautneriana de marginais heróis e nonsense que eu li quando tinha quinze anos, como era mesmo o nome, Minhocas do asfalto? Não, agora lembrei: A cidade e os cupins. Li com quinze, achei razoável, com dezesseis já achava um lixo. Foi você que não cresceu, você que fracassou. Tudo bem, pode ser que eu não dê em nada também, é altamente provável, aliás. Mas tenha pelo menos a decência de esperar isso acontecer antes de me atirar na cara o seu fracasso.
Seguiu-se um silêncio de cristal. O auditório estalava de tensão. Ninguém respirava. Até que o escritor de meia-idade redargüiu:
Viadinho!
E se atracaram. Os dois tiveram chance de encaixar uns tantos cruzados, e o escritor mais velho se distinguiu pelos potentes cotovelaços, enquanto o mais moço manejava com perícia um estilete, tingindo o palco de sangue, antes que entrassem para separá-los. Caiu o pano.
A platéia explodiu num aplauso de puro êxtase.
11 Comentários
Esse foi muito bom, Sérgio!
Me senti no auditório do CCBB daqui de Brasília, quando vi coisa parecida.
(Mas, geralmente, o público que se desloca para ver escritor falar de suas vaidades é mais conservador. No CCBB, o de meia-idade saiu do auditório sob (ou sobre, quem sabe) vaias.)
Muito bom…
Ô Sérgio, esse sua ironia mata de rir.
“Tudo bem, pode ser que eu não dê em nada também, é altamente provável, aliás.”
Excelente frase essa. Tem um teor de realidade cruel tão grande.
Olha, eu mesmo já tive oportunidade de assistir dois ou três confrontos parecidos. Escritores se odeiam (há exceções que apenas confirmam a regra). Mesmo que transpareçam gentilezas. São uma racinha de merda os escritores…rsrs
Legal o texto, Sérgio. Pegou na veia.
Eu gostei do “silêncio de cristal”. Deu para sentir o stress. Nem precisava do “vasto”.
Obrigado, Visitadora (algo a ver com Vargas Llosa?), você está certíssima. Cortei o vasto.
Sérgio, pela lembrança da visitadora (se não tiver a ver com o Vargas-Llosa, acho que ela talvez não goste da comparação…) seria um bom começo inesquecível, embora que, para transcrevê-lo, daria um trabalhão….
a literatura brasileira contemporânea precisa de mais textos assim, cuja ironia combate a impostura sem se levar tão a sério. espero seu próximo romance ou livros de contos. parabéns.
Também gostei do “silêncio de cristal”. Perfeito.
Que legal, Sérgio. Os Sobrescritos são sempre os posts mais saborosos do blog.
Gostei muito deste texto lindo, e vou usá-lo no blog de nossa Oficina Literária, se você meautorizar. Um abraço, Saludos & Parabéns. Maria José Limeira.
Obrigado, Maria José. Está autorizado. Um abraço.