Leitura recomendável a todos nós, fetichistas do papel, para quem é absurda a idéia – defendida por tantos visigodos eletrônicos – de que o livro como o conhecemos seja menos que eterno, indestrutível, maior que a própria História. O jornalista e escritor argentino Marcelo Figueras escreve em seu blog no site El Boomeran(g) sobre uma relação com os livros que nada tem de rara. Talvez seja mesmo a mais comum das relações possíveis entre seres humanos e livros. Mas não é fácil encontrar quem assuma esse amor bandido:
Cada pessoa se relaciona com o objeto livro de maneiras distintas. Sei de gente que os trata como se cada exemplar fosse um incunábulo: cuidando para que a sobrecapa e a capa não se amarrotem, abrindo-os de tal forma que não fiquem marcas na lombada, negando-se a sublinhar o texto a menos que seja com um delicado traço de lápis… Compreendo esse cuidado, porque expressa amor. Mas é claro que, como na vida, existem muitos tipos de amor. Amo meus livros, mas com um amor bárbaro. Ali estão os coitados, manuseados, gastos, sublinhados com tinta, cheios de papeizinhos que naquele momento serviram como marcadores… Meus livros se parecem bastante com a edição das Histórias de Heródoto que o conde de Almasy levava consigo para todo lado em “O paciente inglês”. Em seu interior sempre encontro adendos que me falam de quem eu era, e qual era minha vida, no momento em que incorporei aquele livro a meu universo.
20 Comentários
Genial! Muitas vzs. anotar, sublinhar ou fazer anotações, nas folhas de um livro, excita. Uma educação rígida, uma disciplina sistemática coíbe esses atos extremados; seria considerado como falta de cuidado. O jeito, é contentar em estar sempre alisando-os. Em tempo, o grande pai-dos-burros está fora, desses afagos excessivos.
Corrigindo: os atos” Seriam considerados”.
Utilizo o Post-it para marcar páginas e fazer anotações. Raramente escrevo nas próprias páginas, mas com freqüência dobro suas pontas.
abrs,
Sou igualzinha ao Marcelo Figueras: faço anotações nas margens, sublinho, colo post-its, deixo papéis soltos dentro das páginas. Não considero que isso seja maltratar, e sim aproveitar. Os livros são uma extensão da minha personalidade, afinal, têm a minha cara e o meu jeito. A propósito do tema, há um texto muito bom no ótimo livro de Anne Fadiman, Ex-Libris, publicado pela Jorge Zahar.
me vejo na primeira leva – e sequer anoto com um “delicado traço de lápis”: livro meu não conhece tinta que não a impressa das próprias letras, nem vincos profundos!
…mas compreendo o valor de alguns “amores” do segundo tipo: pois então a edição comentada d “O Príncipe” do Maquiavel pelo Napoleão não existiria, e seríamos menos felizes de não poder descobrir, mesmo que sutilmente por vezes, todo o gênio do grande militar-político corso, em poucas e reveladoras palavras, grafadas às margens da edição que sempre levou consigo (aos exílios inclusive, e as notações são datadas, onde vemos que algumas são mais “maduras” que outras, etc).
Martina, o Ex-Libris é muito gostoso de ler! Quanto à relação com os livros, também não creio que haja um procedimento certo. Estou obturando um “Psicologia das multidões, de Gustave Le Bon, de 1909, que achei no sebo (numa banca de 1 real!) e trouxe como brinde o usucapião de uma traça. Nesse, não poderei usar nem post-it, pois o papel não aguentaria. Por outro lado, “Mitologias”, do Roland Barthes, anda aguentando meus adendos e recortes de jornal desde os tempos da faculdade. Ele está amarelado e estufado, mas é meu exemplar, que não vendo, não troco, não dou. Mas empresto à beça! Quanto aos dicionários, acredito que devamos ter bastante respeito a ele desde o primeiro dia. Caso contrário, ele acaba antes do lançamento da edição seguinte.
“Obturar” e “usucapião” foram ótimos. Criativa, a Leticia.
Quanto a mim, tenho um apreço reverencial pelos livros. Manuseio com cuidado, porque quero que durem para sempre. Mas não evito de sublinhá-los a lápis. E os post-it são super bem-vindos.
Paulo Lima, é obturar mesmo. Quando faltam pedaços de papel, por rasgos ou por causa das traças, a gente preenche aquele local com papel japonês e com uma cola vegetal. E nem pensar em tentar reproduzir um texto perdido. deixa-se em branco mesmo. Mas a tracinha do Le Bon foi boazinha, ela só comeu nos lugares onde não havia texto. Acho que ela não era chegada numa leitura.
Uma vez ouvi de um amigo que anotações à caneta eram falta de respeito com autor. No caso, falávamos de partituras. De qualquer forma, a idéia ficou de tal forma introjetada, que nunca fiz anotações que não fossem a lápis, mesmo nas famosas xerox da faculdade. Mas livro novo, só quando sai da loja. Livro novo na estante é livro não lido, e isso é o mesmo que pintar lombadas na parede para fingir de biblioteca.
