O imprescindível jornal mensal “Rascunho”, especializado em literatura, traz na edição que saiu esta semana uma entrevista minha na seção Inquérito, que reproduzo abaixo.
Todo mês o jornal curitibano submete as mesmas perguntas – ou mais ou menos isso, pois o número delas cresceu com o tempo – a um escritor brasileiro. O espírito da inquirição é aquele do famoso Questionário Proust, levar o depoente a expor sua “personalidade” em respostas curtas a perguntas singelamente diretas, algumas delas brincalhonas ou excêntricas. Divertido, em suma.
Para o arquivo dos Inquéritos, clique aqui. A edição de março ainda não está disponível no site do jornal, mas já pode ser lida em pdf. Destaque para a suculenta primeira parte do ensaio “Dom Casmurro: a obra-prima da reciclagem”, de João Cezar de Castro Rocha, na página 20.
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• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Aos 14 anos, quando concluí que escrevia melhor do que desenhava. Comecei imediatamente a escrever um conto atrás do outro. A ideia era estar consagrado aos 18, mas não deu certo.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Nunca falar do que estou escrevendo ou planejando escrever, pelo menos até o trabalho estar bem adiantado.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Sempre comecei o dia lendo jornais. Hoje o Twitter vem primeiro.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
“Os sermões” do padre Antônio Vieira.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Uma história já nos trilhos e muitas horas livres pela frente.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Um ótimo livro e algum sossego.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Aquele em que escrevo qualquer coisa que resista a meia dúzia de releituras.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Editar. Cortar, mover bloco, consertar uma frase emperrada, pentear aqui, despentear ali, enxugar, ampliar. Editar.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
São dois, gêmeos antípodas como Esaú e Jacó: a falta de autocrítica e o excesso de autocrítica.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Ser cheio de escritores.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Samir Machado de Machado, autor de “Quatro soldados”.
• Um livro imprescindível e um descartável.
“Memórias póstumas de Brás Cubas” é imprescindível. Descartáveis são tantos que não vou citar nenhum para não cometer injustiças.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A afetação, um estilo que tenha mais espuma do que chope.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Espero que nenhum.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
De um bolo de fios de cabelo tirado do ralo do box, que virou uma cena-chave de um conto do meu primeiro livro, “O homem que matou o escritor”. Sim, eu já tive cabelo.
• Quando a inspiração não vem…
Tento trabalhar sem depender da inspiração. Ela adora faltar aos compromissos.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Vladimir Nabokov, mas duvido que ele aceitasse. Como plano B, Dashiell Hammett, que batizaria o café com bourbon.
• O que é um bom leitor?
Aquele que, mesmo já tendo lido muito, não perde a capacidade de ler com olhos livres.
• O que te dá medo?
Quase tudo o que leio no noticiário do Brasil e do mundo. Não sinto medo por mim, mas pelos meus filhos.
• O que te faz feliz?
Na literatura, chegar ao ponto final. Na vida, o de sempre: comer, beber, viver. Os atos em si, não aquele filme homônimo do Ang Lee. Se bem que o filme é ótimo e me deixou feliz também.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A dúvida: será que vai dar pé? A certeza: não há nada que eu gostaria de estar fazendo além disso.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Conseguir não torrar a paciência do leitor sem fazer nada para bajulá-lo.
• A literatura tem alguma obrigação?
Está mais para razão de ser, mas talvez se possa chamar de obrigação: salvar a linguagem. Zelar pelo fio das palavras. Ser uma espécie de máquina de hemodiálise que filtra o discurso envenenado da política, do direito, da burocracia, da publicidade, da imprensa, do showbiz, das redes sociais, de tudo o que todo dia tenta matar a linguagem a golpes de banalidade, obscurantismo, mentira ou clichê.
• Qual o limite da ficção?
Por definição, o limite da ficção é a não-ficção. Mas essa fronteira nunca foi pacífica e anda cada vez menos clara.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Eu o aconselharia a tentar uma abordagem menos clichê.
• O que você espera da eternidade?
Nada. Um não-ser infinito está de bom tamanho para mim.
Um comentário
Tem que dizer o porquê da indicação, Sérgio. rs
E precisa, João?