Ambos poetas, críticos e professores de literatura com décadas de reflexão sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade, Alcides Villaça e Antonio Carlos Secchin protagonizaram há pouco um dos melhores momentos da Flip 2012, na mesa “Drummond, o poeta moderno”. Cada um partiu da leitura detida e apaixonada de um poema – “O elefante”, no caso de Villaça, e “Áporo”, no de Secchin – para iluminar aspectos da obra do autor homenageado.
Curiosamente, os dois poemas pertencem ao livro “A rosa do povo” (1945), da fase politicamente engajada do poeta, o mesmo em que Antonio Cícero foi buscar “A flor e a náusea”, que leu e comentou na conferência de abertura, quarta à noite. Encarregado da mediação da conversa de hoje, o ex-curador da festa Flavio Moura apontou essa coincidência aos dois debatedores, que no entanto não confirmaram a tese de uma suposta centralidade do título na obra drummondiana. Secchin, porém, observou que a costumeira leitura de “A rosa do povo”como um livro simplesmente “político” deixa de levar em conta que Drummond, mesmo tendo se aproximado do Partido Comunista, permaneceu um poeta complexo que cultivava, “ao lado da rosa pública, outras flores íntimas em seu jardim secreto”.
Em suas reflexões, o tom de Villaça é mais coloquial, de fácil comunicação com o público. Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras, soou ao mesmo tempo mais tímido e mais professoral. Não por acaso, o primeiro escolheu um poema “popular” e o segundo, um poema “difícil”. Por esses caminhos diferentes, os dois conseguiram fazer a mesma mágica na Tenda dos Autores: tornar palpável a grandeza intangível que faz do mineiro de Itabira o maior poeta brasileiro.
“O elefante está faminto de absoluto. Drummond nao quer menos do que o absoluto”, disse Villaça, autor de “Passos de Drummond”. E adiante: “Mario de Andrade, que na minha opinião foi melhor crítico de poesia do que poeta, soube ler primeiro e como ninguém a personalidade de Drummond. Numa carta dos anos 1920, disse: ‘Carlos, você é timidíssimo, sensibilíssimo e inteligentíssimo, coisas que se contrariam com ferocidade’”. Ainda sobre a rica relação de Drummond com o nacionalista Mario, afirmou Villaça: “Drummond não acredita no Brasil. Ele tem duas instâncias: Minas e o cosmo”. E sintetizou a diferença entre Manuel Bandeira e Drummond numa fórmula que lança luz sobre ambos: “Bandeira é o poeta do acolhimento do mundo, Drummond é o poeta da tensão com o mundo”.
Secchin se deteve nas relações de Drummond com João Cabral de Melo Neto, “história complicada, de contornos pouco claros”, que começou com demonstrações de grande amizade, entre elas o fato de Drummond ser padrinho do primeiro casamento do “discípulo”, que lhe dedicou seus dois primeiros livros. Nos anos 1950, por motivos desconhecidos, sobreveio um afastamento que duraria até o fim. “Perguntei sobre isso a João Cabral e ele disse que não houve nada, que a convivência se rarefez por causa de suas viagens. Mas as viagens não o impediram de se manter em contato com Murilo Mendes, por exemplo. O fato é que, por alguma razão, Drummond nunca quis se reconciliar com ele.”
O ponto alto de Secchin, autor de “Memórias de um leitor de poesia”, foi a leitura de um poema de ocasião de sua autoria, o arguto e divertido “Quarteto”, que parodia a estrutura do famoso “Quadrilha”, de Drummond, para falar das relações entre ele, Manuel Bandeira, Mario de Andrade e João Cabral de Melo Neto. “Mario amava Manuel, que amava Carlos, que amava João, que não amava ninguém”, diz o primeiro verso. E o último: “E João se casou com os poetas concretos, que não tinham entrado na história”.
2 Comentários
Ler Drummond, seja poesia, seja prosa, falar de Drummond e ouvir falar de Drummond é um prazer inenarrável… “enche uma vida inteira”…
A palestra foi maravilhosa e emocionou a plateia, com as deliciosas performances de Antonio Carlos Secchin e Alcides Villaça. Vale corrigir o equívoco do Sérgio Rodrigues: “Memórias de um leitor de poesia” é de autoria de Secchin e não de Villaça, como o texto informa. Discordo Também da avaliação sobre a comunicação com o público: os dois autores conseguiram empolgar os presentes e Secchin, em especial, levou o público às lágrimas. Essa mesa deveria ter sido a de abertura, pois foi um momento absolutamente genial e emocionante.
Muito boa mesmo a palestra, Glinis. Obrigado por apontar meu deslize, que essa correria flipesca explica sem justificar. Um abraço.