Dica preciosa do blog Dicta&Contradicta: todas – 205 por enquanto – as entrevistas com escritores feitas pela “Paris Review”, sob a rubrica The art of fiction, acabam de ficar disponíveis no recém-reformado site da revista para internautas de qualquer parte do mundo que tenham a chave (isto é, que leiam inglês), num roteiro de navegação organizado por autor ou por década, da de 1950 até hoje.
São entrevistas longas que, de modo geral, dispensam curiosidades triviais para buscar uma profundidade pouco vista na imprensa sobre o processo criativo de cada autor. Quem está lá? Bom, o predomínio anglófono é previsível, mas “todo mundo” não seria uma resposta totalmente descabida.
Um exemplo do sabor da coisa, tirado da entrevista com o escritor espanhol Javier Marías:
Pergunta: “Quando comecei a ler seus romances, as digressões do narrador me deixaram ansioso por chegar à conclusão.”
Resposta: “Sim, acho que eu forço isso. No segundo volume de ‘Seu rosto amanhã’, há uma cena em que um homem desembainha uma espada. A cena se passa numa discoteca, e o homem está prestes a cortar a garganta de alguém. O narrador é uma testemunha disso, conta a história e está assustado, é claro, e horrorizado – é algo muito estranho de se ver na Londres de hoje – mas o que vem imediatamente a seguir é uma reflexão sobre a espada: o que significa uma espada, o que ela tem significado ao longo da história, o que significa hoje e quão anacrônica é, e como, precisamente por causa disso, é talvez ainda mais temida do que o revólver, porque um revólver – a possibilidade de que ele seja sacado – é algo que se pode esperar nos dias de hoje em caso de ataque. É uma longa reflexão, de muitas, muitas páginas. Ninguém sabe o que aconteceu com aquela espada que acabou de ser desembainhada. Se alguém resolver pular essas páginas para descobrir se o homem vai ser decapitado, tem toda a liberdade de fazê-lo, mas minha intenção – aquilo em que gosto de acreditar – é que todas as digressões dos meus livros sejam suficientemente interessantes em si mesmas para fazerem o leitor esperar, não apenas por esperar, mas que ele diga: está certo, este escritor interrompeu a história e eu gostaria de saber o que acontece com a espada, mas o que ele está me dizendo em vez do que aconteceu com a espada é algo em que estou interessado também. Testo a paciência do leitor de propósito, mas não gratuitamente.”
2 Comentários
Que exemplo saboroso! Gostei muito disso… gosto muito disso. Eu me lembro de meu pai. Quando vou contar algo, e quando começo, na maior empolgação teatral ( como ele mesmo pensa e por isso diz ) “a sair do assunto” , ele me interrompe: “Minha família, conta o que você veio contar…, sem divagações” – Tõin! E eu… ali… precisando explicar o “meinho”… tenho que parar e ir para o “fim”. Quer saber? Fica totalmente “sem sabor”… Mas ele não sabe e nunca vai saber… Que pena, né? E não faço nada disso para testar a paciência, mas para mostrar as lindezuras dEle. E, olha, Sérgio, gratuitamente…
Não tem espaço pra comentar isso, mas essa epígrafe de Faulkner é uma de minhas favoritas!