Atendendo a pedidos: literatura, por favor.
(Claro, o título é uma tradução mais ou menos livre de open thread. É que, na terra do Ancelmo Góis, open thread de Hello Kitty é… Bom, agora fui mesmo.)
Atendendo a pedidos: literatura, por favor.
(Claro, o título é uma tradução mais ou menos livre de open thread. É que, na terra do Ancelmo Góis, open thread de Hello Kitty é… Bom, agora fui mesmo.)
157 Comentários
“Tu te tornas responsável por aquilo que cativas”. Pois é, sugestão aceita lembrei da frase de Exupéry, dos meus tempos de grupo de jovens.
Rafael, você também, cara, tá compromissado. Vamos em frente nem que seja pra descobrir qual é a terra de Ancelmo Góes.
Alguns comentários aleatórios:
-Antonio Candido foi, é e sempre será uma leitura chatíssima;
-De Anchieta a Euclides é o livro mais interessante sobre a literatura brasileira;
–
completando:
-no Brasil, a ignorância reinante nos meios acadêmicos e jornalísticos faz com que ninguém leia autores de nomes complicados; por isso ninguém fala de Northrop Frye e sim dessa piada ambulante Harold Bloom, e preferem ignorar Thomas Pynchon em prol de Agualusas, Saramagos e outros escritores menores; e
-a republicação das obras de Monteiro Lobato pela Globo é a melhor notícia do mercado editorial desde que “Magma”, a muito custo, saiu da gaveta.
Na verdade os meios acadêmicos estão tão sujeitos a modismos quanto qualquer outro. Tem autores que “pegam” e os que “não pegam”. às vêzes o sujeito é um ilustre desconhecido por aqui mas como uma ou outra sumidade diz que tá lendo, o resto da intelectualha vai atrás.
O autor pode ser um b…, mas se dois ou três intelectuais profissionais dizem que lêm (jabá de editora, com certeza) os intelectuais de fachada lêm as orelhas dos livros ou a sinopse na internet e saem por aí, concordando com os profissionais, só para passarem a impressão de que são tão inteligentes quanto.
Intelectual é apenas outra tribo urbana como tantas outras e fazem a alegria de autores que não conseguem escrever algo interessante, divertido e simples.
Engraçado, os sujeitos acima (ou abaixo, sei lá a ordem) que desancam os pseudo-intelectuais que tentam formar a opinião dos leitores estão, com isso, formando uma opinião. Deixem a galera ler o que quiser. Abaixo as verdades absolutas. Literatura é melhor lendo do que falando. E deixa eu voltar pro meu livro.
Vamos atiçar o fogo!
O Antônio Cândido é mesmo chato para dedéu. Sua obra sobre a formação da literatura brasileira é interessante pelo material historiográfico que reúne; mas seus ensaios, gênero em que é comumente louvado, são maçantes, aborrecidíssimos. Falta-lhe um bem precioso: o entusiasmo, a vivacidade do estilo, a veia que se corporificam na ironia desassombrada e na maledicência sutil. Confesso que a coisa que mais me repugna em Antônio Cândido é o excesso de bom-mocismo literário; no interior, onde cresci, ele seria o genro ideal com que todo pai sonha: educado, fino, pudoroso, incapaz de uma ousadia que ofendesse a mais banal regra de etiqueta. Todos os pais interioranos, com aquela sabedoria que o ócio provinciano propicia, sabem que um moço assim tão recatado e comedido jamais se aventuraria a bolinar a filha (a iniciativa caberia a ela, óbvio, coisa que o papai ingenuamente imagina ser impossível de ocorrer).
Não foi à toa que Oswald de Andrade (escritor menor, porém polemista e panfletário primoroso) apelidara os integrantes do grupo a que pertencia Antônio Cândido de chato-boys.
O triste é saber que a crítica literária iniciara no país com o impiedoso e divertidíssimo Silvio Romero. Outro saudoso crítico foi Agripino Grieco, de quem poucos ouviram falar, um sujeito raivoso que não perdoava nenhuma reputação.
Antônio Cândido representa, para mim, uma síntese dos vícios da academização da crítica literária. Os livros, campo onde se dá a guerra das idéias, despertam ardentes paixões. Nenhuma leitura será rica for integralmente isenta de emoção. O estilo acadêmico representa uma tentativa de explicar a literatura sem o concurso da paixão: o livro é dissecado com abundância de notas de rodapé, tudo é explicado segundo teorias literárias e chega-se assim a um juízo matemático sobre o valor da obra.
Graciliano Ramos, quando não gostava de um conto que algum estreante lhe apresentava, rasgava-o diante do infeliz. O acadêmico, no entanto, só apresentará reservas ao novato após uma longa e interminável explanação sobre a inutilidade do romance no mundo pós-alguma-coisa.
Os acadêmicos são os intelectuais profissionais de que fala Brancaleone. Além de chatos, têm um cérebro cujos neurônios, por causa de alguma anomalia congênita ainda não revelada pela ciência, são incapazes de executar certas sinapses que lhes permitiram formar um juízo próprio. Daí essa necessidade fisiológica de copiar idéias e conceitos, de buscar notas de rodapé, de ler os autores obrigatórios, de seguir as modas acadêmicas. Para eles, a independência de espírito é uma impossibilidade biológica, coitados.
Alvíssaras, Bemveja! A publicação da obra completa de Monteiro Lobato é mesmo a melhor notícia do mercado editorial. Tenho em casa uma edição antiga das suas obras completas e asseguro que, toda vez que leio os artigos de Monteiro Lobato, acomete-me uma irreprimível vontade de gargalhar.
Esse raciocínio do Xandão até que faria sentido não fosse por dois fatos:
-a formação do público leitor não é espontânea, e no Brasil atinge paroxismos não apenas de modismos, mas de parcialidade e doutrinação ideológica; o prof. universitário impõe a seus alunos uma dieta rica de Antonio Candido, Roberto Schwarz e outras malas literárias mas escassa de visões alternativas mais importantes; na imprensa, a mesma coisa, então é importante contestar um pouco as escolhas anêmicas que se fazem no Brasil; e
-literatura leva o leitor a um exercício de intelecção; quem lê e não tem opinião não leu. E quem lê e gosta de tudo (fenômeno tb muito comum no Brasil) não passa de um garoto-propaganda do mercado e dos grupinhos de autores, e se enquadra na definição do Oscar Wilde: a única pessoa que gosta de todo tipo de arte é o leiloeiro.
Xantão,
Ninguém está desancando o esforço, que é legítimo, de influenciar a opinião alheia. Onde você leu isso, meu caro? O Brancaleone, o único que até então havia falado sobre os “psedo-intelectuais”, estava comentando a mania desses indivíduos de seguir modismos. Quem segue modismos não tem opinião própria, toma emprestado a alheia. Pseudo-intelectuais não formam a opinião alheia porque não a têm: eles apenas servem de meio de divulgação de opiniões de terceiros.
Outra coisa: a aquisição de cultura, no sentido mais elevado da palavra, é um empreendimento que exige seriedade, estudo e reflexão. Não basta sair por aí lendo qualquer coisa, ainda que seja indicação de algum pistolão da universidade. É necessário educar o gosto, separar o que presta do que não presta e sobretudo meditar sobre aquilo que se lê. Mais ainda, é necessário amoldar o espírito de acordo com o aprendizado, ou seja, é preciso interiorizar os ensinamentos colhidos na literatura, na história, na ética, na filosofia. A educação do espírito exige aplicação constante e perene.
Portanto, não me venha com essa história de que “a literatura é melhor lendo do que falando”. É claro que a literatura não existe sem a leitura, axioma que não requer demonstração. No entanto, a literatura não se esgota na leitura, pois ela se enriquece sobremaneira com a troca de impressões e de idéias. O diálogo travado entre escritores é uma constante na história da literatura; e não há grande autor que não tenha sido influenciado pelo intercâmbio de idéias com seus pares.
Dou-lhe, de brinde, um conselho: não caia na tolice de imaginar-se superior às demais criaturas apenas porque está lendo um livro. Acredito que todos os que freqüentam esse espaço são leitores contumazes de livros, uma característica que não é monopolizada por você. Não pense que você angariará respeito porque está voltando ao seu livro. Ao dizer isso em tom de enfatuamento, você está se mostrando um cultivador das aparências, uma pessoa que se acredita melhor que todos porque tem diante de si um calhamaço de papéis impregnado de tinta. Emende-se, homem.
Xântico. adj. (1874 cf. DV) 1 relativo à cor amarela 2 tirante a amarelo; amarelado, amarelento ¤ etim xant(o)- + –ico; f.hist. 1874 xanthico
Tá vendo? Todo cara que fala de literatura deveria perder menos tempo com essa empalação de literato. Rafael, isso é chato, como é chato o papo do cinéfilo e o papo de quem gosta de astrologia. Todos nós que lemos mais do que o Pequeno Príncipe sabemos que o livro tem uma interpretação pessoal, pessoalíssima. Ficar cagando regra é que é ser cultivador de aparências. Eu quero mesmo é que os bons escritores escrevam, os médios escritores escrevam e os escritores merdas escrevam. Deixem o povo ler o que quiser. “Sabrina” neles. “Paulo Coelho” neles. “Oscar Wilde” neles, e viva a diferença.
Xandanga. s.f. B tab. genitália feminina; vulva ¤ etim orig.obsc.
Pesando as críticas acima feitas aos críticos e a defesa do Xandão à não-crítica, queria saber de vocês a definição do bom livro.
O que é o bom livro segundo os critérios dos colegas deste blog semi-defunto, é a boa trama, os bons personagens, estilo, profundidade, entrelinhas, o que diferencia o “livro que eu gosto” da “porcaria de livro”.
Admito que sou leigo, mas tentarei não escapar das definições acadêmicas tanto quanto das pessoais.
Rafael, o Bertrand Russell tinha uma teoria de que o estilo do textos filosóficos começou a ficar árido e tedioso a partir do Leibniz, que influenciou o estilo de Wolff, Kant et al; eu acho que, com relação ao pensamento brasileiro, o Florestan Fernandes exerceu esse papel funesto, e contaminou de marxismo e chatice vastas áreas do conhecimento.
Figuras do tipo Antonio Candido e Caio Prado Jr. serviram de cúmplices dessa decadência estilística. O estilo do AC é o que, em inglês, chama-se retentive, é aquela pompa minuciosa, desapaixonada e viciada em comparativismos, processos sociais etc etc.
Esse ano completam-se 50 anos do lançamento da Formação da Literatura Brasileira, e está na hora de se rever esse pedestal ultrapassado em que o AC se encontra aboletado. Aliás, é bom que se diga que esses chatoboys todos têm leituras bem mais limitadas do que se imagina; o problema é que eles cercearam o cânone, e fizeram os incautos acreditar que não havia nada além do que eles arbitrariamente selecionaram para ditar o juízo literário. O resultado, hoje, são maus críticos, ideólogos disfarçados de intelectuais e um deserto de criatividade crítica e literária.
sooooooooonnnnnnnnnooooooooooooo(!)
Segundo recentes descobertas científicas, publicadas nos mais renomados periódicos, a sensação de sono é uma resposta orgânica comum numa parcela significativa da população. Adler e Anderson, em estudo publicado na revista Nature (2003), demonstraram que essa resposta é desencadeada toda vez que esses indivíduos fazem o uso simultâneo de mais de dez neurônios.
Nada contra a crítica aos críticos e à análise acadêmica (intelectual) dos livros. Isso faz parte do mundo da literatura, que pode ser apreciada em seu todo ou nas partes que mais interessam ao indivíduo leitor.
Sim, a literatura é melhor apreciada à capela, ainda que o ônibus ou o metrô estejam apinhados. Existe o compartilhamento do prazer em ler, não na percepção e decifração do texto, obrigatoriamente. Cada qual no seu cada qual.
“Alvíssaras, Bemveja! A publicação da obra completa de Monteiro Lobato é mesmo a melhor notícia do mercado editorial.” [2]
‘O Presidente Negro’. A quem ainda não leu, recomendo esse livraço quando sair a nova edição. Era um tanto difícil encontrá-lo.
Mas, descendo ao terra-à-terra, continua uma tristeza o cenário literário brasileiro. Pequenas tiragens = livros caros, livros caros = pequenas tiragens?
Poucas bibliotecas, pouco incenvtivo à leitura. Um exemplo caseiro: minha filha nunca me pediu um segundo livro de um autor indicado pela escola, ou seja, a escola dela não faz um bom trabalho de chamar a atenção para a literatura. Aí, eu me viro.
Falei aí em cima de ler-se nos ônibus. Em termos. Aqui em Salvador é difícil ver alguém lendo qualquer coisa nos ônibus, livro então.
