É mais fácil reconhecer um indecoroso de calças na mão do que fixar em letra fria o que é “decoro parlamentar” e aquilo que o ofende. A Constituição (artigo 5, inciso II) deixa a tarefa para o Legislativo, por meio de regimentos internos. Com sua dupla experiência de parlamentar e jurista, o gaúcho Paulo Brossard disse certa vez que “é mais fácil descrever situações que a configuram, do que definir o que seja falta de decoro parlamentar, de modo a servir a todas as situações”.
Uma dessas situações foi vivida pelo deputado Barreto Pinto, do PTB, o primeiro a ser cassado no Brasil, em 1949. Até hoje há versões contraditórias sobre a foto em que ele aparecia de casaca, gravata-borboleta e cuecão, publicada na revista “O Cruzeiro”. Barreto Pinto teria sido uma vítima ingênua do repórter David Nasser e do fotógrafo Jean Manzon? Um cúmplice na fabricação do escândalo? A falta de decoro ninguém contesta.
Em estado de dicionário, decoro é compostura, recato, decência, honra, pundonor. Do traje ridículo ao favorecimento indevido, da palhaçada à ladroagem, o sentido da palavra se amplia mas permanece intuitivo. Por que, então, é tão difícil fixá-lo conceitualmente? Porque legislar sobre temas morais nunca foi moleza, por mais que o senso comum saiba separar o que é conveniente do que não é.
Conveniência, no caso, é uma palavra-chave. O dec de decoro, o mesmo de decência, é o do verbo latino decet, “convir, ser apropriado”. Parlamentar ou não, o decoro é uma questão de adequação social. Tem entre seus parentes a decoração, o embelezamento de ambientes, por meio de decus, decoris, que o filólogo Silveira Bueno traduz poeticamente como “ornamento, beleza moral”.
É por isso que os juristas entendem que, em processos desse tipo, de caráter político, a acusação muitas vezes não precisa ser provada criminalmente para haver condenação: basta existir para que a quebra de decoro se caracterize, obrigando a instituição a se livrar do indecoroso para limpar sua imagem – sua “beleza moral”.
Texto publicado em minha coluna na “Revista da Semana”.
27 Comentários
Tudo isso me faz lembrar de uma música do João Nogueira:
(…)
Eu hein Rosa!
Apelar pra ignorância é uma coisa indecorosa
Acho que estou é forçando demais as cordas vocais
Você não merece um dedo de prosa
E pra resumir, faço questão de conferir
Se se quebra ou não um vaso ruim
(…)
Não sei se é sobre o Renan, o Tasso ou o Gabeira, mas que cai como uma luva, cai…
Decoro. /ô/ s.m. (sXV cf. IVPM) 1 recato no comportamento; decência 2 acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor 3 seriedade nas maneiras; compostura 4 postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não 5 lit adequação do tema ao estilo literário ± d. parlamentar pol postura exigida de parlamentar no exercício de seu mandato ¤ etim lat. decórum,i ‘decência, conveniência’; ver dec- e decor-; f.hist. sXV decoro ‘decência, honra’ ¤ sin/var ver antonímia de indecência ¤ ant ver sinonímia de indecência ¤ hom decoro(fl.decorar)
questão de adequação social! agora sim eu entendi tudo direitinho.
Os parlamentares, cuja fúria legiferente é tal que tentam, sempre em vão, regular até o uso da língua (basta lembrar o infame projeto de lei que pretende coibir os estrangeirismos), finalmente alcançaram parte desse desiderato: decoro parlamentar, que antes era uma legítima locução da língua portuguesa, passa a ser, e sem o concurso de lei alguma, um oximoro.
De agora em diante, a expressão só poderá ser empregada em contexto irônico.
mesma raiz de decoração??
No caso do Senado Brasileiro a palavra decoro ainda mantem seu exato sentido mas apenas que baseada em outros princípios.
