Imagine o processo de fazer um livro como se estivéssemos na indústria automobilística. Só faz sentido fabricar um carro se for para ele andar, certo? O livro também precisa andar, quer dizer, cumprir sua própria função. E qual é a função do livro, me diz?
Vender?
Que vender! Se fazer ler, é óbvio. Ser lido. Esta é a viagem, o passeio. Carros precisam andar. Podem se destacar por serem velozes, lentos mas confiáveis, elegantes, econômicos, seguros, bonitos, espaçosos, baratinhos, o escambau. O mundo dos quatro-rodas, como o da literatura, é infinitamente vário. Mas uma característica todos os carros compartilham: precisam andar. Se não andam, não são carros. Não são nada.
Sei.
O problema é que, quando você vai construir o seu carro, ou seu carrinho de rolimã, como quiser, ou puder, você tem que fabricar peça por peça. Tem o design, naturalmente: o projeto geral, a cara do bicho, a distância entre eixos, a, digamos, proposta. Isso é importante e até divertido. O problema que pouca gente leva em conta é que, para o carro andar, tem também um monte de parafusos e porcas e bielas e rolamentos e correias e engrenagens e travas e juntas e molas e rebites e porrinhas, peças que você vai ter que moldar feito um funileiro maluco, preste atenção – uma por uma! Acredite: a certa altura dá vontade de morrer, mudar de nome, ir à esquina comprar cigarros e nunca mais voltar. Sabe o que é que nos salva no fim?
Não faço a menor idéia.
É que nem todas as peças do carro você precisa fabricar sozinho. Escritores roubam, são cleptomaníacos, colecionadores de quinquilharias. Juntam pedacinhos de coisas quebradas para fazer seu próprio ninho, na feliz metáfora de Margaret Atwood: qualquer pedaço de barbante, araminho solto, ripa de papel nos serve.
Gambiarras, é?
Ô, você nem imagina.
Publicado em 26/9/2008.
15 Comentários
Tenho um container de quinquilharias, aqui. Um dia ainda despejo tudo e vejo o que fica e o que vai pro lixo.
Este texto deu nó na minha garganta. Para mim é isso. Tem que dar nó na garganta.
Por favor, me põe na fila para comprar este mimo?
De barbante… basta-me o nó… aqui…
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Você se fez ler e deu nó.. kkk
Pronto! E o melhor é que não é em série… É único…
Mimo, para mim, são aquelas coisinhas que a gente guarda na caixinha rosa…
Eu comecei um livro. E nunca terminei. Os títulos iam variando. Quer dizer… abaixando, a medida em que ia me descobrindo menos:
“De crente à discípula, uma trajetória com Cristo”!
“Sendo Isca onde meu Salvador é Vital”( frase dada pelo Espírito Santo num acordar da manhã .)
E, finalmente, “Com Jesus a gente dança mas não perde”.( Uma frase que uma mulher jurou que eu disse, e ainda por cima, me reprovando por tamanha heresia. Quase me agrediu…) Tenho certeza que eu não disse, mas como danço sempre com Jesus, me apropriei… ( não gosto de perder nada da Árvore da Vida..)
Bem… do livro, só tenho os títulos e algumas páginas por aí…
Agora, dá licença, porque tenho que ir à minha caixinha rosa, pois tenho algo a guardar… pois o nó? Ainda está aqui…
Pois é! Na minha opinião,a gente faz o livro,usa todas estas quinquilharias e depois fica esperando que os
leitores nos deem um flagrante e digam”nossa, este pedacinho de arame é meu!”E o outro diga” este parafuso,foi o que eu perdi já faz algum tempo,onde será que ele achou?”,assim por diante… Eu não chamaria de gambiarra! Pra mim fica mais pra reciclagem.
Está pronto!
http://serjumentinho.blogspot.com/2009/11/mimos-todoprosa-encontrados-por-ai-e.html
Que saudades do Hiago e sua escrita objetiva…
Essa fila só pode ter sido de um “sopão literário”, não?
Bom dia a todos.
Excelente texto. Ele estará na compilação?
Sérgio, por favor me ajude com a seguinte dúvida:
Lembro-me vagamente que me passaram uma regra para sempre usar vírgula antes de ‘mas’, porém havia uma excessão que, infelizmente, não me recordo.
Seria esta excessão que você utilizou neste trecho: “…por serem velozes, lentos mas confiáveis, elegantes,…”?
Cláudio,
Não tenho formação em letras — talvez esteja falando besteira, pois.
Pela gramática mais tradicional, as conjunções que dispensam a vírgula são: e, nem e ou. As demais, incluindo a conjunção mas, exigem vírgula: “Paulo Coelho vende bem, mas escreve desastrosamente”.
Veja agora a desgraça que é ser um escravo das regras gramaticais. Se o nosso Sérgio fosse, qual um cordeiro, obediente aos manuais, ele escreveria: “[Os carros] podem se destacar por serem velozes; lentos, mas confiáveis; elegantes, econômicos, seguros, bonitos, espaçosos, baratinhos; o escambau.” Tal ficaria o texto rodrigueano, se o velho Napoleão fosse o revisor: atravessado de obstáculos, acidentado, como as rodovias federais.
Outra opção possível seria: “(…) podem se destacar por serem velozes, lentos, mas confiáveis, elegantes (…)” Só que, nesta última hipótese, a oposição lentos/confiáveis, a que a acentuação estava dando destaque, se apagaria um pouco. Uma traição à idéia que o autor quis exprimir.
Por isso, meu caro Cláudio, aprenda a gramática, porque sem gramática a escrita é estúpida; em seguida, vire as costas a ela, toda vez que o exigir as necessidades da expressão e da semântica.
Sou escritora frustrada mas, leitora voraz… Será que isso é alguma compensação? Bjs
diálogo apropriado a uma fila de sopão, haja vista, que ninguém vive de literatura… a literatura vive dentro de nós, dentro daqueles que se dispõe a cultivá-la…
colheremos (os livros, os leitores) o que plantarmos…
Caro Claudio, ortografia também conta: exceção é com ç.
Rafael, “dorei ocê” !!! huahuahua Obrigada pela parte que me toca… huahuahua
Na verdade, estar aqui neste blog é aprender muito. Sinto-me sentada ali nos bancos da “Facú”, como dizem agora..
Eu coleciono peças de PC… um dia vou fazer alguma coisa com elas além de guardar poeira.
Esse aí vai pro livro, Sergio?
E o Nuno Ramos, hein? Que surpresa… Alguém aqui já leu algum livro dele?