Uma pergunta: continua sendo verdade que Buenos Aires tem mais livrarias do que o Brasil inteiro?
Ésquilo, o bom livro é o que honra a inteligência do leitor. P/mim o elemento narrativo é tão importante quanto o exercício de linguagem, ou seja, a narrativa faz diferença. Eu detesto Beckett, nouveau roman, João Gilberto Noll e esses historiadores do vazio que existem por aí.
Anrafel: não sei se a cidade de Buenos Aires continua a ter mais livrarias que o Brasil inteiro; sei, porém, que as livrarias aqui de São Paulo estão a cada dia que passa diversificando mais e mais o catálogo e hoje dispõem de variadas ofertas de CDs, IPods, microcomputadores, DVDs, TVs de plasma e LCD, fornos de microondas, celulares, MP3 players, relógios, máquinas fotográficas digitais, aparelhos de GPS.
Silvio… Silvia: o “Presidente Negro” é uma excelente dica a que dou meu endosso. Os politicamente corretos se escandalizarão com a leitura dessa obra: tal reação é o melhor cartão de visitas que existe.
Bemveja: salvo engano, o Antônio Cândido começou a publicar livros antes do Florestan Fernandes. Verdade é que os dois foram colegas na recém-criada USP, mas não me parece cronologicamente sustentável que o segundo tenha influenciado o estilo de escrever do primeiro. De qualquer forma, Florestan Fernandes é um dos pioneiros no academicismo que tanto tem empobrecido as discussões públicas.
“P/mim o elemento narrativo é tão importante quanto o exercício de linguagem, ou seja, a narrativa faz diferença.”
Concordo, Bemveja. Já escrevi sobre isso: http://gymnopedies.blogspot.com/2007/08/por-uma-literatura-de-sangue-suor.html
Rafael, sem dúvida, são contemporâneos, daí “cúmplices” conforme afirmei acima.
FF é ainda mais chato que AC, e foi uma influência mais alastrada na academia; Antonio Candido só se lê em faculdade de letras, Florestan Fernandes assombra todo e qualquer aluno de humanidades que tenha de fazer alguma matéria de introdução à sociologia, cultura brasileira ou algo que o valha.
Além disso, a pretensão “instrumental” das idéias esquerdistas de FF faz com que os métodos e as idiossincrasias sociais em que ele insistia acabassem absorvidas, com efeitos patéticos e entediantes, em diversas áreas do conhecimento no Brasil. Tem muito documentarista e cineasta por aí, p. ex., que nada mais faz do que transpor a visão distorcida do FF para as telas– pode prestar atenção, alguns deles lançaram filmes esse ano inclusive, mas felizmente pouquíssima gente viu.
O experimentalismo não senão uma repetição do beletrismo que vicejou no início do século XX: Coelho Neto, exemplo eminente daquela escola, é mutatis mutandis o precussor do tão festejado Raduan Nassar, que muitos têm como autor originalíssimo.
Jonas, embora eu defenda Finnegans Wake com veemência (JG Merquior e o próprio Borges não gostavam), achei seu texto excelente e concordo integralmente com sua visão sobre a necessidade da ficção na vida humana, hoje mais do que nunca.
Pena que essa necessidade atávica de uma mitologia e sobretudo de uma teleologia (algo que confira sentido a nossas finalidades humanas), seja suprida, atualmente, por Harry Potter, telenovelas, Zibia Gasparetto, Paulo Coelho e semelhantes.
1) Northrop Frye é o melhor crítico literário
2) Antônio Cândido é o pior crítico literário
3) O fato de Antönio Cândido ter conseguido se firmar como a pedra angular dos cursos de letras é uma das ilustrações mais vivas do que Yeats devia estar pensando quando escreveu que “the worst are full of passionate intensity”.
4) O elemento narrativo é absolutamente importante e sua completa falta em “Conhecimento do Inferno” de António Lobo Antunes me fez largá-lo na metade. Mas pode entrever-se em Lobo Antunes um talento enorme no meneio da linguagem figurada, é só achar um enredo interessante, coisa que vou procurar em “Os Cús de Judas”, supostamente sua obra-prima;
4) Mas há também em Lobo Antunes um excesso no uso de símiles que me deixou angustiado porque é um excesso absolutamente neurótico, é de dar nos nervos porque você se pega a cada frase lida na expectativa de encontrar mais um “isto é desse jeito COMO aquilo é daquele jeito”, a palavra COMO aparece a cada 20 palavras, é terrível.
Não sei quem disse que Os Cus de Judas é a obra-prima do Lobo Antunes. Deve ter sido a Objetiva ao lançar aqui esse livro antes dos outros. “Manual dos Inquisidores” é infinitamente superior.
Vamos falar bem, elogiar, sorrir, admirar, sonhar, construir, amar e viver com saúde um pouquinho? Só um pouquinho, vai…
Antonio Cândido e Florestan Fernandes estão sendo vergastados. Não vai sobrar nada para Alfredo Bosi, Wilson Martins, etc?
Harold Bloom, que também já recebeu a sua lambada, considera “Finnegans Wake” impenetrável. Fica com “Ulysses”, assim como Borges.
Como ler esses dois, e outros tantos, em tradução? Impossível. É o caso típico de leitura do tradutor, suas soluções, o confronto das suas idiossincrasias com as do autor.
Xandão, estás presente em “Minha Gente”, de Guimarães Rosa. Aquela da gruta do Maquiné, “onde a beleza reside”.
EU tenho um tema impertinente, Jatobá: lendo o Estadão cruzei com uma resenha sua e vi que o Jatobá de lá era o daqui. E vi que você escreve muito mal. Muito mal mesmo, Jatobá. Depois fui no Portal Literal e tinha texto seu sobre Faulkner, putz como você escreve mal nessa coluna! Veja isso: “Faulkner é um romancista do século XIX com uma sensibilidade modernista, um artista que evolui tecnicamente quase todos os processos que o precedeu”. Que isso!
Ou então isso: “Nesse ponto, apesar do ar sério que elas possuem, há algo de extremamente juvenil e superficial em toda vanguarda – ela é dada mais há grupos que poéticas singulares”. Ela é dada há grupos? Que isso!
Veja essa: “e na ebulição de valores que provoca acaba por estabilizar não a raríssima proposta artística mais original dentro do movimento, mas sim institucionaliza o artista geralmente mais hábil no manejo político que expressivo”. Acaba por estabilizar não a proposta mas sim institucionaliza!? Que m*rda de construção!
Desculpe Jatobá se fui muito incisivo, mas você precisa melhorar essa sua algaravia! POr favor!
Paulo (Outro Paulo), obrigado pela crítica. Vou dar uma olhada para ver se está confuso mesmo, e grato por me chamar a atenção. Quero escrever amanhã melhor que ontem, e depois de amanhã melhor que amanhã, então qualquer comentário é de bom grado e bem-vindo.
insônia.
outro paulo, jatobá é muito jovem, inda tem tempo. mas não deixa de ser curioso que faulkner lhe seja a referência constante, por ex., ao tratar de lobo antunes. talvez para que o termo de comparação alavanque o comparado? (brincadeirinha, gosto dos dois, mas não são siameses, né, jatobá?)
creio mesmo no grande valor de antonio candido pela organização dos estudos literários (um dos que no br.), mas é de dar na gota, qquer professor, sobre qquer assunto enfiar o nome do cara em sua aulinha, preleção, como se tal âncora lhe garantisse qualidade na navegação. (metaforinha babquera!) acho que esse povo reprimido precisa resolver melhor essa falta de pai.
e sobre as contraposições de haroldo de campos a ele, ac ? rendiam, renderam, km de papéis e eventículos, defensores x detratores, bleargh.
a introdução de frye ( sim, genial) à anatomia da crítica é dos mais generosos textos sobre a “edificação” de um cânone e sobre o papel do crítico, do estudioso de literatura. talvez devamos relê-la?
ajudaria muito essa leitura, principalmente à academia, quem sabe desmancharia o ridículo da atual onda de denegrir saramago para elogiar lobo antunes. pura bobajada, um e outro têm obras com belas narrativas e algumas coisas de ilegíveis, ainda que por motivos diferentes. mais ridículo inda, o paralelo se dá entre esses por serem anbos portugas?
alguem leu inês pedrosa? e?
ai ai amboscada feia.
Jatobá, legal a sua presença de espírito (numa boa mesmo). Gostaria de dizer que não critico seu texto com vontade de destruir. Ao contrário. Mas até um amigo tem de dar-nos um tapa na cara às vezes pra gente voltar a si e encarar a realidade. Seu texto tem sérios problemas de sintaxe gramatical e de baixa inteligibilidade. Tenho certeza de que você corrigirá isso. Não exige mais que meia dúzia de livros e um pouco de estudo.
E gostaria de que você não perdesse essa sua energia pra produzir. Se continuar assim com perserverança serás um baita dum crítico literário daqui a uns anos!
Persia, não li Inês Pedrosa, vale a pena?
Fico feliz de ter bons leitores: sabem onde errei, minhas comparações forçadas, até que sou jovem, o que me dá até algum tempo ainda para acertar e corrigir antes de me tornar um desastre completo… Meus textos têm problemas mas também soluções, vamos convir… Ao menos sei que existe alguém chamado Faulkner, Lobo Antunes… Melhor do que nada… Gostaria de propor algo diferente: que tal apontar o que se gosta e admira? Posso começar: na crítica literária brasileira sou apaixonado pela Leyla Perrone-Moisés, ela é a personificação da inteligência e elegância; os romances do Milton Hatoum me encantam, e fiquei muito impressionado com os contos do Amílcar Bettega Barbosa e Marçal Aquino; recetemente descobri uma escritora que não conhecia e me deixou fascinado, Zulmira Ribeiro Tavares, que me fez rir muito com essa preciosidade chamada ‘Jóias de Família’. Tenho certeza que todos têm suas admirações, seus encantamentos, romper o vício de falar mal, e tentar agraciar o que tem qualidade seria uma forma de limpar as toxinas do nosso ambiente cultural. Acho impossível manter esse quadro onde tudo é medíocre e deplorável. Deve existir algo que encante vocês. Não existe nunca algo de bom?
Deve existir, Vinícius. Porém, acima da linha do equador. Aqui embaixo, só há pecados.
Vinicius,
Todos nós, creio eu, temos os escritores prediletos a quem admiramos. Não existe ser humano que seja sardônico em tempo integral. O falar mal é esporte vicioso quando praticado desregradamente, apenas pelo prazer de destilar veneno; mas pode também ser um esporte virtuoso, se for praticado com a finalidade de emendar erros e defeitos. Advirta para o que escreveu o autor da Arte de Furtar, obra-prima da prosa barroca portuguesa, logo no início da sua célebre obra:
“Um sábio disse que não havia, neste mundo, homem que se conhecesse, porque todos para consigo são como os olhos que, vendo tudo, não se vêem a si mesmos. E daqui vem não darem muita fé de suas perfeições, nem advertirem seus defeitos, e ser necessário que outrem lhes diga o que passa na verdade.”
O meio literário está carregado de vícios e cacoetes de toda ordem. Apontá-los é um dever cívico para quem verdadeiramente se preocupa com essa coisa tão depreciada nessa era de mídia eletrônica e de incultura de massas: a literatura, a pobre, a desprezada, a escarnecida, a motejada literatura. Poderia ficar aqui discorrendo largamente sobre os autores que aprecio, dizer que tal obra deixou-se sensibilizado, que aquele livro fez-me debulhar em lágrimas, que dei gostosas risadas ao ler um certo conto, que me maravilhei com as peripécias de determinado personagem. Quem sabe, poderíamos fazer a lista dos livros que mais nos marcaram, e aí teríamos um interessantíssimo inventário, que tenderia ao infinito.
Nada disso iria “limpar as toxinas do nosso ambiente cultural”. Afagos e carinhos não são suficientes para salvar o doente moribundo; é necessário também injetar nele amargos remédios. É necessário, por exemplo, dizer com todas as letras que Arnaldo Antunes não é poeta, que o romance Panteros é uma porcaria, prova insofismável da degeneração do senso estético, que os críticos literários aviltaram-se completamente ao entregarem-se de corpo e alma ao ofício da bajulação gratuita, que a Academia Brasileira de Letras é uma instituição caduca.
Fomos de tal maneira escravizados pela cultura do bom-tom que não mais nos permitimos a sinceridade, a dura e implacável sinceridade.
Olha, sei não….iniciei a leitura de “Os cus de Judas” quatro vezes… e não consegui romper a página 15. De vez em quando olho o bichão na minha estante e me dá calafrios. Mas um dia eu vou ler aquilo, juro que vou…
Porque blog semidefunto?
Boa pergunta, Helena. Acho que é porque rola uma (nem tão) discreta torcida contra.