É a fidelidade, a cumplicidade o coprorativismo, as regras de acobertamento que são respeitadas fielmente por quase todos.
No caso Renan – e em outros – os que feriram o decôro parlamentar foram os que votaram pela caçassão. Estes sim, trairam as regras e normas não escritas do senado.
Dedique uma música ao Renan Calheiros e aos cúmplices que o absolveram e aos que se abstiveram.
Aqui vai uma sugestão:
http://www.youtube.com/watch?v=dHpSCHxb780
Repassem aos contatos de e-mail
Perfeito!
Sérgio está na Revista da Semana!?
Bom saber.
Abs.
O David Nasser era contumaz na falta de decoro jornalístico. Um precursor.
Quando o avô (ou pai) de Collor mandou bala num nobre colega em pleno Senado (ou Câmara), foi falta de decoro parlamentar?
Parece que foi falta de pontaria. O tiro era para outro excelentíssimo.
Leitores do Todoprosa não sei se viram mas o assíduo comentarista dessa caixa Saint-Clair Stockler ganhou os 15 minutos dele ontem no Prosa & Verso. Fiquei desmotivado em relação a seu livro quando li na crítica sobre a sua fixação com temática homossexual. Assim não dá.
Além disso, já se realizaram mais dois jogos na Copa de Literatura, sem que o Sergio Rodrigues desse pelo fato aqui no Todoprosa. Não quero dar uma de pauteiro desse site e ficar dando pitaco no que o Sergio tem de incluir ou não aqui no Todoprosa mas acho que é tema interessante pra quem gosta de literatura.
Paulo: já fiz três notas sobre a Copa de Literatura, com links. Quem se interessa pela brincadeira está cansado de saber onde encontrá-la. Ainda devo voltar ao assunto, mas por enquanto acho que está bom, não?
Saint-Clair: parabéns pela boa resenha no Prosa e verso.
Abraços a todos.
Ok, ok. Lembro ainda que vi o próprio Sérgio Rodrigues “en chair et en os” num programa da GloboNews sendo entrevistado sobre a reforma da língua. O outro entrevistado era um acadêmico ABL chatéeerrimo. Ambos concordam em que a reforma é positiva. Eu devo confessar que me fez pensar no assunto, realmente não cheguei a uma conclusão. Mas tenho uma intuição um pouco desconfiada, entendo em princípio que essa história de achar a língua “complicada demais” e que tem “muitas regrinhas” é pra gente preguiçosa. Essa história de que “na Espanha ninguém usa mais a trema” é despropositada. Por que cargas d’àgua temos de copiar a Espanha!? Somos o Brasil, a Espanha que seja ela própria… Mas o ponto mais importante da entrevista foi quando o acadêmico ABL veio dizendo que não é necessária a trema porque ninguém que conheça uma “lingüiça” falará “linguiça”. Que mer*da de argumento! A ortografia não é feita pra quem já conhece a ortografia!
Paulo, talvez por causa da brevidade do programa e da enormidade do assunto, minha participação no debate do “Entre aspas” ficou meio truncada. Não sou a favor da reforma ortográfica – não da forma como está posta a questão. Meu argumento, porém, não é libertário: nada contra regular a ortografia por lei. Em tese, há benefícios num português ortograficamente unificado, benefícios que a globalização apenas amplia. Claro que se pode, mesmo assim, questionar a prioridade desse investimento, mas a verdade é que nem precisamos chegar a tal ponto. Porque a reforma que está na mesa é tímida demais, fica no meio do caminho na remoção de velhas besteiras e, pior, não conta com a adesão de Portugal. Um péssimo negócio sob todos os aspectos, que o Brasil só abraçou porque vê aí a oportunidade política de criar um fato consumado e isolar a ex-metrópole. Espero que caia no vazio. Um abraço.
Faltou mencionar que decoro é tb um elemento da retórica clássica que se refere à adequação do discurso. Ou seja, muito basicamente: é preciso falar de coisas nobres com um estilo nobre, e deve-se encarar a corrupção da linguagem e do discurso à luz de uma semelhante decadência dos costumes.
