A palavra dossiê – do francês dossier, “conjunto de documentos sobre determinado assunto ou pasta em que eles são agrupados” – é um bom exemplo de estrangeirismo que criou raízes rapidamente em nossa língua e parece disposto a se tornar eterno. Alcançou essa proeza graças à capacidade de, justamente por não pertencer ao velho vernáculo, se revestir de uma grossa camada de conotações excitantes, misteriosas e explosivas, que a literatura tratou de explorar.
Com suas promessas de segredos cabeludos, seria um evidente empobrecimento trocar hoje a palavra dossiê por uma tradução técnica e convencional na linha de “documentação, processo, pasta”, como sempre pregaram os puristas, defensores de uma pureza (impossível) do idioma. Se alguma dúvida a respeito disso ainda persistia, o papel turbulento desempenhado pelos dossiês na política brasileira recente tratou de liquidá-la.
O primeiro registro do vocábulo em nossa língua data de 1958, segundo o dicionário Houaiss. Muitos séculos, portanto, depois do surgimento dessa acepção de dossier em francês, derivada no fim das contas do latim vulgar dossum, “dorso, costas” – provavelmente em referência à pasta em que se agrupam os tais documentos, com sua etiqueta no dorso. Seja como for, após seu desembarque por aqui o dossiê não demorou a ganhar ares de estrela.
Uma busca no site da Livraria Cultura revela, entre disponíveis e esgotados, 29 livros com a palavra “dossiê” no papel de esquenta-título, entre eles best-sellers como “O Dossiê Odessa”, de Frederick Forsyth, e “O Dossiê Pelicano”, de John Grisham. Eis o que torna tão complicado – e fascinante – o debate sobre importação de palavras: sendo dotadas de alma, elas representam mais do que seu valor de face. Dossiê é sinônimo de pasta de documentos, sim, mas vai bem além disso. Dilma Rousseff que o diga.
Publicado na “Revista da Semana”.
8 Comentários
Olá Sergio,
Você diz que trocar hoje a palavra dossiê pour «documentação, processo, pasta» seria um empobrecimento. Acredito, antes, num caminho oposto.
Na verdade, parece-me que o sentido assumido pela palavra dossiê no português é que representou um estreitamento semântico. Foi a própria palavra que empobreceu ao perder boa parte de seus significados originais.
No francês de hoje em dia, «dossier» é palavra de uso freqüente e de sentido amplo. Já em português, parece que dossiê assumiu o lugar do antigo «prontuário» e a isso se restringe.
Cordialmente,
Alberto, é claro que dossier, palavra francesa, tem mais largueza semântica lá: importamos uma única de suas acepções, como costuma ocorrer. Mas a comparação não me parece vir ao caso. Aqui, onde se acrescentou a um vocabulário já existente, empobrecimento seria abrir mão do verniz de escândalo que dossiê trouxe, justamente, à pasta de documentos. Não estou falando de amplitude semântica, mas justamente do oposto – precisão, especialização. Embora prontuário até que chegue perto, bem lembrado. Um abraço.
Dossiê Odessa, de Frederick Forsyth.
Muito bom. Boa lembrança, Sérgio.
Sérgio e outros participantes do blog:
Peço desculpas por abusar de seu blog, mas estou precisando de um imenso favor. Um amigo meu está fazendo um trabalho (não escolar) sobre a vida de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, como vistos em obras de ficção brasileira contemporânea. Dei-lhe dois exemplos: “Stella Manhattan,” de Silviano Santiago e “Moreno como vocês,” de Sônia Nolasco. Alguém poderia acrescentar outros?
Curiango, fique à vontade. A novela O retiro dos macacos artistas, do meu livro “O homem que matou o escritor”, é exatamente sobre isso.
Pedro:
Tem um romance do Dau Bastos: Clandestinos na América, da Relume Dumará. Se seu amigo estiver no Rio, no Extra da Tijuca (av. Maracanã) tem vários exemplares a 9,90. Deve ter em outros lugares a esse preço.
Olá, gostaria de saber sobre a palavra carona. Sempre foi uma dúvida. Obrigado, desculpe o tormento.
bom dia ! estou fazendo um trabalho colegial do meu filho e estou precisando de palavras francesas com seus significados será que vc pode me ajudar obrigada.