O Todoprosa, como a noite, ainda é uma criança. Está vivo, bem disposto, em fase de crescimento, e neste momento com alguns dentes-de-leite caindo. Um abraço.
Concordo contigo, Rafael. E na minha trajetória como crítico sempre presei pela honestidade, por exemplo só esse ano fui muito duro com os livros do VS Naipaul, da Beatriz Bracher e Ismahel Beah, e isso em espaços de projeção nacional como o Estadão e EntreLivros. A questão é que falar mal se tornou, sim, um esporte vicioso sem nenhum critério. Acredito naquilo que vejo como qualidade, e defendo essa qualidade, mas sempre com critério. Meu critério, claro; mas um critério. Só que as pessoas falam mal por falar mal, e não percebem que, por trás até de uma boa vontade cívica, como você aponta, cometem injustiças e colocam todo um ambiente cultural no mesmo bojo. Críticos literários não devem agir como justiceiros buscando os bandidos, os criminosos, corrigindo os erros… Devem ser homens de bem falando para homens de bem, como Cícero tão bem definiu a postura pública do homem ético. Sempre que pego um livro busco nele as qualidades; e a impressão que tenho é que a malícia, na maioria dos críticos, faz com que só se busque os defeitos. Há uma frase mal construida, uma idéia não clara, trabalhos de dias e anos e décadas são demolidos pelos detalhes, mas há, sempre, algo disforme em qualquer panorama. Se a crítica é o esporte vicioso de apontar sem trégua o espinho na rosa, ela é mesquinha e pouco generosa. Fico sempre me perguntando: se as pessoas realmente amam a literatura como dizem que amam, qual o motivo para perder tempo com livros rotos? Se você ama algo por certas qualidades, qual o motivo de se ater obsessivamente aos defeitos daquilo que não ama? Talvez porque o sentimento não seja amor, seja vaidade, orgulho, mas nunca amor, porque é egoísmo pouco generoso dedicar as melhores energias àquilo que se despreza. É assim que vejo o mundo, e isso contamina a maneira como lido com os livros e as pessoas. Então, concluindo, pode até ser cívico e edificante apontar as feridas, mas e a rosa, como fica? Imagino, claro, que na intimidade leia seus livros e tenha prazer imenso na companhia da boa prosa e poesia, mas se aquilo de ruim que lê é realmente pouco na sua vida não há motivo, então, para que monopolize sua voz quando ela sai do espaço privado e vai ao público. Justamente no momento em que sua voz atinge uma esfera pública (e essa caixa de comentários é um espaço público), em vez de elogiar a boa companhia vai colocar no palco e em destaque a figura desagradável? Seu argumento tem lógica, Rafael, mas me escapa o sentido dele. Não me interessam os espinhos; eu quero a rosa.
Vinicius,
Se você imprudentemete enfiar a mão no roseiral com os olhos fechados, é até provável que alcance a rosa desejada, mas você irá se machucar muito com os espinhos. O jardineiro experiente introduz a mão delicadamente, olhos bem abertos, atento a todos os espinhos: por isso, não se fere.
O aprendizado estético exige, ao mesmo tempo, a contemplação do belo e a observação do feio: contempla-se o belo para emulá-lo; observa-se o feio para dele saber desviar-se.
Não estou defendendo o falar mal por falar mal, uma estupidez gratuita que repudio, nem sou contrário ao elogio, quando merecido.
O amor, como a verdadeira amizade, é imprudente, caro Rafael. Machuque-se, que não há mal que o tempo não cure.
Literatura… então to indo ler alguma coisa…
Vinicius,
Sobre o amor que machuca, convém lembrar o sábio conselho de Mercutio:
“If love be rough with you, be rough with love.
Prick love for pricking, and you be love down.”
Sinceramente, não gosto muito dessa postura de encarar a literatura com olhos de adolescente apaixonado. Amamos certos livros, mas é amor de outra cepa: é amor racional, que nasce do entendimento.
Eu me “machuco” com um livro quando o acho uma porcaria; aí não resta senão lamentar o tempo desperdiçado. O amor por uma mulher machuca quando não é correspondido, situação muito diversa.
Corrijo a citação de Shakespeare:
“If love be rough with you, be rough with love.
Prick love for pricking, and you beat love down.”
Rafael. s.m. RS infrm. disposição para comer; apetite, fome ¤ etim 1rafa + -el
ah, rafael, deixe de ser assim, bote notinha com tradução.
jatobá, acho que – lendo suas respostas – vc gostará (gostou) de ler o texto de frye: uma certa generosidade (não me ocorre o termo), não confundir com babaçao cega, é interessante no trato com as artes, se não vamos ficar com o bloom (que recebeu pedra, inacreditável, do bem veja) pra quem depois de shakespeare só veio barranco, claro, e o cânone que ele, gênio, re/re/organiza.
mas me perdoe, cinzas do norte deveria dar vergonha ao hatoum, parece resultado de receita, exercitação de manual de teoria literária. a forçação para incluir 64 é de um oportunismo que me faz baixar os olhos. que cinismo depois de 2 livros interessantes. tá bom o elogio? 2 bons, um vergonhoso.
ah sim, gosto de muitos l.antunes. (não todos)
paulo (o outro), estou lendo livro de contos de ines pedrosa (ganho) e romance (fazes-me falta) indicado/emprestado. por enquanto, com os contos, vou me aproveitar aí da expressão “amor racional” do rafael, pois é, não chega a tanto. mas escreve com fluência e leveza, e me faz chorar com as personagens. leio livros de muitas formas. e acho que o livro, na maioria das vezes, encaminha a forma de lê-lo. perguntei, no geral, por que é a nova ””descoberta”” das editoras, revistas de lit, congressos de lit. etc.
SERGIO!
Saindo do assunto…
Gostaria que vc comentasse um pouco de literatura portuguesa. Descobri há um ano a escritora Maria Gabriela LLansol e adorei! Vi uns textos perdidos na net de alguns escritores novos tbm. Queria conhecer algo além do feijão com arroz “Fernando Pessoa-Eça de Queiroz-Camões”, que não deixam de serem bons..
ih, rafael, vi agora, é esse o étimo?
Ah!
OBRIGADO!
Persia,
Atendendo ao seu pedido, segue uma grosseira tradução livre, pela qual sou o único responsável:
“Se o amor for rude contigo, sê rude com o amor;
Espeta o amor, pois ele espeta; e assim o vencerás.”
Louvo o Harold Bloom pela valentia em arrostar aquilo que muito apropriadamente denomina “escola do ressentimento”, mas, convenhamos, a tese de que Shakespeare inventou o ser humano é uma das mais forçadas que já vi na vida.
Caramba! Meu nome foi dicionarizado e nem sabia…
Étimo. s.m. (1844 cf. MS5) ling 1 termo determinado e abonado (com exceção das formas hipotéticas), que serve de base para a formação de uma palavra; pode ser uma forma antiga (do mesmo idioma ou de outro) de que se origina a forma recente; pode ser o radical com um afixo, pode ser uma palavra moderna a partir da qual se formam outras, pode ser uma forma hipotética (da mesma língua ou de outra) estabelecida para explicar formas recentes 2 morfema ou palavra que serve de base para a formação de palavras por derivação ou composição 3 origem de uma palavra; etimologia ¤ etim gr. étumon,ou ‘o verdadeiro significado da palavra segundo sua origem’, neutro substv. do adj. étumos,é,on ‘verdadeiro, certo’, pelo lat. etþmon,í ‘etimologia’; f.hist. 1844 etymo
Cada maluco…
Persia, “Fazes-me falta” é um belo livro. Gostei muito. Da mesma autora, o “Nas tuas mãos” também é ótimo, recomendo.
Flavio B, a Inês Pedrosa é uma excelente autora portuguesa para você conhecer.
Um abraço.
Caro Flávio B, a literatura portuguesa é ótima, e tem grandes prosadores. Eu gosto, especialmente, de Vergílio Ferreira e Carlos Oliveira, que são mais contemporâneos. Tem um escritor fabuloso chamado José Cardoso Pires, e seus livros estão editados no país. Vale a pena ler “Alexandra Alpha”, que saiu aqui pela Cia das Letras. Agora, cada dia que passa fico mais impressionado com a poesia portuguesa. Ela, definitivamente, não acabou em Pessoa. Só a tríade Ruy Belo, Herberto Helder e Al Berto é de cair o queixo, e Belo é impressionante, há quem diga que é maior inclusive que o próprio Pessoa. Ruy Belo é o poeta em língua portuguesa que mais aprecio. É sábio como a Bíblia; tem uma qualidade atemporal, é muito especial o que ele fez. E morreu muito jovem. Tem também o Nuno Júdice e o Eugénio de Andrade. A poesia deles é de imensa qualidade.
Qual é a razão que torna uma pessoa um ‘‘crítico’’ de alguma coisa?
Críticos, todos, são chatos. Críticos de críticos, chatos ao quadrado.
Continuo achando que opinião é igual ao, digamos, orificio retrofuricular, como diria Agamenon. O bom a que vocês se referem é bom para vocês. Mas tenho que concordar que esse espaço aqui é o que tem as réplicas e tréplicas mais bem escritas da blogosfera. Apesar de um ou outro empoladinho.
Personagens daqui:
marcelo moutinho; jornalista e escritor competente, que aparece esporadicamente no espaço para dar um incentivo e uma opinião singela;
Jatobá: outro que pende mais para um debate “otimista” com a leveza da felicidade, gosta de metáforas sobre flores e espinhos, e sabe levar na boa quando tem seu texto criticado.
Rafael: da chamada banda “culta” (sem ofensa), capaz de abrir leques de observação importantes na avaliação de um ponto de vista, já se estranhou com o Bemveja, mas agora parece mais cordato e tolerante.
renata miglione: texto intreressante, não pela sua profundidade, mas pelo frescor e a coragem de eimitir opinião num espaço infelizmente sobrecarregado de machos-alfa.
Bemveja: sem dúvida um homem de extrema erudição literária, pena que tenha um ego desses que o dono precisa se curvar para passar sobre o arco do triunfo. Parece ser um senhor de 123 anos, cuja saúde espiritual não envelheceu, ou seja um sábio do século XIX. Ultimamente parece ter reduzido o teor de rancor que permeava seus comentários, o que é bom para todos.
saint-clair: sumiiu depois de se desentender por bobagens com o Sérgio. Era, junto ao Tibor (outro sumido), capaz de injetar um pouco de humor neste espaço, evitando que ficasse com cara de academia virtual. Bom contista, me parece.
Os outros ficam para depois.
Abraços
Areias
Errata:
emitir e não eimitir;
SOB o arcoi do triunfo, é óbvio
Gostei de ver tua participação no Happy hour Sergio, pena que quando fui assistir o programa já estava nos finalmentes.
Sergio é gato!
Areias,
Pelo jeito, baixou em você o espírito de Lineu (não o personagem da “Grande Família” e sim o autor do Systema Naturae, obra que inaugurou a moderna taxonomia).
De minha parte, posso dizer que não fiquei ofendido por ser considerado um membro da banda culta. Aliás, você não acha um tanto lamentável que o adjetivo “culto” seja tomado por muitos como ofensivo? Estranha a época em que vivemos. Para evitar mal-entedidos, gostaria de registrar que não sou uma pessoa intolerante, embora, às vezes, aparente agressividade quando estou defendendo meu ponto-de-vista. Não pense, no entanto, que sou um cultor de espinhos; também, aprecio as rosas.
Mudando de assunto: o Bemveja escreveu aqui que “o elemento narrativo é tão importante quanto o exercício de linguagem, ou seja, a narrativa faz diferença”. Onde, sem querer, deparei-me com esta frase de Cervantes, no célebre conto “Coloquio de los Perros”:
“Y quiérote advertir de una cosa, de la cual verás la experiencia cuando te cuente los sucesos de mi vida; y es que los cuentos unos encierran y tienen la gracia en ellos mismos, otros en el modo de contarlos (quiero decir que algunos hay que, aunque se cuenten sin preámbulos y ornamentos de palabras, dan contento); otros hay que es menester vestirlos de palabras, y con demostraciones del rostro y de las manos, y con mudar la voz, se hacen algo de nonada, y de flojos y desmayados se vuelven agudos y gustosos; y no se te olvide este advertimiento, para aprovecharte dél en lo que te queda por decir.”
Vivemos numa triste época. A fixação de tantos autores na linguagem, esse mal a que Saussure deu uma fundamentação teórica, não é senão o sintoma de uma coisa terrível: a falta de imaginação, a preguiça de pensar o enredo das histórias, o deslumbramento pela ornamentação. E tenho que concordar com o Bemveja: na falta de uma narrativa decente, Harry Potter, telenovelas, Zibia Gasparetto, Paulo Coelho e quejandos estão tomando conta do imaginário literário.
