Fiquei muito feliz com a notícia (em inglês) de que o escritor americano Elmore Leonard, 86 anos, autor de um punhado dos melhores romances policiais e de faroeste de todos os tempos, vai receber a medalha da National Book Foundation pelo conjunto da obra, uma honraria que costuma ser abiscoitada por escritores mais “sérios” como John Updike, Gore Vidal e Toni Morrison. Além disso, a Library of America reunirá seus policiais em três volumes de capa dura.
Pode ser que esses passos no sentido da canonização não signifiquem muita coisa para o ex-publicitário recluso que vive há décadas de seus livros, produzidos ao ritmo de um por ano e em muitos casos adaptados para o cinema e a TV. (Fala-se muito em “Jackie Brown”, um Tarantino menor, mas meu Leonard cinematográfico preferido é Get Shorty/“O nome do jogo”, de Barry Sonnelfeld.)
Estamos falando de um sujeito avesso a qualquer tipo de pose, que projeta uma imagem de artesão e que nunca precisou reivindicar o título de “intelectual” para se levar a sério. De todo modo, as homenagens de agora não são propriamente uma surpresa. Elmore Leonard virou uma instituição cultural americana, ganhou elogios públicos de ninguém menos que Saul Bellow e certa vez ouviu de Martin Amis que “sua prosa faz Raymond Chandler parecer desajeitado”.
Recebê-lo em suas fileiras com medalha e tudo significa muito mais, com certeza, para o mainstream das letras americanas, que desse modo demonstra uma saudável abertura sobre as muitas faces do fazer literário.
O homem é comercial? Muito. É também um baita escritor, um subversivo do maniqueísmo que costuma engessar a literatura de gênero, um estilista do inglês ianque – frequentemente intraduzível, o que prejudica sua apreciação por aqui – e um mestre do ritmo narrativo que dá a impressão de ter em casa como enfeite de aparador a pedra filosofal do pulso da história, aquilo que outros escritores tateiam a vida inteira para encontrar e perder de novo.
Pode-se dizer de Leonard, sem mudar uma vírgula, o que Chandler disse de Dashiell Hammett: “Ele tinha estilo, mas seu público não sabia disso, porque o estilo vinha numa linguagem que não se supunha capaz de tais refinamentos”.
Sim: eu também gosto de literatura “difícil”. Também sei que, às vezes, dificuldades abissais se escondem sob a facilidade aparente. Isso é bem mais difícil de perceber, mas quem gosta de dificuldade não perde nada por tentar.
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AVISO AOS LEITORES: Estou tirando alguns dias de férias. Volto a atualizar a coluna no dia 8 de outubro. Até lá!
4 Comentários
Antes de mais nada, boas férias!
E valeu pela dica do Leonard. É um daqueles autores que jamais li e nem mesmo sei porquê. Gosto sim, de literatura policial, mas com conteúdo, personagens bem definidos e tramas engenhosas mas não bizarras. Acho Rex Stout e Patricia Highsmith fabulosos; o primeiro com seu carismático Nero Wolf e a segunda com seu cínico e elegante Ripley – além de outros menos votados mas extremamente bem construídos. Gostei muito da série de livrso do Boris Akunin. Já Michael Connely… Enfim, valeu realmente pela dica!
Nunca é demais lembrar: Leonard pode ensinar vários autores sérios (que tentação botar a seriedade de alguns entre aspas)a escrever diálogos. Também aqui seu senso de ritmo é perfeito.
Na verdade gostaria de saber qual o limite desse papo de cultura para todos e de inclusão. Escrevi um livro. Quero mandar a gráfica imprimir, no entanto, existe um PORÉM enorme: as livrarias não trabalham diretamente com os autores e as distribuidoras não distribuem livros que não os das editoras. Me parece papo furado já que os autores ficam a mercê da monopolização do espaço editorial e a margem da divulgação independente. Se o problema são os erros de português ou de digitação, então, isso não se justifica. Cansei de ler livros com estes erros e nem por isso eles foram recolhidos ou impedidos de serem vendidos. Afinal, que papo é esse??
Um abraço, Ingrid.
Morre o escritor policial Elmore Leonard, aos 87 anos - veja.com