O homenageado – demorou – é Carlos Drummond de Andrade, mas a décima edição da Festa Literária Internacional de Paraty, que começa hoje à noite, promete ser dominada por outro tímido famoso: o escritor catalão Enrique Vila-Matas, que está no Brasil lançando seu novo romance, “Ar de Dylan”, topou na última hora dobrar seu tempo de exposição no evento para suprir a lacuna deixada pela desistência do francês J.M.G. Le Clézio.
Além de dividir a mesa das 15h de quinta-feira com o chileno Alejandro Zambra, como estava previsto, Vila-Matas fará uma conferência no horário mais nobre de todos – 19h30 de sábado –, que havia sido reservado para o prêmio Nobel de 2008. Sob o título “Música para malogrados”, consta que falará sobre alguns dos temas que revisita obsessivamente em seus romances, entre eles o potencial redentor do fracasso e a recusa do ato de escrever como gesto artístico maior. “O momento em que a literatura se reduz a um produto de mercado é também o momento de sua irrevogável extinção. Este, afirma Enrique Vila-Matas, é o momento que vivemos hoje”, diz o programa da Flip.
É ironicamente apropriado, bem ao gosto de Vila-Matas, que seu imprevisto protagonismo tenha sido propiciado pela recusa de um Bartleby francófono. “Prefiro não ir”, pode-se imaginar Le Clézio dizendo, após meses confirmado no elenco do festival. Da mesma forma que é apropriadamente irônico que o escritor espanhol, fascinado pelo silêncio, escreva feito uma máquina com o botão de desligar quebrado.
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Hoje à noite, o poeta Antônio Cícero e o crítico Silviano Santiago abrem a décima Flip falando de Carlos Drummond de Andrade. Sexta-feira, às 10h, será a vez dos professores Antônio Carlos Secchin e Alcides Villaça. Finalmente, no domingo, às 14h30, os poetas Eucanaã Ferraz, Carlito Azevedo e (num vídeo pré-gravado) Armando Freitas Filho tentarão dar conta do tamanho desmesurado do maior poeta brasileiro. Estarei na plateia dessas três conversas, comovido como o diabo – feito qualquer fã – por ver Drummond na berlinda. Uma única nuvem se anuncia no céu azul: claro que aquele calçamento é absurdo, moçada, mas a brincadeira da pedra no meio do caminho de Paraty cansa depressa, combinado?
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Em sua coluna no blog do Instituto Moreira Salles – que, como no ano passado, terá na cidade uma casa com programação de peso – o editor da revista “serrote”, Paulo Roberto Pires, risca uma linha sobre o elenco da Flip 2012 e demarca suas extremidades: de um lado o gigantismo dos painéis sociais do americano Jonathan Franzen, autor de “Liberdade”; do outro a miniaturização poética de Alejandro Zambra, autor de “Bonsai”. Diz que é preciso optar por um dos dois caminhos, uma escolha que, já fazendo a sua, resume assim:
Entre o grande autor, que busca plasmar uma época, e o pequeno, que esboça o instante. Entre o grande público, que reitera o que sabemos, e os vários pequenos grupos de leitores, que apostam, cada um por si, em experiências com o que não conhecem. Entre a narrativa que pela redundância quer recompor um lugar que a literatura (saudavelmente) perdeu e uma outra que busca a singularidade, mas não mais a vanguardice.
O artigo tem bons insights, como sempre ocorre nos textos do autor, mas me deixou parado na bifurcação que propõe. Sim, eu achei o conservador “Liberdade” um romance superestimado, pelas razões que apresentei aqui. No entanto, também me pareceram exageradas – ainda que menos, sem dúvida – as louvações ao simpático, engenhoso, honesto “Bonsai”. E nessa bifurcação estou até agora, de mãos pensas, como diria o homenageado do ano, pensando nas engrenagens da máquina do mundo que seria preciso movimentar para superar dialeticamente esse conflito entre o troll e o hobbit.
Será que “Por uma literatura de corpo proporcionado” é um slogan passável?
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E por falar em Franzen (que faz sua apresentação solo às 19h30 de sexta): juro que não é implicância, mas não soou um tantinho demagógico o cara dizer, nesta boa entrevista ao “Globo”, que sente que “o foco da excitação literária pode estar mudando para a América do Sul”?
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O que mais eu destaco? Bom, se falar tão bem quanto escreve, o historiador e crítico literário americano Stephen Greenblatt – autor de “Como Shakespeare se tornou Shakespeare”, uma obra-prima em que pesquisa, imaginação e prosa clara se fundem como se fosse fácil – pode muito bem fazer de sua conversa com o também especialista James Shapiro sobre o bardo elisabetano, ao meio-dia de sexta-feira, o ponto alto do ano.
Também não pretendo perder a mesa de quinta-feira às 17h15, que terá o espanhol Javier Cercas, autor do notável “Soldados de Salamina”, um romance histórico nada convencional que foi uma das principais fontes de inspiração para o meu “Elza, a garota”. E estou curioso para ouvir, na sexta às 15h, o nigeriano-americano Teju Cole, que escreveu o belo romance “Cidade aberta”.
E claro, claro: no sábado ao meio-dia o solar Ian McEwan, que a rigor não deveria dividir o palco com ninguém, vai conversar com a estrela ascendente Jennifer Egan.
Aposto também na química da prosa sobre histórias familiares entre Zuenir Ventura, João Anzanello Carrascoza e a portuguesa Dulce Maria Cardoso, às 15h de sábado. E fico interessado em ver o que farão no ingrato horário de domingo às 16h30 o americano Gary Shteyngart e o inglês Hanif Kureishi, escalados (sacrificados?) pela Flip para lutar contra uma tradição decenária de esvaziamento da cidade na hora do almoço.
A quem não estiver em Paraty, vale lembrar que todas as mesas terão transmissão ao vivo no site oficial da festa, aqui.
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Dividirei a cobertura da Flip com Maria Carolina Maia e Raissa Pascoal, de Veja.com. Todos os relatos sobre a programação oficial na Tenda dos Autores serão publicados aqui no Todoprosa, enquanto entrevistas e demais notícias sairão no blog Veja Meus Livros, aqui ao lado.
Até domingo, não teremos outro assunto. Isso é uma promessa.
Um comentário
Implicância sua com o Franzen? Só porque você critica até festa de aniversário que o cara participa? Rs. Concordo, McEwan não devia dividir mesa com ninguém, apesar de ser grande admirador de A Visit From The Goon Squad. Estou terminando Serena, que é bem superior ao Solar.