Bloom, para mim, só o Leopold. Aí vão os motivos por que não me surpreenderia caso o Harold Bloom fosse recolhido a um manicômio qualquer dia desses:
-a tal da “ansiedade/angústia da influência”é uma platitude mal-ajambrada a que ele, de modo insistente, dá ares de alta descoberta, recheada de uma terminologia obscurantista para supedimensionar escolhas estilísticas normais feitas por qualquer poeta. É evidente que o diálogo entre gerações têm um elemento competitivo e de cunho psicológico, não precisa escrever um livro sobre isso;
-sandices envolvendo a Cabala, teorias gnósticas e a autoria de parte da Bíblia por uma mulher prefiro não comentar, por desconhecer deliberadamente os detalhes e desconfiar de que se resumam a perdas de tempo; e
-o “Cânone” que ele decidiu estabelecer é arbitrário, claro, mas pior ainda, é incompleto e injusto com os grandes autores, ao equipará-los a figuras secundárias.
Ou seja, o que me distancia do Bloom é que ele é pseudocientífico e conspiratório, faz uso de fatos isolados e fora de contexto apenas porque contribuem para justificar suas teorias excêntricas. Se é para dedicar tempo a um crítico imperfeito, prefiro George Steiner que é mais perceptivo e legível.
Por outro lado, para não dizer que não falei de flores (minha singela homenagem ao Jatobá): é preciso reconhecer que o Bloom, ao se tornar orientador da Camille Paglia numa época em que era um crítico razoável e corajoso, teve um papel importante para impulsionar a carreira dela.
Aliás, essa insólita teoria de colher rosas no jardim da literatura (ao invés de ser pura e simplesmente honesto e análitico, conforme se exige em qualquer área profissional) inspirou-me subitamente: o nome da obra, cujo enredo versará sobre um ingênuo crítico que hesita em criticar, será “À Sombra dos Jatobás em Flor”.
p.s.: Rafael, o irônico de sua citação do Cervantes é que ele foi, acima de tudo, um narrador exímio e que não perdia muito tempo com elocubrações a la Sterne, ou seja, ele está defendendo, basicamente, a produção alheia.
o diálogo…tem (no “^”)
Ai, ai… Quando você vai assumir que me ama, Bemveja? E como você adivinhou que “À sombra” é meu livro favorito? Muito obrigado por me incluir assim, com humor, justamente no título do livro mais adorável que já li…
“Bloom, para mim, só o Leopold.” Autor: Bemveja. Que humor admirável e sofisticado. Quando teremos o privilégio de saber quem é você, Bemveja? Como és um erudito, e dá provas disso exaustivamente e com um assédio impressionante nesse espaço que dividimos com imenso prazer, gostaria de saber a sua opinião sobre o crítico australiano Clive James. Li dois ensaios dele e me encantei com sua inteligência e estilo e estou pensando seriamente em assassinar meu porquinho e comprar alguma de suas coletâneas de ensaios. Responda, Bemveja: mato o porco, ou deixo ele engordar mais um pouquinho? A vida de um suíno, rosado e inocente, está em suas mãos, caro Bemveja.
Mata, mata, mata…
A pergunta que não quer calar:Quem é Bemveja?O único palpite que dou é com relação ao país de onde ele tecla:Inglaterra.Acertei!?
Abraços!
Walter.
Caro Vinícius Jatobá (e críticos aspirantes em geral), o que eu não gostaria é que você repetisse os velhos erros que nivelam por baixo nossa literatura, que é historicamente modesta e anda quase comatosa por causa dessa superstição de “ver o lado bom”. Esse coletivismo panglossiano é extremamente maléfico para o debate e para a formação cultural de um povo. O que se chama no Terceiro Mundo de “crítica construtiva” não passa de autocensura decorrente de uma atmosfera de patrulhamento, que no Brasil existe desde que Monteiro Lobato ousou (corretamente) desancar os modernistas.
Você não pode escolher, antecipadamente, o que vai ver: você precisa disciplinar-se para descrever o que enxerga, e o resto, inclusive as suscetibilidades do autor e a dimensão “social ” da narrativa, é, na melhor das hipóteses, apenas acessório a seu ofício, que é a crítica do texto literário.
Se você escreve no jornal mais importante da cidade mais importante do Brasil, além de atentar mais à linguagem, conforme recomendou acima o Outro Paulo, precisa oferecer aos leitores a melhor avaliação possível; a melhor avaliação não é a mais leniente, e sim a mais precisa.
Você consegue imaginar um professor que não corrige os erros nas provas de seus alunos? Ou um diagnóstico médico atenuado p/ não magoar o cliente? Ou um corretor que avalia um imóvel e só vê o lado bom ou (again) as rosas no jardim? Crítica literária não é diferente: exigência e honestidade são valores inegociáveis que você deve a seu leitor cada vez que emitir um juízo, e é isso que lhe tornará um agente social mais produtivo, porque atua em defesa de critérios meritocráticos, e não da distribuição de paliativos para apaziguar os escritores e o público middlebrow; é preciso, isso sim, escrever *contra* o que essas pessoas representam.
Não conheço o Clive James. Crítico australiano, só que esse de artes plásticas, lembro apenas do Robert Hughes, que não me empolga muito. Se tiver de gastar $ em livros de crítica, eu sempre acho que 1)antes de comprar, vasculhe as bibliotecas públicas e 2)imprescindíveis mesmo são, inicialmente, “Mimesis” (Erich Auerbach), o já citado “Anatomy of Criticism”, “Concepts of Criticism” do René Wellek e “Sexual Personae” da Camille Paglia.
Bemveja: concordo e não concordo com o que você disse sobre Cervantes, ou seja, não concordo, embora seja argumento tenha lá sua lógica. No trecho que citei, o cachorro Cipião está sutilmente repreendendo seu amigo, Berganza, com quem trava o memorável diálogo, por se alongar demais em pormenores que não interessam à narrativa. Note, portanto, que para Cervantes a narrativa é tudo, em qualquer circunstância. Não obstante, parece-me inexata a afirmativa de que Cervantes não perdia tempo com elocubrações. Ora, no D. Quixote, há inúmeras passagens em que Cervantes abre uma espécie de parênteses para discorrer sobre assuntos cuja supressão não atrapalharia a narrativa. Exemplos? Dou-lhe alguns: o discurso tratando da superioriedade do ofício das armas sobre o das letras, o célebre capítulo em que o Cura e o Barbeiro tecem comentários cáusticos sobre os livros enquanto os queimam na biblioteca do Quixote, a novela do Curioso Impertinente, etc. Tenho grande apreço pelo discurso que D. Quixote profere após um jantar:
“Dichosa edad y siglos dichosos aquéllos a quien los antiguos pusieron nombre de dorados, y no porque en ellos el oro, que en esta nuestra edad de hierro tanto se estima, se alcanzase en aquella venturosa sin fatiga alguna, sino porque entonces los que en ella vivían ignoraban estas dos palabras de tuyo y mío. Eran en aquella santa edad todas las cosas comunes; a nadie le era necesario, para alcanzar su ordinario sustento, tomar otro trabajo que alzar la mano y alcanzarle de las robustas encinas, que liberalmente les estaban convidando con su dulce y sazonado fruto. Las claras fuentes y corrientes ríos, en magnífica abundancia, sabrosas y transparentes aguas les ofrecían. En las quiebras de las peñas y en lo hueco de los árboles formaban su república las solícitas y discretas abejas, ofreciendo a cualquiera mano, sin interés alguno, la fértil cosecha de su dulcísimo trabajo. (…) ”
Olha, não sou muito dado a ler crítica literária, mas tenho grande admiração por dois grandes autores, que influenciaram enormemente a forma como encaro a literatura: Benedetto Croce e Otto Maria Carpeaux. Recomendo vivamente a leitura.
Vinicius: esse gesto de pôr a cabeça do seu porco a prêmio, lembrou-me um capítulo do livro Jude, the Obscure, de Thomas Hardy, em que o protagonista, tendo que matar um porco para vender a carne, se acovarda e apieda do animal para fúria da esposa, com quem havia casado por obrigação (gravidez). Uma cena literária fortíssima e belamente escrita.
Rafael, veja seus exemplos, inclusive a própria citação: não são divagações egocêntricas dos personagens do Quixote, são, digamos assim, minissimpósios, observações temáticas, dirigidas a um objeto externo de análise, muito distantes, p.ex., da obsessão consigo de um Hamlet ou de Clarice Lispector (p/ citar um livro e uma autora que se caracterizam por esse tipo de introspecção mas que me agradam). Narrativa, é bom lembrar, é progressão de uma determinada história e tb do imaginário que o autor incorpora a essa história; uma descrição pormenorizada de um jardim, p.ex., não faz necessariamente avançar o enredo, mas contribui para o “sense of place” e o contexto geral do que se está narrando.
Bemveja, você não pode avaliar o que não conhece, em mais algum tempo vou recomeçar um outro projeto de blog e republicar minhas resenhas e críticas e ensaios e então aí sim a gente discute em cima de coisas que você tem algum conhecimento. Aí você pode escrever e leio e aí a gente se resolve, concordo, discordo… Aí fica produtivo… Quanto a ler buscando erros, acho uma forma mesquinha de encarar os textos literários; busco a sabedoria, quero saber o que o texto sabe, e partindo numa caça aos erros e equívocos, sinceramente, não há construção que se sustente. Fiquei realmente empolgado com esse Clive James, e vou assassinar o porquinho até mesmo porque o que me recomendou já conheço. Quer dizer? Todos conhecem, você é o comentarista mais cânone do Todoprosa… Não lembro de ter lido você trazendo alguma novidade, arriscando um nome novo… Mas obrigado pela atenção. Quando você ler um texto meu e quiser comentar algo, estou sempre aberto a críticas até mesmo porque é isso que faço por quase uma década: ler e resenhar livros. Eu conheço uma ou duas coisas sobre jornalismo cultural, e estou aqui jocosamente brincando com uma atitude que acho muito viciada: falar mal por falar mal. Escrevo apenas sobre o que gosto, e não entendo o motivo para gastar tinta com aquilo que não gostamos; mas há alguns casos em que o crítico encontra um livro decepcionante, e não é nesses momentos em que realmente fico feliz e realizado porque críticar não é demolir, criticar é expandir: as leituras, determinada ambiência cultural, a malha de textos, as narrativas nacionais. Acho graça da arte de falar mal por falar mal, e considero pobre de espírito o crítico que faz carreira apontando as fissuras em castelos. O sentido do prazer é encontrar mais prazer, o desejo do desejo é ter mais desejo, e o crítico deve buscar as rosas, não os espinhos. Por exemplo, agora estou encantado com um autor espanhol chamado Álvaro Pombo. É uma rosa. Não cheguei a ele destruindo os textos que não aprecio, mas sim navegando entre a malha saudável de bons textos… Clive James é fruto da busca por qualidade, que o crítico deve assumir como sua meta. Agora se eu ficasse escrevendo sobre os ensaístas ruins, obsessivamente, denunciando e apontando os equívocos do mundo, como encontrar os ensaístas bons? O vetor majoritário do debate cultural é fatalista quando deveria ser saudável e vitalista. Todos falam o que falta, o que carece, e não vejo projetos, não vejo nomes novos, se fulano é ruim quem é o bom? Se o crítico não fizer isso, quem vai fazer? Acho muito interessante suas invectivas contra a falta de qualidade geral das coisas: mas é saudável, e gera o quê? Sinceramente: nada. Apenas prova, Bemveja, que você é um humorista de razoável talento, mas não gera a energia de mudança e renovação que o nosso momento cultural necessita. Só vou viver uma vez, e desejo que as coisas vibrem enquanto eu estiver aqui; quero ser testemunha disso. Quero ser contemporâneo do meu tempo, e não viver numa nostalgia deficitária que se acomoda em apontar as feridas, mas nunca se esforça para gerar movimento. Acorda, rapaz: nosso tempo é agora. O que você está esperando? As novas caravelas?
Pois é Vinícius, não se pode falar do que não se conhece, mas isso não lhe parece óbvio? Além disso, já circularam aqui no todoprosa algumas resenhas suas, além de sua defesa acima do “lado bom” dos livros etc etc.
Mais uma vez, não se trata de buscar erros, e sim de não hesitar em identificá-los. O mais importante, ao se escrever um texto de qualquer tipo é a *sinceridade*. Quaisquer ideologias e/ou boa-vontade rebaixam o leitor e os autores tanto da crítica quanto do objeto criticado.
Quanto aos livros sobre crítica, direi o seguinte apenas: você conhece ou você leu? Se você já leu, de verdade, os livros que citei, sugiro que os releia integralmente.
