Dois casos inteiramente desconectados levam a literatura aos tribunais.
J.D. Salinger, o recluso autor de “O apanhador no campo de centeio”, está processando um escritor – aparentemente sueco, embora só se conheça seu pseudônimo, John David California – que escreveu um romance chamado 60 years later: coming through the rye. Programado para sair em breve na Inglaterra e nos EUA, o livro de California seria uma seqüência não autorizada da obra mais famosa do eremita de 90 anos, que há 45 não publica uma linha. A ação requer o “recolhimento e destruição” do livro. Na revista eletrônica “Slate”, Ron Rosenbaum especula, só meio a sério, se California não seria um pseudônimo do próprio Salinger, que estaria processando a si mesmo.
Menos graça tem o caso em que a escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de “A casa das sete mulheres”, processa por danos morais o blogueiro Milton Ribeiro, que, bem no estilo do meio, andou soltando alguns cachorros em cima dela. Um dos cachorros de Ribeiro tinha um latido comicamente duvidoso (“Vierschoschoten”) que muita gente pode condenar. Mas não foi para outra coisa que inventaram uma garantia chamada liberdade de expressão – se fosse para expressar sempre em termos moderados aquilo com que todos concordam, ela seria desnecessária. É triste e preocupante ver um escritor, tradicionalmente a maior vítima do desapreço que a Justiça brasileira demonstra ter por essa liberdade civil básica (não é, Roberto Carlos?), trocar de lado desse jeito.
20 Comentários
Os dois casos são lamentáveis. Extremamente lamentáveis.
Será aquela máxima verdadeira? Quanto pior o escritor, melhor o advogado? Abss.
Vale lembrar que MM. Bovary só alcançou a “fama” e passou a ser um dos livros fundamentais da literatura por conta de um processo movido por um promotor de Paris.
Minha mulher é advogada e já está preparada. Ousem!!
Caramba, não sabia desse caso da Leticia Wierzchowski. Muito feio. Do jeito que o Milton Ribeiro escreveu, achei que a crítica ficou, sim, parecendo pessoal. Mas não justifica um processo pedindo dinheiro.
Quanto ao Salinger, não sei. Já achei que ele tinha razão, já achei que não tinha. Eu adoraria que tudo não passasse de um trote à moda do JT LeRoy.
Vi um bom tanto de violência gratuita nas críticas de Milton Ribeiro.
Sérgio, é a primeira vez em que visito seu blog. Gostei! Da concisão, boa escrita, atualidade. Os inícios inesquecíveis de livros são um achado! Pretendo voltar, abraços.
Hmmmm… mas voltando à vaca fria, também achei os comentários do Milton Ribeiro exagerados. Eu não o processaria. Uns dentes quebrados resolveriam a questão…rs
É o fim da picada processar um crítico – mesmo que seja um bêbado no meio da platéia xingando o teu show – exigindo dinheiro em vez de reparação, pedido de desculpas, retratação ou coisa parecida.
É o caso de defender Milton Ribeiro com a fórmula clássica: “Não concordo com uma linha do que escreve, mas tem todo o direito de escrevê-las”.
Imagine se o Paulo Coelho resolvesse processar seus críticos, pedindo dinheiro por ter sido ofendido! Seria ridicularizado, e sabe disso. A Letícia parece que não sabe…
(Cá entre nós, o Milton acertou no atacado e errou no varejo!)
Vierschoschoten é engraçado…acho que eu também tenho um humor duvidoso. hehe
Agora virou sala de bate-papo!
Não acredito que reencontrei você, Jana.
Um abração!
(Nos “conhecemos” em 2001, na Oficina do João Silvério Trevisan)
Leticia Wierzchowski processa este blog (III) - Algumas opiniões equilibradas – Milton Ribeiro
não levem a mal, mas alguem pode me explicar a piada? o que ele quis dizer com “Vierschoschoten”? seria apenas um trocadilho com o nome dela? porque se for isso que eu entendi, não tem a menor graça.
A vantagem de processos como esse é divulgar a estupidez de uma escritora. Tanto no sentido literário quanto no pessoal.
Eu não conhecia a tal Letícia, nunca tinha lido nada dela, nem sabia que ela era a autora do livro “A Casa das Sete Mulheres”. Agora sei de tudo isso e sei mal. Pois a tal Letícia, ao processar um despretensioso blog (que eu passei a conhecer e gostar graças ao Todo Prosa), exibe-se, agora sim, ao Brasil em sua inteireza.
Ou seja: o feitiço volta-se contra o feiticeiro. Neste caso, o processo volta-se contra a autora da ação: ela se sai pior ainda como pessoa e como escritora por ter aumentado um pequeno episódio que revela sua pouca familiaridade com o idioma pátrio e com um que ela se arroga conhecer. E o blogueiro Milton se agiganta, pois aumenta o número de leitores e informa mais e melhor sobre a escritora, agora, sim, menos desconhecida…
A despeito da grosseria do trocadilho de Milton, o que grita mesmo em todo o episódio é a falta de bom senso da escritora, pois, ao invés de querer espaço para rebater violenta e justamente o texto de mau gosto do blogueiro, pede dinheiro!! O caráter do gesto fez ela perder o mínimo de razoabilidade.
Ou seja: que burra, não?
Bom, Luis, então foi isso mesmo que entendi??? Que falta do que fazer…
Bom saber que os trocadilhos ainda são infames, restam algumas áreas de sombra na paisagem extremamente iluminada da intelectualidade contemporânea.
Caramba, o caso está ficando mais engraçado do que eu podia imaginar.
Entrem na página do Milton Ribeiro e acessem o link “Leticia Wierzchowski processa este blog (III) – Algumas opiniões equilibradas”
(Bom, para ir mais rápido, a página é esta: http://miltonribeiro.opsblog.org/2009/06/10/leticia-wierzchowski-processa-este-blog-iii-algum-equilibrio/ )
Na parte dos comentários há um texto da escritora Leticia Wierzchowski, mas enviado por meio de um tal de “marcos nunes” (“marcos nunes” é um hiperlink que leva ao blog de Rachel Nunes, vai-se entender esse troço de blogs…)
Bom, o fato é que o comentário da autora de A Casa das Sete Mulheres, se for ela mesma a autora do texto, fala fala por si. Ela podia ter parado no terceiro parágrafo e voltado no fim, mas, fazer o quê, né?
Bem explicado é o texto de Marcelo Backes, publicado no Biscoito Fino… Vale a leitura.
http://www.idelberavelar.com/archives/2009/06/leticia_wierzchowski_a_casa_das_sete_leticias_por_marcelo_backes.php
Então é isso aí, ninguém escreve mais nada. E todo mundo fecha a boca. Assim, o país pode funcionar em sua mais perfeita ordem, certo? Façam-me o favor…
Com tanta pirataria e scanners espalhados pelo mundo, acho que os autores devem realmente processar até o vizinho por pedir seus livros emprestados e não devolver. Essa coisa de malandro embarcar na obra dos autores consagrados não é coisa nova. Mas vamos lá, o que existe de novo a ser escrito? Se propriedade intelectual realmente valesse, teríamos de declarar sua quantidade e tamanho no Imposto de Renda!