Ele hesita, dedos de velho datilógrafo repousando sobre o asdfg e o çlkjh, polegares suspensos.
Ele se vê hesitando, dedos de velho datilógrafo, emblema de sua idade, repousando com suavidade de pluma sobre o asdfg e o çlkjh do teclado negro, polegares suspensos a milímetros da barra de espaço.
Ele decide escrever sobre se ver hesitando escrever, e então os dedos datilógrafos ganham uma súbita descarga elétrica e se põem a cutucar ritmicamente o teclado negro, polegares batendo surdão a intervalos impenetráveis.
Ele sabe que os intervalos impenetráveis podem ser condizentes com algum padrão oculto, mas sabe também que, mesmo arbitrariamente, apontar esse padrão só será possível mais tarde – tarde demais? – em retrospecto, sendo por ora mais sábio se embalar na impenetrabilidade do sussurro produzido pelos pequenos tambores de plástico.
Em sincronia com os comandos que os emblemas de sua idade percutem no teclado negro coberto de símbolos brancos, símbolos negros surgem na tela branca.
Ele pára e lê os seis parágrafos que escreveu, incluindo este. Hesita mais uma vez. Torce os músculos faciais de tal modo que fica parecendo um nó de madeira, uma orelha, à luz hepática da tela onde a metáfora do nó precede sua materialização na cara dele.
Metalinguagem. Bah.
Pega o mouse, define os sete parágrafos anteriores, e com um floreio do mesmo movimento atinge com o certeiro indicador direito – e força espantosamente maior que a empregada até aqui – o pequeno tambor onde está escrito Delete. Os sete parágrafos se tornam seus próprios negativos, letras brancas sobre fundo negro, exatamente como no teclado, antes de responder à dedada nas costelas e desaparecer. Os sete parágrafos desaparecem, o oitavo não. Este, que de forma curiosa mas talvez necessária os inclui, fica porque já não é escrito por ele, nem em seu nascimento houve hesitação, mas abandono e depois cálculo, embora a fidelidade aos fatos nos obrigue a confessar que nossos dedos também repousaram sobre o asdfg e o çlkjh a intervalos impenetráveis.
Agora imagine mais 39: dentro de um mês, nem um dia a mais, a Arquipélago Editorial manda para as livrarias “Sobrescritos – 40 histórias de escritores, excretores e outros insensatos”, meu novo livro.
12 Comentários
Espero ser o primeiro a comprar.
Isso sim, é um Escritor!
Eu sou uma escrivinhadeira…
Iiii… me lembrei agora de escavadeira…
O que será tanto futuco?
Cê escreve muito, Sérgio…
Eu escriVINHO…
Embriagada dEle.
Parei. É que você instiga…rsrs
Sérgio,
Dou-lhe um conselho, sem cobrar nada. Mande logo para a Rosângela um retrato de corpo inteiro — desnudo como veio ao mundo. Quem sabe essa providência atenue o nefasto efeito do descontrole hormonal que tem acometido a pobrezinha (já ia escrever coitadinha, mas aí lembrei-me, a tempo de refrear-me, da famosa “etimologia” da palavra).
Rafael, não precisava ser tão indelicado.
Como dizia uma professora de Literatura:
“Isso não é nada poético!”
realmente a moça precisa de alguma coisa nesse sentido, sérgio.
com relação ao livro, ótima notícia!
“Metalinguagem. Bah.” Boa.
Relamente, umas ameaças de morte aqui, outras ali e a gente consegue fazer o Sérgio investir nessa idéia. E olha que fiz meu ctrl+c, ctrl+v para uma arquivo do Word, imprimi tudo e tenho, pasmem, meu livro pessoal do Sobrescritos.
Sérgio, isso é ilegal? Por que se for, não me processe e eu para de ameaçar sua vida.
P.S.: Só para constar, estou sendo brincalhão, menos na parte da cópia impressa. É sempre bom avisar, vai que alguém acha que estou mesmo ameaçando o Sérgio e a PF começa a rastrear meu IP, essas coisas… Hoaxes se espalham, vocês sabem…
Muito bom. Uma pequena promessa de que o livro será um sucesso.