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Do quartinho dos fundos ao salão de baile

03/07/2007

Como pouquíssimos outros acontecimentos promovidos no Brasil, a Flip foi capaz de concentrar no mesmo espaço e em torno dos mesmos interesses parte significativa do capital econômico, político, social e cultural do país. Desde sua primeira edição, fez com que presidentes de banco, ministros de Estado e figuras de diversos segmentos da cultura vissem ali motivos suficientes para compensar o deslocamento e a pouca familiaridade com a obra da maioria dos convidados. (…)

Além das peculiaridades de sua organização, ajuda a explicar o caráter do evento o contexto de ampliação do debate acadêmico em que ele se insere. Nesse sentido, importa ver a Flip como participante de um processo que envolve a intensificação de cursos livres em diversas cidades do país, a promoção de ciclos de palestras e o sucesso de estabelecimentos destinados a ensinar filosofia e outros temas “nobres” para um público de alto poder aquisitivo.

O artigo intitulado A fetichização do conhecimento, publicado na revista Trópico pelo jornalista Flavio Moura, é o melhor que já li sobre a Festa Literária Internacional de Parati, cuja quinta edição começa amanhã. Em sua tentativa de entender os porquês dessa festa de gala para a literatura num país em que no resto do ano ela ocupa – de favor – o quartinho dos fundos, o texto mobiliza tantos argumentos e se equilibra tão bem entre as duas reações habituais ao evento, a deslumbrada e a ressentida, que nem parece ter sido escrito no segundo semestre de 2005, após a terceira Flip. Nada nos impede de lê-lo como se trouxesse a data de hoje:

Vai aqui uma digressão apressada, mas não parece descabido supor que a proliferação desses espaços revele sinais de esgotamento da universidade. Se nos anos 1950 e 1960 a criação de departamentos especializados em literatura e em diversas áreas das ciências sociais concentrou a produção intelectual no âmbito universitário, hoje ele parece depender mais das instâncias extra-acadêmicas do que há 20 anos. Seja porque as revistas especializadas andam à míngua, têm poucos leitores e não respondem com agilidade à pauta cultural do país, seja porque as crescentes disputas políticas dos departamentos bloqueiam canais não-viciados de comunicação ou até mesmo por causa do aviltamento dos salários, o fato é que professores de carreira consolidada têm procurado com freqüência espaços de diálogo como esses.

Parece razoável supor que o crescimento do mercado editorial e o aumento da capacidade de consumo não sejam suficientes para explicar o surgimento dessas alternativas. Pelo visto, é preciso encarar esse processo ao lado de um culto a determinadas disciplinas que parece se travestir, com o perdão da expressão, numa “fetichização” do conhecimento. A boa acolhida de público de palestras promovidas em torno de temas como a “história categorial em Marx”, não raro retransmitidas pela TV; a disponibilidade de setores da burguesia paulistana em pagar somas consideráveis para assistir a cursos breves sobre temas na linha “o amor em Platão”; a permanência no mercado de uma editora como a Cosac Naify, pródiga na feitura de edições que parecem almejar à condição de objeto único e recusar a produção em escala industrial; ou até mesmo a inclusão de quadros sobre filosofia no programa “Fantástico” são alguns dos elementos que permitem pensar nessa direção.

24 Comentários

  • Jolac 03/07/2007em10:59

    CAro Sérgio,
    Seus artigos, como sempre, são claros e instrutivos.
    Todavia, sinto falta de algo do tipo “A palavra é…”
    por ser um dedicado aprendiz de nosso idioma e por me servir das palavras que vc analisava, em meu dia a dia de jornalista.
    O que pretende fazer? Há algum impedimento para ressuscitar “A palavra é…”?
    Claro que vou continuar a ler o Todoprosa, mas fica um pequeno vazio dentro de muita gente, eu entre eles.
    Um abraço
    Jolac

  • Sérgio Rodrigues 03/07/2007em11:40

    Caro Jolac, A Palavra é… já cumpriu seu ciclo como coluna diária, depois de um envelhecimento natural – terminar junto com o Nomínimo foi só uma coincidência. Mas não morreu: virou uma seção aqui dentro do Todoprosa, com chamada ali à esquerda, no alto. Será renovada sempre que me ocorrer um bom assunto. Obrigado pelo interesse.
    Abraço, Sérgio

  • HRP 03/07/2007em11:52

    A festa literásria ´o fogo da Fenix de nosso cenário literário…..Não há lugar mais pitoresco para a farra literária do que os caminhos de pedra da velha Paraty dos escravos e oiro!

  • HRP 03/07/2007em11:54

    A festa literária é….oooops!

