Escrever um romance é como fazer uma cadeira. Você projeta, serra, prega, depois senta para experimentar e, se não desabar, é um romance. Aí lixa, pinta, enverniza o quanto quiser, ou não, deixa tudo tosco, não importa porque, se a cadeira não desabou, já é um romance.
Não, escrever um romance não tem nada a ver com marcenaria, está mais para alquimia. Você mistura os líquidos e fica esperando a explosão, que, aliás, raramente vem. Depois bota numa garrafa e cola um rótulo com duas orelhas e diz: “Escrevi um romance”.
Não é nada disso, caramba. Escrever um romance é só um gesto de suprema vaidade, um desafio lançado ao tempo por um mortal patético que não se conforma em desaparecer tão misteriosamente quanto apareceu e faz questão de deixar na parede da caverna uma mensagem para os arqueólogos de um futuro que nunca chegará.
Engraçado, para mim é diferente. Escrever um romance é uma das três coisas que todo mundo precisa fazer na vida, junto com plantar uma árvore e ter um filho, simples assim. E agora parece que todo mundo está levando isso a sério mesmo, nem tanto a parte do filho, mas certamente a da árvore e a do romance.
Hmm, será? Pois me parece que escrever um romance é uma atividade como outra qualquer. Nem menos nem mais meritória do que escrever um programa de computador, construir uma casa ou capinar um roçado. Um trabalho, aliás, de resultado mais incerto e recompensas mais ariscas que a maioria, mas apenas um trabalho. Que por sua vez propicia mais trabalho a livreiros, bibliotecários, críticos e outros profissionais de atividades igualmente meritórias.
Ah, vocês todos me fazem rir. Sabem o que escrever um romance é? Perda de tempo. Vivemos num mundo que evidentemente ultrapassou o romance, um mundo pós-romance, que tal acordar?
Escrever um romance é preciso, viver não é preciso, é só o que tenho a dizer. Vocês ouviram isso? O lema da escola literária de Sagres! Você só pode estar maluco. Maluco está você, idiota. Escrever um romance pra quê? Escrever um romance pra ontem. Escrever um romance aos pouquinhos. Escrever um romance a jato. Escrever um romance por fermentação e escrever um romance por destilação. Escrever um romance de pura teimosia, por prazer, por masoquismo, por capricho, por necessidade, porque sim, por que não?
Escrever um romance é escrever um romance, o resto é literatura.
16 Comentários
Quantas metáforas para “escrever um romance”. Lembrei-me da “carpintaria” do Autran Dourado. Talvez seja uma danação,
ou sina, ou perdição. Ou não é nada.
Desafio, sonho, obsessão, rito de passagem…
Adorei suas definições, porém faltou uma: Escrevemos romance porque somos romanticos de natureza, amamos com total certeza e desabafamos num mundo de pura beleza, depois choramos, nos descabelamos como loucos incuráveis, prontos para um novo capítulo ou quem sabe um novo romance.
Bjks
Para escrever um romance.. Tem que estar apaixonado pela trama!
Muito bom!! Adorei a crônica…;)
Escrever um romance é preciso, viver não é preciso.
Olà Sergio Rodrigues?
Como vai? Tudo bem?
Eu ,gostaria de dizer que gostei demais da sua definição de romance ,no texto :” Romance è…”
Eu ,quero dizer,tambèm que sou apaixonado por literatura.E queria fazer algumas perguntas a você ,que é um especialista em literatura. A primeira pergunta é: sera que a literatura tornou – se tão futil assim na nossa época? Qual a finalidade da literatura em ummundo pòs – romance? Qual o papel do romance na atual sociedade capitalista? Será que ninguem mais gosta de ler romances?
Obrigado pelo texto!
Escrever um romance, assim como qualquer outra forma artística, é o meio que o homem encontrou para marcar sua existência no mundo. A ideia surgiu depois que li o trecho referente a “…deixar na parede da caverna uma mensagem para os arqueólogos de um futuro que nunca chegará.” Além de marcar, as artes tbm servem para expressar o que sentimos. Agora poderia me dizer o que define “arte”?
Gostei do post…
Puta texto bonito! Deveria ser mais longo, muito mais. Eu me reconheço duplamente na metáfora da carpintaria e da pintura rupestre, mas me reconheço um pouquinho mais ou menos nas demais metáforas.
Sei bem o que isso de querer completar um ciclo de vida, citando aqui as três “obrigações fundamentais” de todo ser humano: escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Em muito andava em débito com essa última questão de ordem ecológica e hoje tive o prazer de plantar 14 mudas de árvores num evento aqui em minha cidade, uma satisfação emocionante.
Para mim escrever um romance é como ter um filho ou plantar uma árvore, pois aí reside a essência de se gerar algo que que tenha partido de você para o mundo, algo que tomará forma e significado que fogem à nossa manipulação direta, pois passam a ter vida própria assim que gerados. A árvore crescerá e dará seus belos frutos ou flores ou sombra seguindo as regras da natureza e não a nossa; o filho (no meu caso três) formarão seu caráter a partir da sua interação com o resto do mundo, por mais que queiramos moldá-los a nossa imagem e semelhança; e finalmente o livro, nosso “fruto” mais rebelde, em cada uma das mentes pelo qual ele vagar terá um significado especial e único, com toda a certeza diferente da premissa lançada pelo autor.
Essa é a beleza de gerar, tomará forma, formato e lugar, e com toda a certeza multiplicará nosso primeiro ato.
Abraços renovados para todos.
Escrever um romance é um sonho antigo onde só se encontra o verdadeiro amor na letras. É perceber que a realidade não é um romance contado, mas vivido, de sofrimentos que são torturantes ou não.
Qui nada…. Escrever um romance é analisar o que leitor quer ler e mandar ver, para ser não só lido, mas muito… muito vendido…
Lindo texto! Parabéns.
“Para Barthes, escrever é o jeito de abraçar a experiência, de vivê-la plenamente.” – da coluna de hj, de Contardo Calligaris sobre “Diário de Luto” (mas que serve para o romance também…)
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Então romance não é literatura?! ^^