Roubei o nome do blog do amigo Guilherme Fiuza para enfeitar o título acima, mas tenho uma boa razão.
Isso não é necessariamente um defeito – embora possa ser, dependendo do gosto do freguês –, mas a desistência do argentino Ricardo Piglia parece ter sido o que faltava para fazer a balança da 4a Festa Literária Internacional de Parati, que começa hoje à noite com um show de Maria Bethânia, pender de vez para o lado dos temas políticos, deixando a literatura em segundo plano.
A inclinação não deixa de ser condizente com um evento em que o autor homenageado é Jorge Amado, que em sua fase realista-socialista foi o escritor brasileiro que mais resolutamente subordinou sua ficção a diretrizes político-partidárias em toda a história. Não é este o melhor Jorge Amado.
Também não é o melhor desta Flip, em termos literários, o paquistanês-britânico Tariq Ali, que na sexta-feira, às 15h, estará sozinho na mesa intitulada – justamente – “Literatura e política”. Romancista pouco inspirado, Ali goza de reputação melhor como ensaísta militante e porta-voz da cultura muçulmana. Tem tudo para dominar a cena, especialmente enquanto as bombas israelentes caem no Líbano.
No outro extremo do arco ideológico – se é que se pode situar um autor tão anárquico em lugar estreito assim – está o crítico e polemista inglês (radicado nos EUA) Christopher Hitchens, que se especializou em escandalizar a esquerda desde que rompeu ruidosamente com ela, alguns anos atrás. Crítico literário penetrante, é pouco provável, porém, que essa faceta de Hitchens seja bem explorada na mesa que ele dividirá com o deputado federal Fernando Gabeira no sábado, às 15h.
Entre os dois pólos não faltam outros ganchos políticos, ainda que menos partidários. Até Toni Morrison, que com o Prêmio Nobel de Literatura conquistado em 1993 é o único nome realmente peso-pesado no elenco deste ano, é assim apresentada no site oficial da Flip: “Nenhum outro romancista retratou a realidade dos negros norte-americanos com tanta força e sensibilidade…”. O que, provavelmente, não é mentira alguma. Quem quiser fazer perguntas sobre política de cotas no ensino superior pode ficar à vontade.
É claro que questões de macro e micropolítica sempre foram bons esquentadores de festival literário. Atraem mais gente e rendem debates mais acalorados do que temas em que a “mensagem” não é tão fácil de resumir. Por exemplo: a conferência de José Miguel Wisnik sobre Machado de Assis que substituirá a palestra de Ricardo Piglia (veja nota abaixo) tem no fim das contas uma dimensão política aguda, mas não como ponto de partida. Como transformá-la em manchete? “Brasil descobre a África”, chamada hipotética para a mesa “África, Áfricas”, que reúne no domingo às 16h45 os jovens Ondjaki, angolano, e Uzodinma Iweala, nigeriano-americano, pega bem mais na veia, não?
Nada disso quer dizer que faltem escritores literariamente consistentes à Flip 2006. De jeito nenhum. É mais uma torcida para que as conversas não fiquem todas na casca do que eles têm a dizer. O americano Jonathan Safran Foer, que chega com a fama – sempre suspeita – de geniozinho da vez, é um escritor sério e realmente interessante. Será uma pena se só lhe exigirem que fale sobre o 11 de Setembro, que está no centro da trama de seu último romance, “Extremamente alto & incrivelmente perto”. Ou se o americano Edmund White e a escocesa Ali Smith só falarem de seu assumido homossexualismo.
Essas questões – e outras, muitas outras – serão discutidas aqui até domingo: o Todoprosa está de mudança para Parati. Enquanto isso, quem quiser ir fazendo aquecimento pode conferir a programação completa da festa aqui.
9 Comentários
Fala Sérgio,
Acabou que desta vez vc foi… e o futuro pai de família aqui ficou. Acompanharei a flip por aqui então… pra ver se o biscoito virou pirâmide de vez. Aquele abraço,
Pois é, o “GPoli” ao lado, com quem jantei na Flip do ano passado – acompanhado pela futura mãe – não vai. Nem eu. A única vantagem de acompanhar a Flip via Serginho é garantir a saúde dos meus pés, que não levarão topadas nos paralelepípedos. No mais, é aquela inveja da p…. de vocês todos ai. Muita inveja. Queremos os bastidores ai dessa sala de imprensa! Beijos, e aproveitem!
Gustavo e Tania, meus caros, vejam pelo lado bom: fígados poupados e nenhum risco de torcer o pé. Abraços e beijos.
Sérgio e Mia Couto com o seu maravilhoso “O Último vôo do Flamingo”, não foi convidado ou não pode vir? porque não têm mais escritores africanos, sobre tudo os que escrevem em português, sei que a festa é internacional, entretanto é em Parati, no Rio de Janeiro, Brasil, onde a língua oficial e extra-oficial é o português e só esse… Claro que temos lá nossas línguas indígenas, mas estas nunca respitamos mesmo, e não seria num encontro de intelectuais iluminados que isso se transformaria…
abraço
Não entendo o preconceito. Uma coisa é literatura política, outra é a literatura panfletária. A segunda, quando é pobre em termos de linguagem deve ser menos valorizada, é claro. Afinal Benjamin já falava que “o que não é correto em termos de linguagem não é correto em termos políticos” (não é exatamente assim, mas a idéia é essa)
Mas a boa literatura política deve ser valorizada.
Concordo, Gabriel. Não tenho preconceito nenhum contra a boa literatura “política”.
Outra ausência na FLIP: Carlos Heitor Cony. uma pena. Estou ligada na cobertura da Feira Literária, bom trabalho.
Fiz exatamente o mesmo comentário no meu blog. Temo que a Flip esqueça o seu lado literário e caia de vez no lado Festa da coisa. E festa tem que ter polêmica, pelo visto. Na Flip 2004 o assunto era o Sérgio Santanna falando do Machado e que zapeava livros, já em 2005 foi a discussão do MV Bill com o Jabor e os aplausos e vaias do público. Esse ano, com o Ali, provavelmente vão ficar apenas comentando as manchete da Al Jazeera da vida, o que é uma pena.
O Ricardo Piglia é assim mesmo. Se não botar piglia, não vai! Aaargh!