O ano que está terminando foi feliz para quem ama livros propriamente ditos – de papel e tinta, cola e costura – e tem grandes buracos na estante que gostaria de preencher. O que significa dizer que também foi generoso com aqueles que tiverem disposição e fundos para investir num presentaço natalino que o personagem mencionado acima não esquecerá jamais.
O grande acontecimento do fim do ano é o início do relançamento, pelo selo Biblioteca Azul da editora Globo, da famosa edição do gigantesco painel ficcional “A comédia humana”, de Honoré de Balzac, organizada pelo crítico húngaro-brasileiro Paulo Rónai. Em capa dura, com mais de 800 páginas em média, os quatro primeiros de dezessete volumes chegaram este mês às livrarias ao custo de R$ 74,90 cada um. Acompanha-os o volume mais magro (248 páginas, R$ 39,90) “Balzac e a comédia humana”, coleção de ensaios do próprio Rónai que traz em cada linha aquela combinação rara de erudição, legibilidade e gentileza que era sua marca e que faz dele o melhor cicerone que um leitor poderia desejar ao se aventurar pelo universo (poucas vezes a palavra foi tão apropriada a um conjunto de ficções) criado pelo escritor francês ao longo de quase noventa (!) romances. Nada modesto no plano de abarcar, em suas próprias palavras, “ao mesmo tempo a história e a crítica da sociedade, a análise de seus males e a discussão de seus princípios”, o mais prolífico dos escritores prolíficos é definido por Rónai como “espetáculo sem par na história literária”.
Outro lançamento de fim de ano que entra na categoria dos monumentos é a nova e cuidadosa tradução de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, feita pelo escritor gaúcho Ernani Ssó (Penguin-Companhia). A caixa com dois volumes, num total de 1328 páginas, sai por R$ 79,00 e traz de bônus posfácios de Jorge Luis Borges e Ricardo Piglia. Considerada pela quase unanimidade da crítica o marco inaugural do gênero romance, é curioso que a obra de Cervantes seja lançada pela mesma editora que este ano nos deu “Ulysses”, de James Joyce, na tradução de Caetano Galindo – para muita gente, o livro que assinou o atestado de óbito do gênero romance. Fecha-se um ciclo? Pode ser, mas o espetáculo tem que continuar.
Sherazade já sabia disso, aliás: quem para de narrar morre nas mãos do cruel sultão. Talvez não seja um simples acaso que o legado editorial de 2012 inclua ainda a conclusão do “Livro das mil e uma noites” traduzido diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche, mais uma caixa (em quatro volumes, com um total de 1684 páginas e preço de R$ 159,90) da Biblioteca Azul da Globo que tem tudo para fazer bonito como presente natalino para bibliófilos.
Um comentário
Fala Sérgio! gostei das novidades trazidas nos post, acho que o mercado editorial tá devendo uma tradução de Willian Gaddis ( The Recognitions) – e você algum post sobre ele.
Será que ano que vem sai, enfim, Infinite Jest, tomara!