Por Maria Carolina Maia
A literatura social do carioca Rubens Figueiredo (do premiado Passageiro do Fim do Dia) e do sergipano Francisco J. C. Dantas (de Os Desvalidos) pautou a mesa A Imaginação Engajada, neste domingo, na Flip. Mas não só ela. Os escritores falaram da sua forma de retratar a realidade e fizeram o público rir contando causos e piadas.
O falso tímido Dantas, 71, que debutou na literatura aos 50 com Coivara da Memória (Estação Liberdade), subiu ao palco com um calhamaço de anotações. Sua primeira fala foi tão prolixa e distante do tema proposto – ele agradeceu o convite da Flip e a boa hospedagem que vem recebendo em Paraty, para então relembrar episódios de viagens que fez – que o mediador pediu autorização para passar a palavra a Figueiredo. “Vamos ouvir agora Figueiredo, se o senhor deixar, é claro”, disse , o professor de literatura João Cezar de Castro Rocha, dando uma indireta a Dantas.
“Uma vez, participei da Jornada Literária de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e achei lindo como todo dia, debaixo do travesseiro, a camareira da pousada onde me hospedei deixava um chocolatinho”, contava Dantas antes de ser interrompido por Castro Rocha. “Eu agradeci publicamente por aquilo, o que fez com que, no dia em que eu ia embora, os funcionários da pousada se cotizassem para me dar uma caixa de chocolates.”
Ao tomar a palavra, Figueiredo falou de seu último livro, Passageiro do Fim do Dia (Companhia das Letras), vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura e do Portugal Telecom, e de como se sente impelido a tratar de questões sociais. Mas evitou o tom messiânico e doutrinário – com sabedoria, aliás.
“Meu último livro levou anos para se concretizar. Eu passei muitos anos pegando dois ônibus para ir e dois para voltar da periferia do Rio, onde dava aula. O curioso é que, apesar de conviver e compartilhar experiências e afetos com as pessoas no ônibus e na sala de aula, havia uma barreira entre mim e meus alunos. E não era uma questão de sensibilidade ou de inteligência, mas uma barreira que vem de fora, produzida por um regime de relacionamentos sociais. São mecanismos que nos fazem deixar de ver aquelas pessoas como iguais, e que dão justificação a isso”, contou. “A partir dessa experiência, eu passei a questionar como eu via a literatura, o romance. Passei a pensar que essa noção critica que temos da realidade deveria estar presente na literatura. E foi pensando assim que eu fiz esse livro.”
Figueiredo defendeu a idéia de lembrar daquilo que esquecemos sempre – as desigualdades sociais que, de tão arraigadas no dia a dia, acabam aceitas por todos. “Hoje, tendemos a ver as desigualdades como fato natural. Eu olho um ônibus entupido de gente, na hora do rush, como quem olha uma árvore.”
Também evitando um tom doutrinador, e talvez ainda mais que o carioca, Dantas disse que a literatura não deve ser nem engajada nem “cor-de-rosa”. “Ela não pode trabalhar com discurso triunfalista nem autoajuda”, disse, estabelecendo uma premissa geral antes de falar de si mesmo. “Minha posição pessoal é a seguinte: a gente vive num contexto marcado por iniqüidades sociais. Eu escrevo para mudar e manter as coisas do mundo.”
Ex-professor de literatura – Figueiredo, aliás, também é professor e tradutor –, Dantas ainda aproveitou para defender a tradição e o regionalismo. “Eu só consigo escrever sobre a minha região, aquela que está em mim sem que eu me esforce para isso. Não conseguiria fazer turismo fora do Brasil e depois escrever um romance. Tem gente que consegue, eu tenho limitações”, disse sobre a questão do regional. E sobre a tradição: “Tem muita gente interessado nas vanguardas, como se tivesse medo de falar das origens e das influências que recebeu”.
O divertido Dantas ainda disse algo bonito, perto do fim da mesa. Segundo ele, aquilo que temos de melhor, “o nosso mais íntimo”, governo nenhum pode gerir. “Frente aos grandes problemas, estamos sempre sozinhos. Só a literatura pode nos salvar nisso.”
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