  • Bemveja 03/07/2007em12:31

    Sobre o FLIP, existe muita retórica, mas as pessoas se esquecem de fazer a pergunta essencial: cui bono? Em prol de quem é feito o festival? Quem lucra intelectual e/ou materialmente com ele? Num país de baixíssimo nível de consumo e produção cultural, o FLIP ajuda a ampliar qualitativamente o público leitor? Apesar de tudo, eu acho que sim pelo mesmo motivo por que alguns países africanos são os que mais crescem no mundo; a base de cálculo é tão precária que qualquer esforço tem efeito estatisticamente positivo, ainda que insuficiente.
    Outra coisa: nos EUA, onde eles entendem muito de tempo e dinheiro, toda e qualquer aparição de escritor ou de qualquer personalidade pública é matéria contratual; a pessoa não vai lá na universidade ou livraria e faz o que lhe apetece; é obrigado ou a ler, ou a responder um determinado número de perguntas, autografar livros por tantas horas etc etc. Se o JM Coetzee não dialogar com público e imprensa porque o contrato (o a falta de) faculta essa decisão, é uma prerrogativa dele, embora das mais esquisitas. O FLIP não deveria ter aquele clima de entrevista do Pasquim, tem de haver (se é que já não há) um grau de formalidade.
    Pessoalmente, acho que o FLIP deveria estimular mais a presença de estudantes, sobretudo carentes, com visitas para se acilmatarem com a atmosfera de um evento literário (acho que a flipinha é uma iniciativa nesse sentido). Deveria tb cobrar de seus participantes a apresentação de algum texto inédito que refletisse sobre o papel do escritor. Tem de trazer polemistas tb, somente os velhos compadres de sempre não produz faíscas criativas, opiniões originais etc.
    No mais, repito, é uma festa, a movable feast, evento que não se pode racionalizar demasiadamente porque a maioria das pessoas vai mesmo é ver gente, sentir-se mais intelectual e, quem sabe, arrumar uma namorada.

  • Saint-Clair Stockler 03/07/2007em12:38

    Tenho um amigo que vai quase todo ano à FLIP (esse ano ele não vai, vai pra Argentina) : diz que a maconha é uma das melhores (qualquer morador na faixa dos 20 aos 30 anos sabe apontar as boas bocas de fumo da região), a pegação rola solta, bebida à vontade. E ainda sobra tempo pra ver uma ou outra manifestação ligada à literatura.

    Eu, como detesto o cheiro da maconha, odeio bebida alcoólica (tive pai alcoólatra, já viram né?) e tenho namorado, prefiro me incluir fora dessa, mais não seja porque o preço dos hotéis e pousadas não está ao meu alcance.

  • Tamara Sender 03/07/2007em13:45

    Essa fetichização do conhecimento me lembra o filme “Trapaceiros”, do Woody Allen. E também a revista Marie-Claire, com seu slogan “chique é ser inteligente”. Quanto à Flip, também não irei. Sou muito cética em relação a um oba-oba desses. E entendendo perfeitamente a decisão do Coetzee. Esse papo de “diálogo com o público” às vezes irrita. O cara escreve porque precisa. Não tem obrigação de responder a perguntas de ninguém.

  • Marco Polli 03/07/2007em13:56

    Ótima dica. Na imprensa, também faltam mais artigos desse tipo.

    Tomo a liberdade de citar mais um trecho :
    “Num país em que a tiragem média de um livro de ficção é 3 mil exemplares, não é improvável que muitos autores -são 700 lugares no auditório principal e mais de mil na tenda instalada na praça da cidade- tenham tido mais público ali do que compradores para seus livros ao longo de toda a carreira.”

  • Areias 03/07/2007em15:37

    Vamos nos coadunar, gente: o Flip ou a Flip. O certo seria o masculino se fosse um festival, mas é uma festa. E boas festas independem de motivos como sabemos. Discordo da Tamara quando diz escritor ecreve porque precisa e não tem que responder a perguntas de ninguém. A primeira oração pode ser, mas se o cara não tem que responder a perguntras de ninguém, para que sua presença? Será que em outros países o Coetzee teria a mesma (presunçosa) postura?

  • Sirio Possenti 03/07/2007em16:34

    Tudo o que está dito acima é interessante, mas o sucesso da FLIP como ela é tem muito a ver com o papel da mídia no mundo de hoje. Só é notícia o que é espetáculo. Não é uma crítica, é uma constatação. Quem cobriria um evento semelhante, se ele ocorresse num campus? (Dou de barato que, se ocorrese num campuas, o evento não seria como é em Parati; o contexto não é “exterior”, não é spo um palco neutro).

