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Fechando o desfile: mais cinco histórias de carnaval

14/02/2015

Desfile do Simpatia É Quase Amor, semana passada, no Rio (Daniel Ramalho/VEJA.com)

Desfile do Simpatia É Quase Amor, semana passada, no Rio (Daniel Ramalho/VEJA.com)

Sábado passado publiquei aqui a Antologia online de carnaval: edição revista e ampliada, com oito contos brasileiros de tema carnavalesco. Nunca tive a pretensão de esgotar o assunto com aquelas sugestões de leitura, evidentemente. Mesmo assim, a resposta de leitores e amigos, tanto na caixa de comentários quanto em contatos pessoais, me convenceu de que o desfile não ficaria completo sem uma última ala.

Os cinco contos abaixo abrangem um arco histórico ainda mais amplo, de Machado de Assis a um recentíssimo Sérgio Sant’Anna, e por isso vão organizados em ordem cronológica. É curioso observar como, no geral, eles desenham um quadro carnavalesco bem menos sinistro, mais chegado à alegria, do que o conjunto de histórias da semana passada.

Um dia de entrudo não está entre os melhores contos do autor, mas Machado é Machado e desfilaria até de casaca e pincenê. Lima Barreto comparece com um conto leve e divertido, parente da crônica, o que o aproxima da história agridoce de Luis Fernando Verissimo.

Rubem Fonseca, que havia perdido a vaga na última antologia por ter tido seu conto Fevereiro ou março retirado da internet, volta à avenida com uma história do início de sua carreira. E Sérgio Sant’Anna, com o conto que dá título a seu livro mais recente, “O homem-mulher”, cumpre a saudável missão de nos lembrar, depois de tantas histórias em que a excitação sexual dos foliões bate na trave, que às vezes é fundamental entrar com bola e tudo.
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1. Machado de Assis:

“Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas dágua, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores. Dois dias antes de chegar o entrudo já a família de D. Angélica Sanches estava entregue aos profundos trabalhos de fabricar limões de cheiro. Era de ver como as moças, as mucamas, os rapazes e os moleques, sentados à volta de uma grande mesa compunham as laranjas e limões que deviam no domingo próximo molhar o paciente transeunte ou confiado amigo da casa.” Um dia de entrudo.

2. Lima Barreto:

“Conhecia aquela zona e, a fim de poupar níqueis, desprezei o bonde e fui a pé. Passava eu por uma rua tranversal à Imperial, quando fui abordado por três ou quatro tipos fardados, do mais curioso aspecto. Eram de diversas cores, formando uma escolta, cujo comandante, um cabo, era um preto. E que preto engraçado! Desengonçado, pernas compridas e arqueadas, pés espalhados – era mesmo um macaco. A farda, blusa e calça, estava toda pingada; o cinturão subira-lhe até quase ao peito…” O meu carnaval.

3. Rubem Fonseca:

“Saímos do baile e, como era verão, o sol iluminava todo mundo. Todos estavam feios, suados, sujos. Aparecia em certas caras a burla do lábio fino engrossado pelo batom; peitos postiços saíam da posição; sapatos altos quebravam o salto e algumas mulheres viravam anãs de repente; sovacos fediam; dedos dos pés e calcanhares surgiam calosos e imundos. Só a minha amiga continuava bonita e fresca, como se fosse uma rosa. E de máscara.” Teoria do consumo conspícuo.

4. Luis Fernando Verissimo:

“Passou todo o baile encostado numa coluna adornada, bebendo o guaraná clandestino do Marcelão, vendo ela passar abraçada com uma sucessão de primos e amigos de primos, principalmente um halterofilista, certamente burro, talvez até criminoso, que reduzira sua fantasia a um par de calças curtas de couro. Pensou em dizer alguma coisa, mas só o que lhe ocorreu dizer foi “pelo menos o meu tirolês era autêntico” e desistiu. Mas, quando a banda começou a tocar Bandeira branca e ele se dirigiu para a saída, tonto e amargurado, sentiu que alguém o pegava pela mão, virou-se e era ela. Era ela, meu Deus, puxando-o para o salão.” Conto de verão no 2: Bandeira branca.

5. Sérgio Sant’Anna:

“Ofegavam, e a garota, safadinha, pegou a mão direita dele e encostou no seio esquerdo dela. “Olha como o meu coração está batendo.” Adamastor aproveitou a deixa e abriu dois botões na blusa da fantasia dela, afastou o sutiã e lançou ali um jato de éter. Ela se contraiu toda e disse: “Que geladinho”, mas ele já estava aspirando entre os seios de Dalva e depois chupou um dos mamilos dela. Com o éter, Adamastor sentiu um zunido nos ouvidos, e o mundo era aquela alucinação cheia de túmulos, estátuas e cruzes, tudo muito nítido e com sombras, porque era noite de lua cheia, e aquela garota vivinha da silva.” O homem-mulher.

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