Existem histórias interessantes sobre anotações. Uma delas é sobre a mudança feita por Fernando Gabeira em “O que é isso companheiro” depois de ler a edição que pertencera ao embaixador americano Charles Burke Elbrick. Ele encontrou vários pontos de interrogação na página em que classificava a pancada dada na cabeça do embaixador no momento do seqüestro como “pequeno golpe”. Na edição revisada ele mudou a expressão para “forte golpe”, e explicou em nota: Quem leva a pancada sabe mais.
O Brasil vai melhorar um dia? Vai.
Mas para isso acontecer, a primeira coisa é acabarmos com o voto obrigatório. Ai melhoramos a qualidade dos políticos que nos governam.
Se alguém quiser formar um movimento começando aqui pelo Rio, RJ, já somos 2.
henri@rio.com.br
Irresistível a citação:
“Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ? o que é muito pior ? por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.”
(Caetano Veloso, Livro)
Amar os livros?, confesso que tenho uma relação profunda e perene. Não acho que se deve amá-los da forma como se ama sexual ou assexuadamente. O livro é algo de fetiche que enfeitiça, é a casa do ser, diria Heidegger, é o imbroglio da palavra…
Ama-se o verbo contido no livro não como um somatório de palavras, não como ferramenta de signos, não como tecnologia da linguagem, mas como a essência não adjetivada do amor.
José Aparecido Fiori – Curitiba/PR
fiori@gogo.com.br
Não anoto nada nem rabisco nada em livro de prosa. Não só porque literatura para mim tem que ser uma coisa fluida, mas porque sei que não terei tempo para rever cada parágrafo ou trecho genial daquela obra. Lógico, é uma coisa pessoal, e entendo quem rabisca ou faz anotações. Mas se eu o fizesse, seria um mau sinal, pois o espaço dentro do livro é o império do autor, que respeito.
Também parto do princípio que capturarei o mais importante do autor naquela obra, e levarei comigo, inconscientemente ou conscientemente o que há de mais belo nela. Para mim reside aí o poder da prosa.
Já com poesia, é diferente e posso reler um poema várias vezes e em épocas diferentes.
Meu velho professor Eduardo Frieiro, que escreveu uma obra intitulada “Os Livros Nossos Amigos” e outra “O Diabo na Livraria do Cônego”, e que fundou a Biblioteca Pública de Minas Gerais, não emprestava livros a ninguém. Mas deixava que os alunos fossem à sua casa e lessem o que quisessem. Curioso: muitos de seus livros eram anotados mas, naqueles tempos em que não existia o “post-it”, o professor Frieiro colava um pedaço de papel de seda na página que queria anotar e aí escrevia o que queria.
Cara Leticia. Minha relação com o dicionário é diferente mas não é desrespeito; é relação de confiança e amizade singular. Ele me deixa à vontade e não se aborrece com meus constantes assédios, dos viras-viras atrás de s,z,c,ss,x e tais, que sempre me fazem desconfiar…e tb. não se importa que eu o chame de pai-dos-burros. È puro coleguismo. Aprendí assim, ainda pequena.
Lembrei-me da existência de uma relação antiga, esquecida igualável: “História da Educação” de Maria Lúcia de A. Aranha.
Gostei do seu livro amarelo e estufado.
Felicidades!
Sonho bom, o meu cuidado com os dicionários é única e exclusivamente por causa de aspectos de encadernação. Tá certo que, pelo tamanho e peso que eles têm, milagre não existe. Mas que eles poderiam ter um reforço na lombada, ah, isso podiam! E tento cuidar para que eles não fiquem com as folhas, com aquele papel-bíblia, dobradas. Isso me irrita profundamente, embora eu reconheça que seja apenas uma idiossincrasia minha.
Quando compro um livro, novo ou usado, e não gosto da capa, faço uma nova. Por exemplo, comprei O livro de Douglas McMurtrie com uma capa vermelha da Calouste Gulbenkian e coloquei uma feita de pergaminho. Na guarda usei um papel branco, maravilhoso, especial para desenhos. Cada um com suas pequenas manias…
Como dizia um velho professor: “Livro é para ser estrupado!”. Ou seja, lido, relido, arregaçado. Enfim, usado mesmo. Só assim ele torna seu real valor, como diria o Rosa.
Por isso, logo que compro tasco um carimbo com meu nome (pois quando eu morrer e a família – já vi muito esta situação – quiser se desfazer da minha pobre “biblioteca” no sebo mais próximo vair perder muito), depois o local, data da leitura e tome caneta -destaca -texto e bic.
Na nova leitura, novamente local e data e canteta (de cor diferente) e a bic. Assim, descubro roteiros/destinos que tinham passados despercebidos na primeira leitura. Agora, quanto a emprestar tenho uma solução: compro um exemplar e presenteio o amigo, que não sou bobo.
Emprestar é algo serííssimo! Depois de muito usar o impulso, e ter me arrependido, hoje só empresto pra pessoas cujo comportamento observei durante, pelo menos, uns seis meses.
Livro de estudo se anota. Literatura não. Por mais que eu tenha o que dizer acerca do poema das sete faces, seria uma heresia colocar minhas palavras ao lado da perfeição absoluta de um Drummond.
Aí, prefiro usar um caderninho, ou mesmo uma folha solta enfiada dentro do livro. Post-it não. Morro de medo que a cola vire graxa como aconteceu com alguns livros que, na infância, tive a infeliz idéis de consertar com fita durex.