  • Noga Lubicz Sklar 03/07/2007em17:55

    sou casada, bebo pouco, não fumo nada, não gosto de oba-oba mas vou à FLIP, com muita alegria e orgulho, e na categoria estudante, selecionada para a Oficina de Crônica e olhem que não foi tão fácil quanto parece. espero voltar de lá enriquecida por um ou dois contatos importantes e alguma apreciação do meu trabalho, principalmente se der a sorte de mostrar meu romance Hierosgamos por lá. até a volta.

  • Ana Z. 03/07/2007em18:04

    E aí, Sérgio? Já chegou em Parati? Estou doida para saber a que mesas você vai assistir. Curiosa e verde de inveja, porque (sorry, Saint-Clair e Tamara) eu adoraria ir a Flip e passar uns dias deliciosos só pensando em mar, cerveja e literatura! Boa viagem, aproveite bastante!

  • alexandre r. 03/07/2007em18:14

    fetichista ou não, apesar dos pesares, é ótimo um evento como a flip, que nos permite um diálogo com gênios da literatura atual: will self, jim dodge (para ficar nesse ano), martin amis, paul auster, ian mcewan…. pena que o vonnegut já estava velhinho quando o evento começou. se a maioria não aproveita, se está lá para a pegação, parabéns a quem vai por isso. ali tem literatura mundial de primeira.

  • Mazzini 03/07/2007em19:47

    é bom tê-lo de volta, escriba

  • Mr. WRITER 03/07/2007em21:21

    Sobre a FLIP só se vê, em quase totalidade de 50% de um lado e quase 50% do outro, as seguintes opiniões, como bem colocou o Sérgio, de adoração ou de repúdio/ressentimento…
    Acho engraçado ver detonarem a feira por diversos motivos, inclusive por não PODER ir… E, do outro lado o mesmo motivo, adoração e idolatria exatamente por isso, por não PODER ir prestigiar a feira…
    Tem muita gente desdenhando e querendo comprar…
    Sérgio, chovendo no molhado, é ótimo poder continuar acompanhando o Todoporsa…

  • Saint-Clair Stockler 03/07/2007em23:22

    Eu, realmente, não tenho o menor interesse em ir. Até a Bienal, que é aqui na minha cidade, eu acho um saco…

  • Josué 04/07/2007em00:02

    É os cambau!!!!!
    Dê estas mesmas palestras de graça no salão paroquial e vê se aparece alguem.
    Ninguém vai. O sujeito vai nessas coisas aí só para dizer o quanto pagou pela palestra e não o que aprendeu lá.
    Coisa de gente que compra Rolex falso na 25 de Março. Coisa de gente tem grana mas não tem cultura – nem nunca vai ter se depender de palestras de 2 ou três horas. Aliás em Curitiba um sujeito faz umas arapucas destas de vez em quando. Um amigo meu que enricou diz que vai nas tais palestras porque “pinta umas riquinha gostosinhas” e servem um puta dum cafezão colonial…

  • Josué 04/07/2007em00:04

    Mencken definiria estes fetichistas da cultura como “Estupidus Brasiliensis Intelectus”.

  • Tamara Sender 04/07/2007em08:35

    Concordo com Saint-Clair e Josué. E se quiserem me chamar de ressentida, fiquem à vontade.

  • antenor de alvarenga cavalcanti 04/07/2007em08:56

    Estas festas literárias, meus prezados amigos, é uma reunião de bichonas, fanchonas, deslumbrados, pseudo-intelectuais e macanheiros. Paraty, aliás, desde a época em que morava no Brasil, em matéria de veado, só rivalizava com Campinas e Pelotas. Em veadagem per-capita, todavia, é insuperável.
    Muito obrigado.

  • Dom Gustavo 04/07/2007em17:27

    A verdade é que o brasileiro não gosta de literatura ou de arte, mas de festa: festa literária de Parati, de Passo Fundo, Bienal de SP, Museu pirotécnico da língua portuguesa, Fashion Week… Se gostassem de literatura, os brasileiros dariam cano nas suas incontáveis festas e ficariam em casa lendo, sozinhos, em silêncio, refletindo e pensando. Mas isso não é próprio do “homem cordial”, mais chegado numa roda de pagode.

  • Areias 04/07/2007em21:26

    E a concordância verbal, Antenor, a concordância…

  • walid 08/07/2007em14:12

    teste

  • Hello, Stranger 12/07/2007em17:32

    De um dos grandes fetichistas da intelectualidade:

    “Intelectual não vai a praia, intelectual bebe.”

    Paulo Francis