Não há razão alguma para pensarmos que a leitura e a escrita estão à beira da extinção, mas alguns sociólogos especulam que ler livros por prazer será um dia o território de uma “classe leitora” especial, em grande medida como ocorria antes do advento do letramento em massa, na segunda metade do século XIX. Mas, eles advertem, a leitura provavelmente não mais recuperará o prestígio que vinha com a exclusividade; poderá acabar se tornando “um passatempo cada vez mais esotérico”.
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Numa visão mais ampla, não é o abandono da leitura que precisa ser explicado, e sim o fato de que sejamos sequer capazes de ler. “O ato de ler não é natural”, Maryanne Wolf escreve em “Proust and the Squid” [“Proust e a Lula”, atenção para o artigo feminino], um relato sobre a história e a biologia da leitura.
Amantes da leitura que tenham problemas cardíacos ou qualquer tipo de hipersensibilidade nervosa devem evitar este artigo (em inglês, acesso gratuito) de Caleb Crain na revista “New Yorker”, a propósito de um livro sobre a história da leitura. Não pela platitude de que “o ato de ler não é natural” (o mesmo pode ser dito de escovar os dentes, usar roupas de baixo, jogar futebol, trocar presentes de Natal etc.), mas pelas evidências acachapantes de decadência da leitura que, década após década, vêm sendo registradas em diversos países. Tudo indica que o mundo que Marçal Aquino vive antevendo, aquele em que os leitores de ficção formarão uma seita, chegará cedo ou tarde. Provavelmente cedo.
O lado bom? Bem, é a primeira vez na história da leitura que o Brasil está na vanguarda de algum processo: o passatempo, aqui, já é esotérico faz tempo; talvez sempre tenha sido.
Para um ponto de vista diferente, vale dar uma conferida no discurso de Doris Lessing na cerimônia do Nobel (disponível em inglês, francês, alemão e sueco). A escritora contrasta o apetite cada vez maior por livros em certos países africanos com o abandono da leitura pelas sociedades afluentes ocidentais, culpando a internet e chegando perto de transformar a “decadência da leitura” em sinônimo de “decadência” pura e simples.
30 Comentários
“O lado bom? Bem, é a primeira vez na história da leitura que o Brasil está na vanguarda de algum processo: o passatempo, aqui, já é esotérico faz tempo; talvez sempre tenha sido.”
Pontual, brilhante e irretorquível.
Será que a velhinha da Doris sabe o que é um mouse?
Claro que sabe! Ela, como toda boa anglófila, sabe muitíssimo bem que mouse é aquele mamífero roedor cujo principal passatempo é fazer com que as donas-de-casa fiquem de pé sobre as cadeiras gritando desesperadamente por socorro.
O preço dos livros e a falência do sistema educacional – fulminado por uma estranha pedagogia do vestibular, seguramente contribuem com essa nossa vanguarda vergonhosa.
Valeu, Tibor. Mas menos, menos. A propósito, parabéns pelo prêmio. Sem conhecer os concorrentes, achei justo, o conto é bom mesmo. Abraço.
Sérgio,
esotérico, exótico, extravagante, elitista, etc…
Já ouvi isso de muita gente apenas porque gosto de ler…
ótimo post.
Abraços.
A literatura é um capricho… Coisa de gente mimada e excêntrica.
Mas é claro que não é natural. Naturais são as coisas que nos aproximam dos macacos: comer, reproduzir, essas coisas básicas do instinto de sobrevivência.
Brigadão, Sérgio!
O hábito da boa leitura (ficção ou não-ficção) nos leva a escrever bem e a falar corretamente. Os jovens de hoje dão crédito a uma linguagem pobre e imbecil que se disseminou na internet por meio dos chats e blogs e viram as costas para os efeitos funestos desse novo hábito. Ora, digam-me aqueles que colaboram frequentemente com comentários nesta página que o hábito da leitura (boa leitura, insisto) não é o grande responsável pelo domínio da norma culta e pela ampliação do vocabulário?
Sem entrar no mérito sobre o proveito que se possa tirar desse ou daquele livro, o fato é que a leitura favorece o aprendizado da língua. Ela nos põe em contato com termos e palavras desconhecidas, exige-nos o raciocínio, estimula-nos a imaginação, aprimora-nos o discurso…
Eu gosto de ler ficção e poesia. Mas reconheço que há outras infinitas formas de tomar contato com a imaginação, de estimular o raciocínio, de exercitar a fantasia… E não vejo mal nenhum em quem não se dê com a leitura de literatura.