Você tem razão sobre os novos nomes, nenhum me empolga, a última vez em que li um autor novo que me impressionou foi há 10 anos com o “Infinite Jest”, de lá p/ cá surgiram alguns livros interessantes mas nada absolutamente que vá alterar os manuais. Aliás, eu identifico nesse alarido incessante em torno de novos autores um mecanismo de mercado mais do que qualquer outra coisa; certos jornalistas atuam, de modo um tanto servil, na condição de promotores do mercado literário; são as novidades que aquecem as vendas, de modo que é do interesse indireto dessas pessoas promover qualquer Agualusa em termos hiperbólicos, já que isso garante igualmente, na cadeia produtiva editoral, o emprego dele, jornalista. Diante de tudo que você defende, eu me interrogo se você não teria mais satisfação escrevendo “press releases” em alguma editora do que enfrentando o trabalho árduo, minucioso e exigente da verdadeira crítica literária.
Considero a crença no “progresso literário” uma mistura imatura de ingenuidade com desconhecimento. Em nossa vida útil (digamos 80 anos), surgirão, se tanto, um ou dois autores dignos de nota. A literatura já tem os seus titãs. O Brasil, por sua indigência cultural, até que poderia gerar mais novidades, mas até o momento está feia a coisa, e não apenas na literatura. Somos um povo culturalmente desinteressante hoje em dia, e não há torcida que melhore um time fraco.
Mudando de assunto, li esses dias um texto muito breve no Observer, escrito por Robert Mc Crum, que menciona duas verdades cruéis que me parecem importante parafrasear. Basicamente, o que ele diz é que a imensa maioria dos livros impõe a seus autores dois tipos de frustração:
-a primeira é gerada pela assimetria entre as intenções épicas, revolucionárias de autores estreantes e o resultado final; a maioria dos livros reflete apenas parcialmente idéias e ambições originais dos autores, e o que se publica raramente está à altura dos objetivos iniciais narrativos e estilísticos; e
-a segunda frustração é o fato matemático de que a imensa maioria dos lançamentos acaba ignorada por público e crítica. As chances de escrever um livro que estabeleça um público leitor e gere dividendos comerciais e críticos é ínfima.
Do ponto de vista estatístico, escrever um livro e ser bem-sucedido equivale mais ou menos a ganhar uma rifa. Ou seja, antes de escrever, é importante conhecer the odds against you, e é importante preparar-se para a derrota, que é o resultado normal do jogo literário. Pensar nesses termos, a meu ver, auxilia a eventuais candidatos a escritor a considerar mais friamente sua possível trajetória e, por outro lado, uma vez cientes dessas dificuldades, novos autores que tenham talento de fato podem empenhar suas energias de forma adequada para transpor essas barreiras.
“verdades que me parece importante” etc etc
Bemveja,
Apenas agora vi sua resposta ao meu comentário. Confesso que não entendi direito. Eu replicara a seguinte afirmação sua: que Cervantes, narrador exímio, “não perdia muito tempo com elocubrações (sic) a la Sterne”. Disse que não era bem assim e citei inúmeros episódios do D. Quixote que contêm digressões, comentários filosóficos, jogos de palavras. Afirmo novamente: Cervantes faz uso de elucubrações a la Sterne (aliás, este escritor inglês foi muito influenciado por Cervantes).
Para me contestar, você me esclarece e também ao distinto público que os exemplos de que me socorri não contêm “divagações egocêntricas dos personagens do Quixote”, mas “minissimpósios, observações temáticas, dirigidas a um objeto externo de análise, muito distantes, p.ex., da obsessão consigo de um Hamlet ou de Clarice Lispector”.
Porventura, pergunto, não seriam esses minissimpósios, não seriam essas observações temáticas elucubrações, no sentido corrente da palavra? Observo que os devaneios, os circunlóquios, as interpolações que pupulam no Tristram Shandy dirigem-se mais a “objetos externos de análise” do que ao mundo interior, objeto da obsessão de Hamlet e dos escritos em geral da Clarisse Lispector.
Estamos falando a mesma língua?
Vinicius,
Mais uma citação do “Coloquio de los Perros”, essa obra-prima da moralidade e da mordacidade:
“Mumura, pica, y pasa, y sea tu intención limpia, aunque la lengua no lo parezca.”
Eis aí um excelente conselho: o importante, acima de tudo, são as intenções, que devem ser sempre puras. O crítico, mesmo quando se mostra com a face mais severa, a do professor mal-humorado que não hesita em destacar os mais miúdos erros dos alunos, não estará cometendo nenhum pecado se for verdadeiramente movido pela intenção de melhorar o pupilo.
Bembeja, se num mundo que tem Makine, Marías, Sebald, Esterhazy, Lobo Antunes, Pitol, Pamuk, Nooteboom… você só conseguiu se empolgar com David Foster Wallace (!!!), não sei que tipo de conversa e diálogo pode realmente se sustentar contigo…
Rafael, discordo: Sterne é um narrador muito mais introspectivo, self-conscious e machadiano (com o perdão do anacronismo, já que ele é que influenciou o MA) do que Cervantes; Sterne fala basicamente p/ si, ou fala de cima de um certo pedestal discursivo; Cervantes é mais generoso com o público. De saída, a escolha do narrador (primeira pessoa em Tristram Shandy, terceira no Quixote, ou melhor, no Quixote o narrador é onipresente) já diferencia bastante o escopo narrativo.
Bemveja,
A questão não é esta. Repliquei que Cervantes também é dado a tecer elucubrações e você me responde que Cervantes não é tão introspectivo quanto Shakespeare. Você fez aquilo que os retóricos antigos chamavam mutatio controversiae, a mudança do assunto da controvérsia.
Ademais, não acho o adjetivo “introspectivo” apropriado para descrever o estilo de Sterne. Introspectivo calha melhor em Clarisse Lispector, em Proust, em Bruno Schulz; não em Sterne. Em comparação com Cervantes, pode-se até afirmar que Sterne é introspectivo; assim como, em comparação a Homero, o próprio Cervantes é introspectivo. Machado de Assis, aliás, é introspectivo em Dom Casmurro, em Memorial de Aires; porém, em Brás Cubas, a obra em que a influência de Sterne mais aparece, Machado não é tão introspectivo assim.
Concedo que Sterne é autoconsciente, já que pratica tanto a metalinguagem. Não entendi, porém, o que você quis dizer quando escreveu que Sterne “fala de cima de um certo pedestal discursivo”.
Vinicius Jatobá, dos que você citou li apenas Sebald, Pamuk e Cees Nooteboom, e embora eu goste do Sebald e (de forma um pouco mais moderada) do Pamuk, estou disposto a afirmar que, em 50 anos, apenas “Infinite Jest” (livros que poucos leram por conta da extensão) terá sobrevida literária. O único problema do DFW é ter sido um “early peaker”, conforme se fala em inglês. Depois de lançar esse livro aos 27 anos, é difícil p/ o DFW superar-se; caberia notar que ele é um escritor que se dirige muito mais ao universo e às referências de pessoas mais jovens do que a maioria dos escritores de hoje, de modo que isso tb representa um fato novo na literatura dele em relação aos demais autores contemporâneos.
Rafael, o próprio significado literal de elucubração (meditação solene, profunda) não se aplica ao humor e ao humanismo do Cervantes, e discordo, claro, inteiramente, de que Sterne não possa ser considerado majoritariamente introspectivo. O pedestal é: o Sterne não é um narrador fraterno com o leitor tal como Cervantes, é mais professoral.
De futurologia vc entende tanto quanto de literatura.
Ok Vinicius, fale-nos então de Infinite Jest, que você com certeza terá lido no original. A sorte literária do David Foster Wallace está em suas mãos.
Dormi antes da página 30, e ainda bem que o exemplar era emprestado. Só leio o que me dá prazer. E o que é ‘Infinite Jest’ para você, soou infinitely indigest, e preferi um Simenon. Agora, diga-me: precisou de Eparema depois?
Infinite Jest é de fácil leitura, é apenas um livro extenso, e as notas de rodapé (que são extraordinárias e com frequência hilariantes) desaceleram o ritmo natural.
Lession: crítico, em primeiro lugar, lê. 30 páginas aqui e 30 acolá entremeadas de leituras “prazerosas” (ou seja, indulgentes) limitam o horizonte com uma falsa impressão de conhecimento.
Bom, o Esterhazy tem 800 páginas, o último projeto do Marías 1500… Vc não dá uma dentro…
O fato de ler 2300 págs. de Esterházy/Marías não lhe concede, pelo que me consta, um salvo-conduto p/ você criticar livros que você não leu.
Que vc faz da vida, Bemveja? Fala para gente… Que tipo de pessoa acha o prazer indulgente? Você é, definitivamente, o Velho do Restelo… Um pé no saco…
Ler só aquilo de que se gosta é indulgente, e a própria noção de “prazer” literário pode se tornar uma forma de limitação; além disso, a famosa lei de Sturgeon, que eu já citei aqui (“90% de tudo é lixo”) faz com que essa historinha “só leio o que me agrada” não seja viável para quem aborda a literatura com seriedade e sem diletantismos.
Não estou criticando… Apenas disse que é chato… Não li porque não me envolveu. Agora pode ser uma obra-prima, e tomara que seja… Assim justificará o tempo que investiu nele… O problemático é que, com tanto livro bom nesses últimos dez anos, a única coisa que te empolgou foi ‘Infinite Jest’… É um livro que tem muitos defensores, até gente que respeito, mas se não me dá prazer, estou fora… Você lê mesmo quando não te dá prazer? Seu dia tem mais de 24 horas para gastar tempo com coisas desagradáveis? Tem um livro que eu adoro e que muita gente acha chato: Submundo, do Delillo. Tenho amigos que não atravessaram a trigésima página… E estão certos… Cada um lê o que gosta, e se for crítico literário, aí mesmo que deve ler por prazer para que seus textos sejam carregados de vitalidade e entusiasmo… E vamos combinar uma coisa: seriedade não é sinônimo de chatice… E prazer pode até ser ‘limitador’, como vc afirma, mas é divertido…
Jatobá, sou mais vc….
Sabe que até p/ definir os contornos de um sentimento de rejeição estética (ou seja, até p/ não gostar) é preciso esforço.
O primeiro e mais elementar esforço de avaliação é: p/ não gostar, tb é preciso conhecer. Uma obra literária é integral, e precisa ser conhecida integralmente ou seu juízo deve ser mais modesto.
Além disso, p/ você que mencionou acima suas críticas e sua intenção de enfocar mais especificamente novos autores, não tem cabimento não ter lido o Infinite Jest até o final nem tampouco rejeitá-lo tout court.
Veja só, ao contrário desse pacto de mediocridades que ainda existe no Brasil, o mundo literário real é muito competitivo, as pessoas estão sempre testando suas capacidades e lhe qualificarão de acordo com seu conhecimento verdadeiro, honesto, e não com escapismos do tipo não li e não gostei.
Vou repetir aqui um excelente professor meu que, ao falar sobre o processo de aquisição do conhecimento, mencionou uma frase de Hugh de St.Viktor, que cito de memória: o primeiro passo da educação é a humildade.
Eu não devia, mas vou me meter nesse rolo e deixar meu comentário, pelo que ele possa valer: li o SUBMUNDO do DeLillo e também achei do caralho. Do David Foster Wallace li alguns contos que estão no BREVES ENTREVISTAS COM HOMENS HEDIONDOS e achei… um pé no saco. Mas pretensão e água benta a gente consegue de graça, não é? Comportem-se, meninos.
Eu gosto do Harold Bloom.
Através de indicações dele conheci ótimos autores, como o Cormac McCarthy e Flannery O’Connor; reli alguns livros do Shakespeare sob a ótica do bloom e acabei apreciando-os um pouco mais do que nas leituras anteriores.
Nunca li o material dele sobre cabala e blablablá, mas como divulgador de bons autores ele faz um serviço ótimo.
A questão do “ler só o que gosto”… já li vários livros chatos em vários aspectos, mas cuja leitura não me arrependi de modo algum. Guerra e Paz é um trambolho que começa bem aborrecido, mas que depois envolve e marca o leitor pelo resto da vida. Vários anos depois ainda me pego lembrando de trechos do livro.
