A mesa “Nas fronteiras da narrativa”, ontem à noite, que reuniu dois dos mais festejados autores da nova literatura de língua inglesa, justificou as expectativas. O americano Jonathan Safran Foer (“Extremamente alto & incrivelmente perto”) e a escocesa Ali Smith (“Por acaso”) entabularam uma boa conversa focada nos bastidores do fazer literário, com direito a um protesto do primeiro sobre a politização excessiva da Flip:
“Esse festival assumiu um ar político, o que eu acho um pouco triste. É a primeira vez que vou a um lugar cuja praça principal é devotada a fazer as crianças se apaixonarem pela leitura. Isso tem exatamente a mesma importância de qualquer coisa que façam políticos ou jornalistas”, disse Foer, um sujeito meio blasé que tem a maior cara de bom moço não apenas de Parati, mas de todo o litoral sul do Estado do Rio.
Ali Smith (foto), que contrastava com seu parceiro de mesa esbanjando uma energia ao mesmo tempo elétrica e viajandona, o que contribui para seu jeitão de Björk das letras, preferiu trazer o tema da política para a conversa sobre o escrever: “A arte é inevitavelmente política, como tudo acaba sendo. O que não faz sentido é você ter um projeto político antes de se sentar para começar a escrever uma obra de ficção. Tiraria a vida dela”.
Foer e Ali concordaram sobre as agruras do trabalho na página (ou tela) em branco. “Escrever um romance é tão impossivelmente difícil”, disse o americano. “Você tem que manter sua atenção e, mais ainda, sua paixão por três, quatro anos. Muitos casamentos não duram isso tudo. Escrever é mais difícil do que casamento.” Ali citou uma imagem de Margaret Atwood: produzir ficção é como tatear num quarto inteiramente escuro em que não sabemos a posição dos móveis.
Ambos são inquietos em relação à forma do romance, com diferentes graus de “experimentação”. O último livro de Foer chega a admitir a invasão da narrativa por fotos e desenhos. Ele nega que haja qualquer gratuidade aí. “É provável que qualquer coisa que você imaginar já tenha sido dita. A expressão ‘eu te amo’, de tão repetida, não quer dizer mais nada. Então você tem que encontrar uma entonação, ou um lugar especial, qualquer coisa que faça essa declaração ressoar outra vez. A mesma coisa acontece com a escrita. Não é por diversão que as coisas são estilizadas”.
Mais tarde, sentado ao lado das vastas tranças grisalhas e do vestidão afro de Toni Morrison no jantar oferecido pela Companhia das Letras no restaurante Refúgio, perto do cais, Foer parecia, por contraste, ainda mais um perfeito CDF, enquanto Ali-Björk comentava com Liz Calder, a editora inglesa que criou a Flip, que nunca viu um festival literário com público tão caloroso.
4 Comentários
Ah, adorei este post: o melhor sobre a Flip. Parabéns!
CDF… Blasé… Experimentação… (no mau sentido, infelizmente) Você já leu? Quem vê cara não vê texto, o cara é ótimo… Dá de mil em certos brasileiros muito incensados que não passam de uma prosa chata, pesada, pretensiosa. Safran Foer em sua literatura diz a que veio, noves fora qualquer clichê.
Eu li “Everything is illuminated” antes do lançamento aqui, Noga. Foer é um escritor muito interessante. Se você ler a cobertura completa do blog, verá que eu deixei isso muito claro já na primeira nota sobre a Flip. O que não elimina o fato de que o cara é meio blasé, experimental e tem cara de CDF.
A mesa foi bacaninha e eles foram os mais simpáticos ao autografar: ela batendo o maior papo e ele, lindinho, agradecendo quem ficou até tarde pra pegar uma dedicatória.
Sérgio, essa foto da Ali-Björk tá ótima. Não tem nenhuma do “Safrafró”, não?