Com todo respeito aos que se identificam mais com os macacos e se assombram com a capacidade do homem de se debruçar sobre um livro e decifrar um código que lhes parece incompreensível, parece-me que ler é ato tão natural como falar. Um interfere no outro e vice-versa. Bem, cada um resolve o caminho que irá trilhar. Para meus filhos, prego o hábito da leitura e dos estudos. Quanto aos macacos, podemos nos aproximar deles vez ou outra, basta um passeio no jardim zoológico.
Ler não é natural.
Ir ao cinema não é natural.
Ir ao teatro não é natural.
(Passar o dia na Internet, vendo TV e jogando Wii são??)
E o buraco cada vez chega mais perto.
Abss!
Ler não é natural, é sobrenatural!
É impressão minha ou o Sérgio elogiou o Tibor?
Gentem, tô beeeeege!
(imitando o Mundinho Gay. Rsrsrs)
Estou com Oscar Wilde: a arte pela arte.
Estou com Clarice: Literatura não adianta pra nada.
Sempre achei isso. Literatura não tem que cumprir porra de papel social nenhum, pra isso existem as assistentes sociais. Não precisa cumprir papel político nenhum, pra isso – ai! – existem os políticos. E por aí vai. Literatura é gozo, citando Barthes (no original, que o bobo do tradutor brasileiro resolveu traduzir “jouissance” (gozo) por “fruição”. Pudico da Silva Sauro!).
Literatura é brincadeira, é jogo, somos homo ludens. Tem gente que gosta de brincar colecionando carros; outros, perfumes; outros, cheirando cocaína; e outros, ainda, escrevendo e lendo livros. É tão simples.
E que venham as pedradas, porque sou discípulo de Mercer!
(Dou um prêmio pro primeiro que descobrir a origem da referência a Mercer)
P. K. D., Saint.
BCK
Um mouse a gente aprende a usar em meio minuto. Já escrever livros…
Ué, Sírio, quer dizer que só porque ela escreveu livros ela sabe tudo? Porque dizer que a internet é responsável pela decadência da leitura é realmente um comentário de vovózinha que não sabe o que sabe direito o que é essa tal de interwebs.
Falar daquilo que não entende qualquer um faz.
Ler é simplesmente o máximo. Fruição (ou gozo), prazer, alargamento do vocabulário, exercício mental, estímulo à imaginação, tudo isso e mais umas vantagens práticas: ajuda a passar mais rápida a espera no consultório, suaviza a volta pra casa no ônibus/metrô, além de inibir o papo com aquele provável chato ao lado.
Só tem vantagens. Se muita gente está perdendo o hábito, se muitos nem o adquiriram, sinceramente, meus pêsames. Não tenho como confortar ou indicar um substituto decente.
Ler sem ter uma pergunta enrecada ao autor e ao texto, pode ser exoterico. Ler fazendo perguntas do tipo… do que esse enganador que escreve tenta me convencer (?), pode ser esoterico. Essa eh uma pergunta que faco sempre, seja a bula do remedio, ao tratado filosofico, ao documento burocratico, um discurso de Nobel, e a mim mesmo quando quero enganar alguem!
“Ler sem ter uma pergunta endereçada ao…”, desculpem.
Primeiro, parabéns pelo blog, que conheci hoje.
Não duvido nada que os leitores de literatura acabem se tornando uma seita. Mas que seita interessante!
Como não lembrar de “Fahrenheit 451”? Sem o elemento de coerção estatal, espero.
Nem sempre ler é um prazer, é o que costumo dizer aos iniciantes. É como escalar uma montanha: Você vai se cansar, ralar os dedos, ficar com o cotovelo dolorido. Mas a sensação de chegar no topo é inesquecível, e o mundo parece maior, mais belo e mais profundo visto lá de cima.
caro camarada gostaria imenso que nos agradasse com a sua muito ilustre presença no forum estado da literatura moderna a realizar-se no proximo dia 26 de Junho no parque da tecmaia. Qualquer informação extra por favor contacte jospires@gmail.com
Os mais sinceros cumprimentos,
GGnesh
Verdade! O mundo parece que prepara tudo para que haja leitores e ao mesmo tempo prepara “autores” de livros (?)exotéricos para explicar às avessas este mundo doido… e muitos vão por estas leituras… cada vez mais se prendendo ao nada e sendo iscas do “desassunto.. .”
Leitura tem que ser para nos libertar. E se quisermos entender tudo o que está ao nosso redor e não sermos presas de vãs leituras, leiamos a Bíblia, sem preconceito. Pois este é “O Livro” dos livros.
Eu omiti o “nâo”. Por favor, a frase correta é:
” O mundo parece que prepara tudo para que haja “não” leitores…”
Perdão!