Vai soar meio auto-ajuda, mas pra mim a leitura de um livro nunca é desperdiçada, seja por entretenimento, seja pelas idéias apresentadas ou pelo estudo da natureza humana realizado. O “só leio o que gosto” ouço muito da boca de quem só lê Paulo Coelho ou Harry Potter, descartando todo o resto. Desperdício. =/
em briga de branco…
mas olhando bem a árvore, o “não li e não gostei” já freqüentou, explicitamente ou não, os diferentes lados dessa discussão. e também argumentaram que se pensar como leitor crítico, se permitir dizer isso é bom, aquilo não, só tem valor com histórico mínimo de leitura. daí, até procuraria me inteirar de alguns autores, obras que não conheço, mas, e gostei disto, indiquem o número de páginas, que nem me abalarei por qualquer coisa com mais de 300 páginas.
taí, dos que não li desta caixa só fiquei com vontade de ler o presidente negro.
ana z, sim, estou lendo inês, que me chega por oblíquos caminhos. tenho gostado das histórias, me comovem, me lembram alguma clarice: o desacerto como única possibilidade pessoal, interpessoal… não diria, contudo, que sua escrita esteja me assombrando.
cesar, quer ainda tentar os cus de judas? pule partes A e B, em que o escritor deve ter mais se detido a “salpicar” metáforas como aponta (para o bem e para o mal) paulo outro. só localizam o narrador. pule, deixe pro fim, tanto fará. o livro faz sentido como escrita e também pelo que significa (ou) essa escrita sobre (em) (+ ou -) 80. dái vc o lê num instante.
rafael, a banda curta agradece tradução à culta. quanto à aproximação raduan x coelho neto, realmente não entendi. o primeiro só em antologia escolar. que me lembre, não detestei. o segundo não revoluciona nossas letras como “rosetado”, mas lavoura tem belas qualidades, embora, primeira vez que li, quisesse mesmo era saber se o pródigo transou também o irmão menor.
qual é a terra do anselmo goes?
Espanta-me que ninguém ainda tenha descoberto quem é o Bemveja! Sendo assim, revelarei a verdade:
é o Bruno Tolentino.
Ele forjou sua própria morte para renascer na pele de Bemveja.
Ora, vocês não perceberam as semelhanças de estilo, de léxico, de pensamento?
O brasileiro gosta de se ver hedonista, gosta dessa imagem, e de certa forma se define nessa imagem, mas tem um problema com prazer… O próprio Borges só lia por prazer… Nunca leu ‘Ulisses’, porque achava chato… Lia romance policial, literatura de ficcão científica, material de divulgação de qualidade suspeita… Nabokov mesmo defendia também a leitura por prazer… Não aguentou Proust até o final, achava o Thomas Mann aborrecido, o Faulkner soporífero, e achava, delirante, HG Wells melhor que Henry James… O bom leitor não é quem lê tudo não, por edificação, para se iluminar; o bom leitor é quem lê de acordo com sua necessidade… As pessoas se esforçam muito para serem inteligentes, seria interessante se vivessem suas vidas buscando no mundo aquilo que realmente está no mundo para elas… Seriam mais felizes e contentes e realizadas… Sem esse complexo de vira-lata terrível… Leu um Camus, depois um Amado, aí um policial, um ensaio de filosofia… Vai lendo, vivendo… E quem tiver o que dizer, vai dizer independente disso mesmo… Cervantes não leu Faulkner, e escreveu Quixote… Melville não sabe quem é Proust, mas escreveu Moby-Dick… Shakespeare não leu nenhuma dessas filosofias embotadas francesas, e tem mais profundidade que quase todos somados… Sabedoria e supra-quantidade de leitura não andam necessariamente juntas… As pessoas deveriam se livrar dessa relação doentia com a cultura… Se parassem por um momento para ver como relacionam consumo cultural com força política (leitura sempre associada a educação e projeto e desenvolvimento), veriam que apesar do verniz pretensamente liberal, o discurso prenominante é aristocrático e segregador… Sabe aquele tipo de discurso ‘biscoito fino e a massa’… A leitura pelo prazer desestabiliza a leitura institucional, e como a leitura institucional está na mão de quem tem a teoria, e a teoria na mão da classe média, que pensa linguagem, que edifica o conhecimento, que instrumentaliza a leitura, e que privatiza o patrimônio cultural comum, tentem imaginar em que fosso termina essa equação…
Muito bem Vinícius Jatobá, aproveitando seu mote do “bom leitor”, segue aí meu breve resumo das obrigações dessa figura usando o termo que você escolheu; p/ facilitar, a la método Paulo Freire, usei a base lírica de uma famosa composição brasileira que deve ser de seu agrado:
“O bom leitor não faz xixi na cama
O bom leitor não faz malcriação
O bom leitor *vai sempre à escola*
E na escola *aprende sempre a lição* ”
Entendeu agora? Uma coisa é o leitor casual, esse pode ter o método (ou a falta de) que bem entender. Agora, o início dessa conversa foi a formação do crítico, do leitor especializado. Esse crítico (ou melhor, “bom leitor”), precisa fazer o dever de casa. No excuses!
Esse história de deixa a vida me levar (“vai lendo e vai vivendo”) é coisa de gente primitiva! É preciso ser o autor do seu próprio destino intelectual. E essa sua peculiar noção de prazer nada mais é do que acomodação. Não se trata de prazer no sentido de bem-estar obtido após a realização de esforço consistente, e sim de gratificação instantânea após recorrer à velha zona de conforto, àquela literatura que não “chateia” e que, com frequência, não leva a lugar nenhum. Borges podia ler Simenon o resto da vida, porque tinha talento e tinha estofo (o que rejeitava correspondia apenas a uma fração do conhecimento profundo que ele tinha sobre a literatura mundial). O Brasil, após meio milênio de história, permanece na idade da pedra cultural por causa dessa desculpa senil de que a leitura incompleta e o primário malfeito sejam um instrumento contra o discurso “aristocrático e segregador”. São, isso sim, o instrumento da burrice e do subdesenvolvimento.
Claro, Bemveja. É que sou um bárbaro. Estou lendo Bunin, o último romance do Michael Ondaatje, uns contos do Rubião e um romance da Adelaide Carraro, bem repleto de putaria, que ninguém é de ferro e a carne é fraca… Não vou a lugar nenhum assim… Realmente, deveria estar lendo Hegel… Lendo, e me divertindo!?! Sem me cansar, sem me estressar e tomar notas, sem um esforço consistente e edificante? Sem buscar coisas profundas a cada parágrafo? Sabe, essa literatura que leio é a literatura “não chateia” da minha vida… E só tem literatura “não chateia” na minha vida… Não vejo nada de absurdamente exigente nessas leituras… Qualquer pessoa pode ler um conto do Bunin. Não existe ‘dever de casa’ para ler Bunin… A boa literatura é como a vida: está ali, basta enxergar… A boa literatura contagia pelo reconhecimento: de repente, lendo, a gente percebe que pensamos algo e nem nos damos conta… Esse excesso de teoria e projetos e necessidade de crescimento intelectual só gera gente azeda, como você… “É preciso ser autor do seu próprio destino intelectual”… Você é louco, sinceramente… É tão autoritário que nem percebe que se é destino, é pré-determinado… Quer reescrever até o que Deus assinou… Calma, Bemveja… Esse ‘Infinite Jest’ destruiu sua vida mesmo… Relaxa, vai ler um Jorge Amado para rir um pouco…
destino1
[Dev. de destinar.]
S. m.
1. Sucessão de fatos que podem *ou não* ocorrer, e que constituem a vida do homem, considerados como resultantes de causas independentes de sua vontade; sorte, fado, fortuna.
2. P. ext. Aquilo que acontecerá a alguém; futuro.
3. Fim ou objeto para que se reserva ou designa alguma coisa; aplicação, emprego.
4. Lugar aonde se dirige alguém ou algo; direção.
(Aurélio Buarque de Hollanda dixit)
Jesus, mas vai ao dicionário… Totalmente institucional… Só atravessa na faixa… Gastando meu latim com um sujeito desse…
Destino. s.m. (1567 JFVascM 34) 1 personalização da fatalidade a que supostamente estão sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo; sorte, fado, fortuna 2 tudo que é determinado pela providência ou pelas leis naturais; seqüência de fatos supostamente fatais; fatalidade 3 acontecimento (bom ou mau); fortuna, sorte, fado 4 o que há de vir, de acontecer; futuro 5 objetivo ou fim para o qual se reserva algo; destinação, serventia 6 resultado final; remate, termo 7 local aonde alguém vai; direção, destinação, meta, rumo ± sem d. ao léu, à toa ¤ etim regr. de destinar; ver destin- e -sta- ¤ sin/var acaso, acerto, aventura, casualidade, dicha, dita, estrela, fadário, fado, fatalidade, fortuna, lanço, sina, sorte, ventura; ver tb. sinonímia de propósito ¤ hom destino(fl.destinar) Ç noção de ‘destino’, usar antepos. 1escato-
Caramba! o fio solto fechou o circuito. Agora vejo um curto-circuito e os desdobramentos do “Inferno na Torre!” Dante Salve-nos!
Bom ,dando os trâmites por findos,podemos afirmar, sem medo de errar, que Bemveja levou mais um à lona.O homem é carne de pescoço!O játobá caiu pesadamente,fazendo barulho.Não aguentou a pressão e,no final,apelou.E como dizem na terra do Rosa,”apelou,perdeu”.Não adianta, o afeto é fogo e o cordial vinícius não suportou seu cartesiano oponente.Bemveja bem poderia dizer:pode vir quente que eu estou glacial!
Abraços.
Walter.
Diríamos, caro juiz Walter, que o Bemveja ganhou porque o bárbaro aqui não aceitou o barbarismo da catequese civilizatória cartesiana. Mas foi um combate que teve seus bons momentos, com direito ao ainda pendente assassinato do porquinho, e o assédio de uma indigestão infinita e fatal de certo livro imperdível… Bemveja ganhou dessa vez… Mas gravem, no fundo da alma, o que escrevo: I`ll be back, Bemveja… Releia seu Descartes, sofra na masmorra da razão, afie suas armas, mantenha sempre carregada sua mont blanc… Isso não acabou…
E tinha alguma coisa em disputa?
Se tinha, as respostas do Vinicius aqui me soaram muito mais interessantes que esse nhenhenhém do Bemveja.
Alguém aí entrou no concurso “Madame Tussaud” da piauí? Bata escrever um conto que contenha uma certa frase e aí eles escolhem o melhor etc. Já há dezenas de concorrentes publicados no site.
Em “O Repouso do Guerreiro”, de Christiane Rochefort, o incorrigível porra-louca procura um romance policial (aliás, uma novela policial) na estante da mulher que ele vai desgraçar a vida:
– Tem um Simenon aí na estante.
Ele rebate:
– Simenon não é policial, é psicologia.
Não há parâmetros rigorosos ou ciência exata a aferir resultados e percepções de leituras. Pelo menos não para todas as profissões dos leitores.
André Bazin conta uma conversa sua com Billy Wilder. Dizia ele ao diretor que a cena de “A Malvada” em que marido de Bette Davis sobe a escada, sente-se mal, cai e ela, sentada na cadeira, não move uma palha, ficou muito boa pois fortaleceu o caráter pernicioso da personagem.
Wilder respondeu que a atriz havia sofrido uma torção no tornozelo e por isso não podia mesmo levantar para fazer nada.
“Então o meu filme é melhor do que o seu”, concluiu Bazin.
É isso, depois de lido o livro, ou visto o filme, ele passa a ser também propriedade do leitor, que poderá estabelecer comparações, conexões e concluir o que quiser dentro do âmbito dos instrumentos que tiver disponíveis.
Anrafel,
A conclusão de Bazin é despropositada. Supondo que a providencial imobilidade da atriz tenha sido mesmo o resultado de uma torção do tornozelo e não do cálculo do diretor, o fato é que este último, no trabalho de edição do filme, manteve a cena em vez de suprimi-la; houve uma escolha racional do direitor, que decerto deve ter percebido o potencial dramático da cena, embora não tenha ela seguido o roteiro original. É muita pretensão do espectador imaginar-se um criador superior ao diretor.
O leitor pode até, com o auxílio da imaginação, descobrir novos sentidos para a história; mas as boas e más qualidades do livro são de exclusiva responsabilidade do autor.
Uma palavra sobre Harold Bloom.
Nenhuma dúvida quanto à sua paixão pela literatura e ao seu imenso cabedal como ensaísta.
Mas, e isso é opinião e especulação, o cara parece estar usando toda essa bagagem de uma maneira um tanto, digamos, além do rigor crítico, e isso não é mal.
Sua admiração/obsessão por Shakespeare, suas conclusões bastante particulares, tipo atribuir uma parte da autoria do Tanach a uma mulher fenícia ou uma importância meio exagerada à Cabala
embasam um empreendimento que poderia ser uma para-ficção ou uma pós-ensaística.
Suas fixações viraram seus personagens. E isso, repito, não é ruim, pelo contrário. Li com muito prazer seus dois últimos livros: “Onde encontrar a sabedoria” e “Jesus e Javé, os nomes divinos”.
Vocês me desculpem alguma coisa, mas o fio é solto e parece que aqui o único tabu é o nome da terra do Ancelmo Góes.
