“Os anos Bush foram puro horror.” As declarações políticas do nigeriano-americano Teju Cole, autor do romance “Cidade aberta”, elevaram um pouco a temperatura da mesa “Exílio e flânerie”, que ele dividiu hoje à tarde com a argentina-brasileira Paloma Vidal, autora de “Algum lugar”. Numa conversa de resto morna, baseada no fato de ambos serem desterrados e condenados a uma certa estrangeirice crônica onde quer que estejam, o talentoso Cole – que nasceu nos EUA de pais nigerianos, mudou-se para a Nigéria ainda bebê e só retornou a seu país natal aos 17 anos – foi enfático:
“Se você se opunha a Bush, se era contra os planos de guerra, podia ser perseguido nos EUA. Acabava tendo que carregar esse peso secretamente. Eu tive úlcera por causa da invasão do Iraque. A década depois do 11 de setembro foi um grande fracasso para os EUA. Mostrou que, diante de um desafio realmente sério, nós nos comportamos como tolos e descontamos nos outros, em gente que nada tem a ver com isso. Foi uma fase horrível e ainda não terminou por completo”, afirmou.
Sobre o desterro, disse Cole: “Há algo que parece natural, decidido talvez no céu, no fato de carne de cordeiro combinar com hortelã. Pois é assim que estar longe de casa combina com escrever. Quando estava escrevendo ‘Cidade aberta’, tornei o personagem ainda mais estrangeiro do que eu sou, o fiz mestiço e psiquiatra, pois, como se sabe, psiquiatras são as pessoas mais alienadas que existem. Embora eu já viva em Nova York há doze anos, me vejo o tempo todo descrevendo o lugar para mim mesmo, não consigo me acostumar.”
Após escrever “Cidade aberta”, um romance estruturado como uma sucessão de episódios na vida de um personagem que perambula por Nova York, Cole disse ter se surpreendido com o tanto de raiva e tristeza que havia nele. “Não é uma carta de amor para a cidade, descreve-a como um conjunto de engrenagens que mói qualquer um que seja apanhado no lugar errado. No entanto, desde que terminei me sinto novaiorquino em dobro. Acho que é porque eu descrevi a cidade de perto, de forma acurada. Você não precisa embelezar nada. Enquanto fui escrevendo, me apaixonei sem me dar conta. Hoje Nova York é provavelmente o lugar em que mais me sinto em casa em todo o mundo.”
Sem que se sinta tão ligada assim a Los Angeles, Paloma Vidal – argentina que se mudou para o Brasil aos dois anos de idade, mas afirma nunca ter deixado de se sentir estrangeira – falou de uma experiência semelhante de conquista afetiva por meio da escrita de “Algum lugar”, romance baseado na difícil experiência do período em que viveu na cidade californiana. “Gosto muito do nebuloso, do acidental, que sempre tomam conta do processo quando estou escrevendo meus livros. Minha experiência em Los angeles, onde fui fazer doutorado, foi um fracasso sob quase todos os aspectos. Mas escrever o livro me fez gostar da cidade.“
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Teju Cole: camadas de tragédia « VEJA Meus Livros – VEJA.com