Interessante com certeza, preocupante talvez: a enquete sobre o mais inesquecível personagem da literatura brasileira, que lancei aqui na quarta-feira, ainda está em andamento, mas com mais de oitocentos votos já permite traçar um padrão claro. Quanto mais velho o livro, mais ele ressoa junto aos leitores.
Está certo que temos no século 19 um monstro chamado Machado de Assis (foto). Está certo também que o recuo no passado costuma ser um dos requisitos para a incorporação de uma obra literária ao cânone. No entanto, nada disso permitiria prever uma curva quase inteiramente linear: começando por Capitu e Brás Cubas, os líderes da corrida, e passando por Emília, Macunaíma, Capitão Rodrigo, Diadorim, Gabriela, a votação dos personagens vai minguando à medida que os livros em que eles surgiram se aproximam do presente.
A tendência é tão forte que passa por cima até de algo que, à primeira vista, poderia parecer decisivo para a popularidade de personagens literários: o fato de terem ou não transcendido as páginas para ganhar adaptações de sucesso no cinema ou na TV. Emília e Gabriela são figurinhas manjadas na cultura audiovisual das últimas décadas, mas isso não foi suficiente para movê-las dos lugares que a linha do tempo lhes reservou.
Nesse esquema em que o passado aparece como o grande curral (e)leitoral, os pontos situados dramaticamente fora da curva, como dizem os estatísticos, são apenas dois: o Leonardo de “Memórias de um sargento de milícias”, o mais antigo e um dos menos votados, e o Eduardo Marciano de “O encontro marcado”, que pela idade deveria aparecer dando suas braçadas perto de Diadorim, mas amarga uma lanterninha absoluta. Num universo de onze personagens, acredito que esses desvios possam ser tratados como exceções que confirmam a regra. Inversões como as que ocorrem entre Capitu e Brás Cubas e entre Macabéa e o André de “Lavoura arcaica”, livros cronologicamente próximos, são desprezíveis.
O que está por trás de tal tendência é matéria de especulação. Se ela não for um sintoma da lenta e inexorável decadência artística de nossas letras, pode ser de sua perda progressiva de peso sociocultural à medida que o século 20 avança – um fenômeno que não é só brasileiro. Mas talvez, numa perspectiva otimista, tudo não passe de uma decantação natural, saudável, em que as pedras que foram atiradas primeiro no lago tiveram mais tempo de chegar às profundezas.
Seja como for, me veio à cabeça uma frase de Jorge Luis Borges: “Clássico é aquele livro que uma nação, ou um grupo de nações, ou o longo tempo decidiram ler como se em suas páginas tudo fosse deliberado, fatal, profundo como o cosmo e passível de interpretações sem fim”. Está certo que o tempo é um dos elementos dessa equação, mas o que nela mais chama minha atenção é outra coisa: a decisão de ler uma obra como clássico faz o clássico, ou seja, não haverá magia se a plateia não estiver predisposta a acreditar no mágico.
E a esta altura, vamos falar com franqueza, quem ainda está?
Atualização às 11h57: é claro que depois que publiquei o post, só para me contrariar, o Capitão Rodrigo empatou com Macunaíma e Macabéa resolveu pela primeira vez ultrapassar Gabriela (!). Mas as linhas gerais continuam valendo.
15 Comentários
Então, mais um voto para Macabéa.
Sérgio, a explicação para o resultado parcial de sua pesquisa pode estar no público, “no eleitor”. Imagino que quem lê seus posts e ainda se sinta estimulado a votar tenha perfil de leitor contumaz, que não leva muito em conta essa coisa de adaptação para TV. É uma hipótese.
eo so gostaria de lembrar de Dom Pedro Dinis Quaderna, sei que não o maior persanagem da literatura brasileira mas merece estar entre os maiores
SR, achei ruim Mandrake não ter chance, sequer nas espontaneidades. E notemos que muitos juram que Rubem Fonseca já morreu.
Concordas comigo que ultimamente o non-sense tem invadido o estilo dos escritores? E isso não me agrada! O Machado está na frente e deve permanecer na frente. Brás Cubas é um bicho interessantíssimo! E o que dizer da tal Capitu? E o marido dela? Fiquei desgostosa por não ver o Leonardinho dentre os melhores. O sargento de milícias é divertidíssimo! Verdade é que a literatura brasileira contemporânea tem me proporcionado desgosto, na maioria das vezes. Mas posso dizer que Ismael Caneppele me surpreendeu.
Difícil…parece que no tempo, enquanto alguns ganham peso e profundidade, tudo mais se dissipa nesse universo fragmentário…
Duas personagens me marcaram as minhas leituras na minha juventude: uma é brasileira, Mestre Amaro, de Fogo Morto; a outra é Larry, do romance o Fio da Navalha, do W. S. Maughan.
a maigia dos escritores nao e a mesma de antes
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
eu adoreei meu trabalho foi mt legal sobre isso
adorei esse artigo de opinão
ja eu detestei eseste trabalho artigo de opnião chato
esse artigo é muito importante para a aprendizagem das pessoas
achamos uma boa ideia de voce fazer isso! Gostamos muito
Sérgio, acho sim que para a população em geral as adaptações televisivas/cinematográficas tem sim um peso grande sobre a relevância dos personagens na história nacional. Acontece que felizmente/infelizmente os que aqui frequentam e votam acabam fugindo um pouco do padrão do “brasileiro comum”. Uma enquete dessas feita na rua, no Anhangabaú em SP, no calçadão de Copacabana, etc, traria um resultado bem diferente. Concordo completamente com o que disseste na postagem anterior de que talvez a inexistência (parcial) de um personagem marcante em nossas letras se deva ao papel menos expressiva que nossa literatura tem hoje em dia na sociedade. Um Capitão Nascimento seria muito mais citado hoje em dia nas ruas que qualquer um dos elencados na enquete. Pra não fugir da literatura, Harry Potter ganharia disparado, assim como Chicó e João Grilo como obra tupiniquim.
Outro ponto a se questionar em relação ao resultado é o fato de todos tenderem a votar por suas experiências pessoais e não por “relevância histórica” do personagem. Grande exemplo disso é a enorme quantidade de outros personagens dos livros citados aparecerem nos comentários. Votamos nos que mais gostamos. E gostar tem um pouco de nostalgia… Todo mundo que gosta de ler tem como uma lembrança forte aqueles clássicos que éramos obrigados a ler no colégio (Brás Cubas e Dom Casmurro não podiam faltar!). Para muitos, esse foi um primeiro contato com a grande literatura brasileira. Isso pesa muito na hora de votar.