Um problema sério que o Harold Bloom tem é que ele nunca é memorável, pelo menos p/ mim; ele até que disseca (ou dissecava), mas dificilmente ilumina. Os prefácios dele são derivativos, não concentram as energias e o entusiasmo do leitor para o que se lerá em seguida.
Além disso, depois de Sainte-Beuve será seguramente o crítico que mais publicou em sua trajetória, e minha impressão (parcial, claro) é de que a soma dessa produção é ainda menor do que as partes, que já não eram grande coisa.
Outro problema é que ele trata tudo como se fosse literatura, e o resultado é uma salada que usa instrumentos literários para avaliar áreas do conhecimento muito mais específicas. Exemplo dos mais banais: associar Platão, genericamente, a uma cultura “helênica”. Parece-me um pouco aquele professor culto mas já idoso, com uma afeição meio senil pela poesia, que sucumbe a umas digressões durante a aula e no final das contas falta coesão intelectual.
Lembro que uma vez eu sucumbi a uma crise de digressão durante uma aula que nem o tal de Bloom. Quase tive uma grave de desidratação. Fui salvo pelo soro caseiro.
O Ministério da Saúde informa: em caso de diarréia ou digressão, convém tomar, de hora em hora, uma colher de sopa de soro caseiro. A persistirem os sintomas, procure um médico (salvo, é claro, se você morar no Nordeste e for atendido pelo SUS… Nesta hipótese, procure a benzedeira ou curandeiro da sua confiança. Nos casos mais graves, procure um coveiro).
Interessante a refrega de Bemveja e Vinicius. Parece que estamos diante das duas colunas máximas da opinião, os graves, representados pelo Bemveja, e os frívolos, representados pelo Vinicius.
O segredo para angariar a simpatia e conquistar partidários é a polarização extrema. Os dois contendores estão seguindo a receita à risca, encenando um curioso teatro: Bemveja faz o papel do erudito rigoroso, cujas opiniões não se deixam influenciar pelo sentimento, um homem fiel à ciência e à razão; sua impassibilidade faz lembrar Simão Bacamarte, de quem poderia adotar o mote: “a ciência é o meu emprego único”. Vinicius é uma espécie de Dr. Pangloss, otimista e romântico, acredita na perfeita harmonia do cosmos; mesmo que um furioso terremoto derribe tudo à sua volta, sempre haverá algo de bom na tragédia: as rosas florescerão.
Como tem acontecido desde que o mundo é mundo, os dois pólos estão errados, cada um à sua maneira. In medio stat virtus. A radical posição de Bemveja é falsa. Ele próprio, com toda sua cultura, deve saber que o excesso de ilustração não raro resvala para o pedantismo. Vou gastar um pouco do meu latim com o Bemveja (já que Vinicius desistiu da empreitada): magis magnos clericos, non sunt magis magnos sapientes (traduzo livremente: os homens mais eruditos não são os mais sábios). Ora, atalharia o Bemveja, frases de efeito não valem mais que o efeito que produzem. Por isso, tomo a liberdade de reproduzir um parágrafo de Schopenhauer:
“Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando estes, finalmente, se retiram, que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé. Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos. (…). Porque quanto mais lemos menos rastro deixa no espírito o que lemos: é como um quadro negro, no qual muitas coisas foram escritas umas sobre as outras. Assim, não se chega à uma ruminação: e só com ela é que nos apropriamos do que lemos, da mesma forma que a comida não nos nutre pelo comer mas pela digestão. Se lemos continuamente sem pensar depois no que foi lido, a coisa não se enraíza e a maioria se perde.”
Idéias semelhantes podem ser lidas em Montaigne no ensaio “Do Pedantismo” (Ensaios, Livro I, Capítulo XXIV).
É uma estupidez abdicar completamente do prazer. O prazer aguça o interesse, atiça a curiosidade e leva à reflexão. As leituras que mais marcam nosso espírito são aquelas que provocam prazer. E muitas vezes, pois humanos somos todos aqui, a leitura maçante causa-nos tamanha repugnância que não resta senão abandonar o livro antes do término. Uma das coisas mais saudáveis que fiz foi largar o livro A Náusea, do Sartre, por volta da trigésima página. Não me sinto diminuído por causa desse gesto herético. Aposto que o Bemveja já tenha executado operação semelhante, por mais que faça profissão de fé daquilo que chama de “dever de casa” do crítico.
O Vinicius e sua filosofia de acariciar rosas pecam igualmente. A trajetória intelectual que se guia unicamente pelo prazer não frutifica; é estéril, errática, frívola. Como bem observou Baltasar Gracián, o “gosto exige cultivo, assim como o intelecto.” O estudo exige esforço e longas horas de leitura aborrecida são, mais que inevitáveis, necessárias. É uma atitude pueril querer viver num estado de deleite perpétuo: a realidade não é tão condescendente assim.
Segundo Vinicius, a “boa literatura é como a vida: está ali, basta enxergar”. Nada mais equivocado. A literatura é, para mim, uma fonte inesgotável de prazeres, mas não deixa de ser uma ocupação eminentemente intelectual. Aprendemos a admirar a literatura depois de muito estudo: é necessário saber ler, adquirir vocabulário, compreender a sintaxe, conhecer a história, ter o mínimo de familiaridade com a tradição literária, aprender outros idiomas. Uma criança, sem nunca ter pisado numa sala de aula, decerto se divertirá imensamente pulando ondas na praia: tal passatempo está ali, basta enxergar. Mas ela, antes de um mínimo de estudo, não terá condições de distinguir a boa da má literatura. O gosto apura-se com o cultivo.
Rafael, in medio pode até stat a tal da virtus, mas in medio é chato pra cacildis.
O Rafael ganhou o troféu do comentário mais chato. Falou o óbvio e distorceu os argumentos dos dois lados da contenda.
Tenho impressão que o Vinicius foi acometido por uma grave crise de digressão. Não se esqueça do soro caseiro!
Rafael, eu escrevi extensivamente sobre esse tema da formação do leitor profissional em diversos comentários acima, e não me sinto muito representado pela imagem que você tentou apresentar a respeito de minhas idéias. Eu quis dizer o que eu disse, não o que você entende que eu disse.
Para mim, é forçoso observar que você desfia algumas obviedades, de mãos dadas com Schopenhauer (cujo contexto histórico, conforme você sabe, era de rejeição do idealismo absoluto que vigorava na época, muito diferente do império dos sentidos e do imediatismo de hoje):
-é preciso, para além da leitura, reflexão; isso, mais do que óbvio, é redundante, porque leitura crítica se compreende como interpretação, logo não existe leitura sem “reflexão”;
-em segundo lugar, claro, todos já abandonaram na vida certas leituras, mas com isso, penso eu, renunciam igualmente à prerrogativa de se estender sobre o juízo que pretendam fazer da obra em questão; essa visão superficial me parece tanto mais antiética quando a pessoa finge que leu o livro em questão e só a muito custo admite que não leu tudo (ou, muitas vezes, não leu nada); e
-essa noção de prazer do diletante sentado na poltrona, cercado de gatinhos persas e lendo Balzac nada tem a ver com a leitura séria, atenta aos diversos níveis e intervalos de interpretação do texto. Prazer, repito, é o que decorre do esforço honesto e sincero de se abordar o texto sem fetiches e manifestar sua visão a respeito. Se o texto lhe soa bem, se evoca imagens, se lhe transmite idéias com beleza sintática (ou seja, se corresponde ao famosos quesitos poundianos da melopéia, fanopéia e logopéia), ótimo, bom proveito, mas perseguir o prazer acima de tudo é uma forma de, ironicamente, depreciá-lo e submeter o leitor a ciclos de excessos seguidos de purgações que não são muito diferentes de uma dependência química.
P/ o crítico é obrigação o aprendizado sistemático, mas mesmo p/ o leitor casual me parece recomendável, ainda que de vez em quando, uma leitura que fuja do trivial, inclusive para afastar-se da noção equivocada de que seriedade e prazer sejam excludentes.
Neste papo sobre o que é ler e o que se deve ler, tem as porcarias das patrulhas. Se você não estiver lendo o paquistanês ou kifiristanês da moda, é um imbecil. Se nunca leu Jung, Kafka ou Pedro das Couves, é ignorante.
O sujeito não pode admitir que lê Harold Robins, Simmel ou Sabrina sem que caiam em cima dele com um porrete.
É um saco. Dia destes confessei que golto de Vonegut, Bradbury, Arthur C. Clark, Tolkien, Veríssimo, Josué Montelo e Zé Mauro Vasconcelos e pronto: A intelectualha saiu do canil rosnando, babando e mordendo minhas canelas, como se eu fosse indigno de existir no universo.
Um saco, um porre. Pior que isso só os sujeitos que não lêm livros, mas autores. São tarados pelos autor. Um pedaço de papel higiênico onde o autor adorado escreva uma droga com estrume para eles é a glória, o máximo, como se apenas o fato de ter sido o fulano que escreveu tornasse tudo maravilha.
Um saco e um porre.
Bemveja, eis aqui outra vez o porteiro cearense. Mas, desta feita, é para apertar-lhe a mão. Seu último comentário acima é brilhante. Quando você usa da elegância e da polidez (ainda que pontiaguda), seu argumento encontra Sílvio e Sílvia sem arranhar-se nas grades que protegem a mente de que lê contra os vândalos do raciocínio. Não precisa ser agressivo para ser contundente, basta a assertividade calma dos grandes mestres. Você já leu um Borges deselegante? Ou mesmo o Antonio Candido, que tanto você critica, nunca baixou ao nível do vulgo para fazer valer suas idéias.
Parabéns pelo que você disse acima. E, sobretudo, pelo modo como o disse.
Abraços da portaria.
Como eu havia dito, ler um livro “difícil” também pode ser prazeiroso…
@Brancaleone, em que ambiente hostil você foi admitir que gostava desses autores?
Ps.:Vonnegut é um barato.
já que isso virou o samba do autor doido, que livros do autran dourado vcs me recomendam?
Bemveja,
Não sou partidário do hedonismo literário. Para que fique clara a idéia que tentei expressar, reitero que o relacionamento ideal com a literatura deve ser temperado com um misto de razão e de sentimento, de esforço árduo e de desprendido entretenimento. Acredito (já o disse antes) que o gosto se cultiva. Por cultivar, entendo estudo, muito estudo, não apenas de romances e poemas, mas da gramática, de outros idiomas, da história, da retórica, da filosofia e da estética. Algo semelhante àquilo que os antigos chamavam artes liberais. É com o estudo, apenas com o estudo, que o leitor terá condições de sentir prazer com a leitura d’Os Lusíadas, por exemplo.
Portanto, não estou advogando o diletantismo. Pelo contrário, o estudo, se corretamente conduzido, cria o método no leitor, ajuda-o a lançar raízes firmes, impedindo que ele vagueie erraticamente.
Sou, no entanto, contrário à cultura livresca, que faz da literatura um fim em si mesmo. A literatura é apenas uma minúscula parte desse grande universo que nos circunda. Para um homem ser completo não basta ser literato: é necessário ter discernimento, capacidade de agir, boa conversação, humor, desassombro e caráter. Enfim, a experiência, a vida prática, o diálogo, as viagens, tudo isso complementa a erudição, a qual sozinha vale muito pouco.
Há muitos (não me parece, Bemveja, que você esteja no rol) que se entorpecem pelo excesso de leituras com tal intensidade que se imaginam a si próprios postados num pedestal, acima do comum dos mortais. Estes se cegam pelas aparências e alimentam a ilusão de que, por terem lido tal ou qual tomo obscuro, são capazes de julgar os outros, o mundo e a si próprio. O beletrismo é o sintoma mais aparente de um mal profundo: a vaidade inflada pela enganosa imagem de si próprio como mais o mais sábio dos sábios.
Obsevação: não tenho gatos persas; aliás, tenho ojeriza a gatos. Balzac, acredite ou não, é uma leitura que nunca me cativou. Ele é o pai do romance urbano, burguês, crônica das minudencias do cotidiano. Não me atrai muito. O tipo de literatura de que gosto é Cervantes, sobretudo Cervantes. Tenho elevado apreço pelo grande precurssor do Quixote, o Tirant lo Blanc, o melhor livro de aventuras que li na minha vida, não à toa um dos poucos livros poupados na cena em que o Cura e o Barbeiro lançam ao fogo os volumes encontrados na biblioteca do Quixote. Poderia estender-me longamente sobre outros livros que me dão imenso prazer: Os Ensaios de Montaigne, Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (para mim, a grande obra em prosa da língua portuguesa), a Odisséia, Gulliver’s Travels, de Swift e O Mandarim, do Eça de Queirós. Ler qualquer desses livros numa poltrona é infinitamente prazeroso. Mas sem gatos persas!