No Brasil, o discurso está corrompido pelas torpeza das ações; as palavras perderam valor ante a desfaçatez do mundo real, de modo que o próprio conceito de decoro precisa ser retomado em bases didáticas.
Caro Sérgio, acabei de saber que o seu “As Sementes de Flowerville” ganhou o quarto jogo da Copa de Literatura Brasileira. Parabéns! E sucesso nas quartas de final!
Hã… obrigado, Ana. Imagino que você não tenha lido a resenha, que é digna de nota por bater o recorde mundial de spoilers. Mas o clichê futebolístico não diz que o importante são os três pontos? Então vamos em frente. Um abraço.
Oi
Escrevo para a coluna por dois motivos: a epígrafe da página (no momento) está muito bem relacionada com “a palavra é …”, pois as regras de voto secreto bem como sessão fechada eram úteis para se defender da pressão da ditadura militar, já numa democracia, quer dizer, num país sem censura arbitrária aos meios de comunicação, tais mecanismos são nefastos; além disso, como sou admirador do Raduan Nassar (não obscenamente), gostaria de saber de que fonte foi tirada essa referência, já que , fora seus livros, só conheço uma entrevista na Veja, que pouco me recordo e não está no arquivo digital, e um caderno de literatura do Instituto Moreira Sales dedicado a ele. Há outra fonte?
Francisco, a declaração foi destacada (antes daqui, numa compilação feita pelo Digestivo Cultural) do caderno do IMS. Um abraço.
A crítica do Dr. Plausível aos livros de Sergio Rodrigues e Adriana Lunardi foi extremamente medíocre, a ponto de me ter provocado justamente o efeito contrário ao esperado por qualquer crítica competente. Isto porque é cediço que a finalidade principal da crítica é ajudar o leitor na escolha dos livros, fazer uma “pré-seleção”. Mas, embora o Plausível tenha descido a lenha na Lunardi, depois de lê-lo eu saí correndo na hora do meu almoço para a Livraria atrás de uma cópia do Corpo Estranho (não tinha). Ainda não a li mas se penso na crítica do Plausível entro na convicção de que deve ser a MELHOR autora de ficção na atualidade…
Engraçado, Paulo, minha reação foi parecida com a sua (mas não a de quase todos os comentaristas lá na Copa, que estão vibrando com a “violência”, rs). Deve bater um bolão o livro da Adriana, lerei sem falta. Abs.
Sérgio, que crítica péssima a do Plausível. Seu livro não merece a análise leviana que recebeu. O Benveja andou por lá e deixou observações bem apropriadas a respeito da resenha e do resenhista. Acrescento aos comentários dele que crítica bem feita não conta o final do livro. O texto do implausível, no entanto, se prestou a oferecer um tosco RESUMÃO das obras. Tremendo desserviço. Uma pena.
Tomara que o Jonas, nas quartas de final, ofereça uma leitura mais rica do As Sementes de Flowerville.
Um abraço,
Ana
Oi Ana Z., eu li o texto do Dr.Plausível, mas não fiz nenhum comentário por lá não; de todo modo, é lamentável a ausência de um “spoilers ahead” antes de textos feito aquela resenha, que realmente entrega um excesso de detalhes sobre a trama do livro do Sergio Rodrigues.
Acabei de ler o texto do Bemveja “cover” e acho curioso o autor usar meu humilde pseudônimo, até porque eu nunca li Michael Chabon. Nem esse tal de “Saliger”.
queria saber apenas qual a finalidade mas essa merda aki naum dix nada sobre isso
vão fazer uma coisa desente por favor!
Texto bom este aqui! É isto que está faltando ao brasileiro: Decoro….
Eu diria quem quem tem decoro, tem coração… e que tem coração respeita ooutro… respeitando tem decoro. Não?