Clique para visitar a página do escritor.

Escritores e zumbis

18/07/2008

Toda semana, desde o início do mês passado, um capítulo do romance The living, uma história de zumbis, é publicado nesse site (em inglês, acesso gratuito), terminando com algum gancho típico de folhetim ou telenovela – uma bifurcação no enredo. E aí, o cara vive ou morre? Como estamos na internet, quem decide de que forma a pergunta será respondida no capítulo seguinte é o leitor. Só depois de computados os votos é que o autor, o americano Kealan Patrick Burke, pode dar prosseguimento à história, e assim começa tudo de novo. (Dica do blog de livros do “Guardian”.)

A coisa é tão singela que tem sua simpatia, e o charme para quem vive buscando exemplos de casamento entre web e ficção é evidente. Mesmo assim, devo admitir que acho cada vez mais difícil entender o fascínio exercido por esse tipo de interatividade. Uma coisa é a experiência com histórias abertas, tridimensionais, que permitam ao leitor navegar em diversas direções – um modelo narrativo prenunciado por Julio Cortázar em “O jogo da amarelinha” e que a web parece equipada para levar a conseqüências interessantes um dia, embora ainda esteja longe disso.

Algo bem diferente é submeter o próprio processo de escrita a essas enquetezinhas populistas que infestam a rede. Escritor que é escritor assume suas escolhas, mesmo que precise morrer abraçado a elas. Se quer que algo fique aberto para o leitor decidir, tem técnicas para isso. Pode deixar aquela ponta solta ou escrever duas, cinco ou mais possibilidades. O que não pode – não se quiser continuar se chamando escritor – é lavar as mãos e consultar os “universitários” que o lêem.

Isso para não mencionar os momentos em que um autor é obrigado, para o bem de sua história, a fazer justamente o contrário do que os leitores desejam. Contrariá-los profundamente quando torcem, bocós, para que Romeu e Julieta sejam felizes para sempre. A tal web 2.0 se acha muito esperta, mas esqueceu o valor inestimável – estético, pedagógico, político, o diabo – da frustração.

Eu sei, eu sei: é só um joguinho. Se experiências do tipo The living abrirem mercado de trabalho para escribas, que sejam bem-vindas. Só não convém esquecer que serão sempre uma forma rebaixada de literatura.

15 Comentários

  • Pandora 18/07/2008em17:17

    Adorei a frase e concordo plenamente:

    “Escritor que é escritor assume suas escolhas, mesmo que precise morrer abraçado a elas.”

  • christiane curioni 18/07/2008em17:47

    O livro de todos, que começou com um capítulo do Moacyr Scliar, também funciona mais ou menos assim. É muito menos pretencioso do que vc imagina: só visa a estimular a leitura e a boa escrita. POr que não?

  • Sérgio Rodrigues 18/07/2008em18:06

    Christiane: o Livro de Todos é muito diferente do ‘The living’. Lembra mais (na verdade, é praticamente uma cópia) aquele projeto “A million penguins”, que comentei aqui ano passado. Uma obra coletiva, pura farra. De resultado estético obviamente pífio, mas e daí? Este aqui é diferente, tem “autor”.

    Agora, não sou eu quem vê pretensão nesse tipo de coisa. Como eu disse, é só um joguinho. Mas você ficaria surpresa se soubesse quanta gente acha que é muito mais do que isso.

  • Jorge spindola 19/07/2008em10:18

    Eu fico imaginando os grandes mestres, esperando o resultado da ” pesquisa ” para terminar suas obras. Nao teriam sido OBRAS jamais.
    Alem de concordar com a ideia que o autor deve morrer com suas conviccoes, lembro que o autor escreve para si, o publico gostar ou nao eh quartenario, ou alguem acha que novela da Globo eh literatura :

  • Mey 19/07/2008em11:33

    Sergio:Concordo em grau genero e número com vc.Eu
    escrevo,e estou na batalha para editar um livro,e alguém já me sugeriu abrir a obra ao público na internet para que escolham o final ou finais alternativos.Seria como estraçalhar com minha criatividade.O que eu escrevi esta finalizado.Só mecho a título de pesquisa,mas o rumo daquilo que criei já está traçado.Se der certo ou não…valeu a pena,perder tantas horas de sono trabalhando em algo que eu acredito.Como disseram aí,o que seria das grandes obras se tivessem que esperar por pesquisas.Não tenho essa pretensão de dizer que fiz uma grande obra,mas para mim foi um grande feito que espero compartilhar um dia com os que “gostem” e os que “detestem”.Um abraço.

  • Pandora 19/07/2008em20:16

    “Mecho” é licença poética?

  • Mr. WRITER 20/07/2008em00:38

    Agora eles podiam fazer, sei lá, tipo assim, um paredão, no pior estilo BBB…

    Tipo, uns três autores disputando quem escreve a morte do fulano…

    É cada um mesmo…

  • Cezar Santos 20/07/2008em22:24

    Sérgio, faço minhas suas palavras…

  • Mey 21/07/2008em11:01

    Não,dona Pandora,”mecho” foi um erro cometido por mim na hora de escrever o comentário.”Mexo” seria o correto.Vc por acaso é professora de português?Deve ter bastante trabalho na internet…tenha paciência,moça!

  • Pandora 21/07/2008em20:14

    =)

  • Djako 24/07/2008em10:13

    Pô, cara, a coisa tá só começando. Fica gelo, ô meu. Talvez isso até ajude a arte de escrever, pois o próprios leitores/escribas terão a oportunidade de exercer a auto crítica e ir cada vez mais se aprimorando na difícil arte de escrever. Mesmo assim acho que os bons continuarão sendo poucos.

  • Monica 05/08/2008em22:29

    O jogo de amarelinha, teorizado por tantos que pensaram os anos 70, teve o seu espaço na rede ate o final dos anos 90, uma era anterior aos blogs. Experiencias literarias arriscavam o novo espaço e eram encorajadas por programas, como o Storyspace. A maioria das experiencias ficou restrita ao universo academico e, no caso do Brasil, ao Nupill de Santa Catarina e ao wawrwt da unicamp. Mas, neste miolo, surgiu Eduardo Kac, que foi pra Nova Iorque e ganha premios internacionais. Nao sao experiencias do tipo The Living. Não foram, nem serao, uma forma rebaixada de literatura ou arte. Foram experiencias com o espaço das palavras escritas no formato digital. A relaçao entre a nao continuidade destas experiencias e os blogs merece ser pensada. Afinal, elas constituem duas formas de escrita digital.

  • amanda 29/12/2008em10:40

    oi montei um blog agora e queria que vc desse uma olhada.Gosto muito de escrever livros e historias.Minha mae ganhou um concurso e acho que posso ser igual a ela produzindo grandes livros e historias que possam mudar e surpriender o mundo com uma simples palavra.

  • amanda 29/12/2008em10:56

    quero ser uma escritora que coloca a boca no trombone e nao tem medo do que fala e o que escreve para o mundo.Por isso o seu comenta rio pode fazer toda a diferença no meu blog e na minha vida ao saber que um escritor esta expondo suas opinioes sibre os meus textos que vou preparar caso vc decida entrar.
    http://modaborboleta.blogspot.com/