Brancaleone,
Esse negócio de “leituras obrigatórias” é ridículo. Mais ridículo ainda é o sujeito que ladra, como um cão, a quem tenha a ousadia de ter lido, sei lá, Paulo Coelho.
Mas a espécie mais ridícula é aquela formada pelos que só lêem autores da moda. Como é possível, dizem essas crituras em tom de escândalo, você ainda não ter lido Terra e Cinzas? O autor, Atiq Rahimi, foi elogiado pelo New York Books Review e, principalmente, nasceu em Cabul, no Afeganistão, cenário da guerra desencadeada com o 11 de setembro. É necessário, é incontornável ler Atiq Rahimi. O quê? Você não leu ainda o Caçador de Pipas? Saia de perto, seu bárbaro inculto!
Mudando um pouquinho de assunto.
Acabei de ler a notícia de que o nosso Exceletíssimo Presidente da República participará da cerimônia de comemoração dos 11 anos da Academia Brasileira de Letras.
Considerando que o presidente havia dito certa vez que ler era, para ele, mais extenuante que fazer esteira, imagino a imensa fadiga que nosso presidente sentirá ao final do evento.
Ops… 110 anos, digo.
Pedro Correia, antes de mais nada eu gostaria de perguntar uma coisa: a Veja dessa semana já chegou? Em caso afirmativo, pode trazer aqui por favor.
Brincadeira meu caro…Esqueça essa bobagem de porteiros, carteiros, Caieiros e outros tantos. Bem, obrigado pelos comentários, a rigor acho que o que se faz aqui é tentar conversar um pouco sobre literatura, então eu diria que a base de uma boa conversa é a sinceridade, entendida inclusive no sentido socrático do termo: temos de ser honestos conosco e com nossas eventuais lacunas de conhecimento.
Sinceramente eu não acho que seja motivo de orgulho alguém afirmar que só lê ficção-científica, p.ex., mas é algo intelectualmente promissor porque indica sinceridade. Patrulhas intelectuais são runs, mas critérios são importantes.
Rafael, sua perspectiva me lembra um pouco as idéias do Montaigne mesmo, o ideal do humanista etc. Meu enfoque é na disciplina voltada a resultados; resultado não é ter lido as obras completas de fulano, e sim construir algo a partir desse esforço em termos pessoais e intelectuais.
Essa idéia de se orgulhar das próprias leituras é um fenômeno brasileiro; nos países civilizados, vai sem dizer que pessoas em determinados círculos precisam dominar um universo básico de conhecimento, e isso é obrigação. No Brasil, a precariedade da formação educacional criou essa avis rara que é o sujeito que se orgulha dos livros que não leu. Não me referia a você quando mencionei a imagem do leitor satisfeito com seus próprios limites etc.
Pobre de mim… eu pensava que o Vinícius Jatobá fosse crítico literário… Mas não é… É só um resenhista… Como esse mundo dá voltas!
O Vinícius, em realidade, é a reencarnação do Mussum. Cacildis!
Caí de crítico para resenhista! Que desgraça! Na taxonomia cultural isso deve ser muita ofensa, imagino…
Pequeno comentário orgulhoso. Olhem o e-mail de apoio que recebi, e babem de inveja:
“Caro Vinicius Jatobá,
Também sou membro do Partido Hedonista que tão bem, e de forma lúcida e lírica, defendeu. Vamos gozar mesmo com os livros e com a vida. Com esse papo intelectual de eunuco esses caras vão morrer no zero a zero. Bola para frente, e se quiser te passo o contato da Macaca…
Do seu mais fervoroso admirador,
Alexander Portnoy.”
Fala sério! Quero ver alguém tirar farofa comigo agora que tenho o Portnoy do meu lado!
Portnoy…Presumo que seja o homem da masturbação, punheta, bronha, cinco-contra-um e “self-pleasure”. Não é alguém que reforce intelectualmente uma visão do prazer estético literário.
Os meninos continuam brincando entre si?
Pelo último post, chegaram onde queriam… ou ainda não?
maria
Vinicius,
Acabei de receber uma mensagem psicografada de Donatien Alphonse-François de Sade, o Marquês de Sade. Transcrevo-a:
“Monsieur Rafael,
Considero-me o único escritor que, ditado por superiores razões filosóficas, levou às últimas conseqüências os sublimes pressuspostos deitados pelos partidários do Hedonismo. Ilustres precussores, tais como Aretino e Bocage, nunca ousaram tanto! Aquilo que vós, mon Dieu!, denominais prazer não passa de acanhados e timoratos passatempos de espíritos vacilantes. Monsieur Portnoy, por exemplo, não teria a coragem e o discernimento para gozar livros como Bocage (“co’a força do jurar esfolheando / o sacro livro foi, e a ardente sede / o fez em mar de ranho ir soluçando”).
O hedonismo literário se pratica escrevendo sobre as macias nádegas de uma pudorosa rapariga. Lamento que este século em que viveis seja demasiadamente recatado; no meu, as línguas gozavam da mais plena liberdade. Receio que vós, neste rude e selvagem século, não saberieis acolher minha doce Justine. Em respeito ao vosso recato, calo-me, pois.
Adieu.
Marquis de Sade”
Já que o papo é sobre literatura, o tema é livre, o dono da casa está de férias e o ambiente é bem freqüentado por críticos de cores e sabores diversos, aproveito para convidá-los a dar uma volta pelo Literatura de verdade. http://www.abril.com.br/blog/literaturadeverdade
Abraço.
Rafael, que interessante… Mas ele não elogiou sua prosa! É pouco generoso esse Sade! E nem te ofereceu o e-mail da Justine! Vou ser honesto contigo, e fica entre nós: você tem que escolher melhor suas amizades… Achei meio decadente esse cara, ele deve ser Emo…
Pequeno PS: Rafael, levei um susto relendo seu ataque nefasto e definitivo lá em cima e por um momento tremi quando me comparou com o Dr. Pangloss… É porque na pressa, como o péssimo leitor que sou, li ‘Dr. Hipogloss’, e pensei “Quê tipo de argumento baixo é esse? Quê tipo de sujeito doentio iria chamar outro de Dr. Hipogloss? E como retrucar na mesma moeda: chamando-o de Dr Novalgina?” Mas depois reparei que era mais uma prova de sua imensa erudição, e fiquei feliz, e tranquilo…
Rafael,
Falando em ABL, lembrei de uma observação de Roberto Campos ao ser aceito lá: “A Academia tem plano de saúde e seguro-funeral, e isso na minha idade é de se considerar” (mais ou menos assim).
Brancaleone,
Ray Bradbury é do cacête (ainda tem acento?) e Veríssimo (os dois), também.
zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Brancaleone….nervosinho no post de 27/09!
Leia o que quiser…é para voce o gosto….
Mas que tal ler algo de Lacan….acrescenta….acrescenta….
Sérgio, cadê vc?
Nunca poderia imaginar que Bemveja diria que Clarice Lispector é uma autora do seu agrado. Estou boquiaberto.
Beijocas.
Alguém falou em Carpeaux, boa lembrança. O melhor crítico que já li, recomendo com freqüência aos amigos.
Pelo menos um bom escritor, o Ítalo Calvino, se aventurou no seu “cânone” particular, e nos deu um volume de apreciações literárias que unem criatividade, erudição e legibilidade. (“Por Que Ler os Clássicos”).
Os ensaios do argentino/canadense Alberto Manguel também me agradam, confesso.
Piantro, pois é, Clarice Lispector foi uma autora muito irregular, sobretudo as crônicas (que contêm várias indulgências, dispersões e erros de português), mas os romances são atemporais e insuperáveis. Segundo matéria da Veja ou Istoé há cerca de um ano, há uma nova geração, sobretudo de mulheres, lendo Clarice Lispector no Brasil, e isso é uma boa notícia.
Segundo o Fernando Sabino, “A Maçã no Escuro ” teria por título original “A Veia no Pulso”, mas ele convenceu CL a mudar o título; pena, pois, apesar do cacófato, o primeiro título é mais representativo dos estados de alma dos personagens e da origem emocional de suas escolhas e impasses.
Vinicius,
Pensando bem, comparar alguém a uma grudenta substância pastosa, algo amarelada, e que se usa para untar o ânus não deixa de ser uma forma engenhosa, embora deselegante, de ofender alguém. Eu não faria isso, pois tenho enorme ojeriza a ofensas gratuitas (mais que a gatos persas!). Dr. Novalgina não me parece tão ofensivo; a propriedade de curar dor-de-cabeça é coisa benfazeja. Neste caso, o melhor seria replicar com o nome de algum purgante.
Anrafel,
A frase do Roberto Campos é excelente. A ABL não passa de um asilo, onde o pensamento moribundo aguarda a convocação do Eterno para lá ser esquecido.
Já que se falou de Monteiro Lobato e da Academia Brasileira de Letras, cito aqui o primeiro disse sobre a segunda (em Prefácios e Entrevistas, 1948):
“Minha idéia é que todas as distinções honoríficas neste mundo são latas vazias. Que é o chapéu de dois bicos dos diplomatas? Lata. Que é a tiara dos papas? Lata. Que é a mitra dos bispos? Lata. Que é o boné com folhas de louro do general MacArtur? Lata. Que são as fitinhas da Legião de Honra e as comendas do Gustavo Barroso? Latas. Pois a láurea acadêmica é também uma lata com que os homens se enfeitam para ficarem diferentes dos outros — dos tristes mortais que passam a vida inteira sem nem sequer uma latinha de massa de tomate ao pescoço! Lata, tudo é lata nesta vida. Tudo é lata e lata vazia, umas maiores e outras menores, umas grandes, como as de querosene, outras humildes, como as de sardinha.”
E por falar em cacófato, hoje o Estadão de SP (que ainda se orgulha de praticar o português mais castiço da imprensa brasileira), tascou na primeira página um “A Mágica Gaita de Toots Thielemans”. Aonde chegamos…
Isto é sério:
“Decreto nº 28.314, de 28 de setembro de 2007.
Demite o gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências.
O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo
100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA:
Art. 1° – Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.
Art. 2° – Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA.
Art. 3° – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º – Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 28 de setembro de 2007.
119º da República e 48º de Brasília
JOSÉ ROBERTO ARRUDA“
Monteiro Lobato (mais uma vez) tinha razão, vide o Eclesiastes: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”.
Quanto a esse instigante gesto regulador em Brasília-DF, só me resta evocar, ainda que seja por demais óbvio, Odorico Paraguaçu e sua trupe, a mais fidedigna e atual tradução do homem público em certos países.
Pois é, Bemveja. Poderíamos até reescrever o versículo bíblico: “lata das latas, tudo é lata”, ou, num latim bárbaro, “lata latarum, omnia latae” (Cícero que me perdoe).
Lembro de ter lido um texto de Monteiro Lobato em que ele vituperava as reformas ortográficas porque empreendidas pelo legislador. Monteiro Lobato achava uma estupidez qualquer tentativa de regular a língua por lei.
A triste ironia do destino é que o mais célebre projeto de lei de regulamentação da linguagem hoje em trâmite no Congresso Nacional — o projeto que visa coibir o uso dos estrangeirismos — é de autoria da mesma pessoa que se empenha na instituição do Dia do Saci.
Nestes tempos rudes e incultos, o néscio Aldo Rebelo apedreja o ídolo que ele próprio adora.
Quem lê livro de bolso?
Que mercado é esse em expansão no Br?
“A estratégia da Santillana é comprar espaço no mercado editorial de obras gerais, principalmente no formato de livro de bolso – onde a Objetiva não atua e a Martin Claret é tradicional. O livro de bolso é considerado um dos “mais promissores do mercado editorial brasileiro”.
Eu leio. Metade dos livros que compro são edições de bolso. E esta é uma forma inteligente de derrubar uma das principais barreiras à expansão do mercado consumidor de livros. Sem falar no quesito portabilidade, principalmente para quem tem o hábito de ler no metrô.
Qualquer iniciativa que vise tornar o livro mais barato merece aplausos. Li vários livros importantes para minha formação (clássicos e plebeus, sem distinção) em formato popular, por absoluta falta de grana. Li Camões pela Ediouro, Bierce pela Artenova, Balzac pela Melhoramentos. e por aí vai. Bendito o que semeia, etc.
Da falta de costume pessoal (ambiente familiar, por ex.) até à incapacidade da escola em formar leitores, sem dúvida, não ler se deve também aos preços nas alturas.
As pedras à Cia. das Letras (claro, boas edições têm um custo) lançadas, entre outros, pelo Saint-Clair justificam-se. O mercado em expansão não será apenas dos costumeiros agradecidos pelo preço menor, haverá outros.