Eram os dois maiores poetas de seu tempo, um tempo remoto em que os homens morriam cedo, mas em compensação os rios eram cristalinos.
O poeta do reino do norte era rico e famoso. Casado com a mulher mais bela e cobiçada do mundo, que o acompanhava aonde fosse, era autor de odes e epicédios que o rei encomendava para comemorar as datas cívicas e que o povo ouvia em meio a arrepios festivos ou contrito silêncio, conforme o caso, na praça em frente ao palácio.
O poeta do reino do sul, ao contrário, vivia sozinho numa choupana no meio do mato, ignorado por seus conterrâneos e encarado com desprezo ou hostilidade pela corte.
O poeta do norte usava como argamassa de sua obra velhas crônicas de atos heroicos ou traiçoeiros, amores cortesãos mal disfarçados sob pseudônimos burlescos, intrigas filosóficas fermentadas nos grandes centros de saber do reino. Para que a mistura não resultasse pesada, temperava tudo isso com um humor descrente que denunciava o olhar de um verdadeiro cidadão do mundo.
O poeta do sul era um caipira que não se cansava de escrever sobre os mesmos temas bucólicos: o por do sol, o nascer do sol, os cabritos que subiam o morro, depois desciam o morro.
O encontro entre os dois foi promovido por admiradores de ambos, um grupo de professores nativos de um terceiro reino, o do centro, que não tinha um único poeta digno de nota mas se destacava pela hermenêutica da poesia alheia. Foi este reino o campo neutro em que os dois maiores poetas de seu tempo finalmente se encontraram, a convite dos entusiasmados professores, por ocasião de um festival de artes.
O conclave entrou para os anais da época. Literariamente, foi uma catástrofe. O poeta do norte falava demais, o poeta do sul não falava quase nada. Logo na chegada cumprimentaram-se friamente, e não demorou a ficar claro que um nunca tinha lido nem estava interessado em ler o outro. Um dos professores, pressentindo o desastre e em busca de um território comum para onde conduzir o colóquio, perguntou-lhes sobre influências. O poeta do norte citou Homero. O do sul, os caracóis de seu jardim.
O encontro só não passou em branco na história da literatura porque, num lance inverossímil, a bela mulher do poeta do norte se apaixonou pelo poeta do sul e fugiu com ele para seu barracão no meio do mato, loucamente determinada a gastar entre cabritos e caracóis seu patrimônio intangível, mas aromático e curvilíneo, de mulher mais cobiçada do mundo.
Nenhum dos dois poetas nunca mais escreveu um verso que prestasse.
Um comentário
Sérgio,
Gosto de suas microfábulas/alegorias em torno de temas e personagens literários, embora o final desta me pareça mais naive do que inverossímil (nem as musas gostam de mato). Eu esperaria que os poetas do norte e do sul se aliassem para desancar os poetas do leste e do oeste. Ou, abandonados pela musa, decidissem juntar os trapinhos e ter uma catédra a dois nas boas escolas do centro.