O crítico inglês Terry Eagleton (foto) acaba de dar uma interessante entrevista para a revista acadêmica “The Oxonian Review” (em inglês, aqui). Nela apresenta uma visão extremamente negativa do atual estado dos estudos literários acadêmicos e dá um conselho seco aos “jovens críticos”: “Não é um bom momento para estar nas universidades”.
Vindo de um nome fundamental da teoria literária britânica, o desabafo tem impacto. Na sua opinião, os jovens estudiosos de literatura sabem “discorrer de forma muito inteligente sobre o contexto de um poema”, sem no entanto ter a menor ideia de como “falar dele como poema”. Marxista, Eagleton tenta dar a esse desejo de restauração dos valores tradicionais da literatura uma roupagem progressista: trata-se, a seu ver, de recuperar para os críticos a relevância cultural dos grandes “intelectuais públicos”, em oposição ao que considera o conformismo reinante com o fechamento da academia em si mesma.
Reagindo a uma provocação dos entrevistadores, o crítico traça então um limite para a autocrítica: afirma não acreditar que a razão do problema deva ser buscada numa suposta overdose de teoria dentro da universidade. Ela estaria no mundo lá fora, num miasma em que entram “a mídia, o pós-modernismo, o status da palavra escrita…”. (Sobre essas e outras questões, escrevi há pouco tempo aqui no blog um artigo chamado “Entre Narciso e o suicídio, a literatura balança”.)
Impossível ler a entrevista de Eagleton e não pensar no livreto “A literatura em perigo” do búlgaro Tzvetan Todorov, outro nome central dos estudos literários nas últimas décadas para quem, depois de tanto esforço, tantos congressos, tanta bibliografia, algo de essencial se perdeu. Mais baseados na paixão da leitura e voltados contra o próprio fazer literário autocentrado que seria uma marca do contemporâneo, os argumentos de Todorov são diferentes dos do inglês (como termo de comparação, vale ler esta resenha-pensata do escritor Julián Fuks sobre “A literatura em perigo”). No entanto, a insatisfação com o rebaixamento cultural da literatura é um ponto em comum entre os dois, assim como um certo anseio de restauração.
Abaixo, alguns trechos da entrevista de Eagleton:
Como se sente a respeito da crítica literária atual? (…)
– Tenho um livro saindo em breve com um título banal, algo do tipo “Como estudar literatura”, porque temo que a crítica literária, pelo menos do jeito que a conheci e a aprendi, esteja quase tão morta quanto as danças folclóricas. Isso significa que todas aquelas coisas que me ensinaram em Cambridge, análise detida da linguagem, abertura para a forma literária, um sentido de seriedade moral – eu simplesmente não vejo nada disso hoje. Em algum ponto do processo essa sensibilidade para a linguagem, que eu valorizo enormemente, se perdeu. Eu não vi isso acontecer porque subi na hierarquia acadêmica e não estava suficientemente próximo dos graduandos para ter consciência do que ocorria. Mas quando cheguei a Manchester (em 2001), fiquei chocado de ver como as pessoas podiam discorrer de forma muito inteligente sobre o contexto de um poema, mas não sabiam falar dele como poema. Ao passo que, mesmo que se fizesse isso de modo malfeito, ou com indiferença, ainda assim era algo que se fazia automaticamente no meu tempo. Esse livro, que sai ano que vem, é na verdade uma tentativa de por a crítica literária como eu a entendo de volta na agenda. E de falar sobre questões como valor, o que é bom, o que é ruim, forma, tema, linguagem, imagística e assim por diante.
Os entrevistadores então questionam Eagleton, lembrando que, como um teórico de destaque, ele pode ser visto como um fomentador dessa nova mentalidade – a desmistificação do “literário” – que hoje, em queixa semelhante à de acadêmicos conservadores, se põe a lamentar. A resposta do crítico:
– Qualquer um, seja qual for sua posição política, que apoie algum tipo de retorno à sensibilidade para a linguagem tem o meu apoio. Entendo o argumento de que pode haver ironia no fato de alguém como eu, que em parte deu início aos estudos de teoria neste país, estar agora chorando a perda da tradição de close reading. Mas (…) não acho que seja este o caso. Acho que praticamente todos os grandes teóricos foram leitores atentos, de Hartmann a Jameson, Kristeva e Derrida – este, na opinião de alguns, foi um leitor atento demais. Acho que essa é uma falsa oposição. Não acredito que seja esta (a teoria) a razão. A razão tem mais a ver com a mídia, com o pós-modernismo, com mudanças na cultura em geral, com o status da palavra escrita e assim por diante.
Então, que conselho você daria aos jovens críticos?
– Não é um bom momento para estar nas universidades. Aquilo que um dia, anos atrás, alguém me descreveu (na África do Sul, na verdade, logo onde!) como a thatcherização das universidades continua a todo vapor, sob nomes diferentes. Hoje tenho apenas uma relação oblíqua com a academia, como se sabe, agora que estou semi-aposentado, mas mesmo quando estava na barriga da besta tentei manter o papel de intelectual público. Isso é muito importante. Não que todo mundo possa ser um Edward Saïd ou um Habermas, mas é disso que precisamos.
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