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Franzen, Bolaño e o hype literário

27/08/2010

Faz muitas décadas que a literatura propriamente dita, artisticamente ambiciosa, não é terreno fértil para comoções de massa. É cem vezes mais fácil construir uma atmosfera de hype, o que um dia se chamou de badalação, no âmbito do cinema ou da música pop. Isso torna ainda mais interessantes os casos recentes de dois livros cercados de histeria: Freedom, do americano Jonathan Franzen, que antes mesmo de sair (será lançado terça-feira nos EUA) já vem sendo chamado de “romance do século”, e “2666”, o tijolão do chileno Roberto Bolaño, que foi unanimemente saudado como sua obra-prima e que, chegando ao Brasil com atraso há poucos meses, virou também por aqui aquele tipo raro de livro que todo mundo lê predisposto a elogiar.

Hype, palavra que os moderninhos brasileiros adotaram com um sentido intensamente positivo que está ausente do original, quer dizer em inglês publicidade excessiva e a comoção que ela provoca, exagero marqueteiro em torno de um produto e até mesmo, em casos extremos, fraude. Pode ser que falar em hype seja impróprio quando se trata de escritores tão talentosos quanto Franzen e Bolaño. Por outro lado, os dois casos de sucesso parecem ter, pelo menos em certa medida, algo daquele efeito manada que o marketing está sempre tentando disparar.

Como não li Freedom, convém deixar aberta a possibilidade de o livro ser mesmo o maior monumento da literatura desde “Ulisses” ou coisa parecida. O romance anterior de Franzen, The corrections, é sem dúvida um dos mais brilhantes que me passaram pelas mãos nos últimos anos. Mas é inevitável pensar que podemos estar diante de uma bolha inflacionária de superlativos quando se lê no “Guardian” que Freedom é “o livro do século”, um juízo bobinho que os próximos 90 anos se empenharão em desmentir, ou quando se vê a foto de Franzen na capa da revista “Time” ao lado de um título solene como “Grande romancista americano”. Diante disso, “obra-prima da ficção americana”, o elogio do “New York Times”, soa até tímido.

A consagração de “2666” não chegou tão longe, mesmo porque Bolaño não escreve em inglês, mas também foi acachapante. Neste caso, li o livro e fiquei matutando sobre os curiosos mecanismos da glória literária. “2666” consolidou internacionalmente o nome de Bolaño como o maior escritor latino-americano desde a geração do boom, mas é um romance que alterna momentos sublimes com outros francamente mal acabados, escritos a galope, como se a maior preocupação do autor fosse morrer antes de conseguir terminá-lo – o que por pouco não ocorreu. Na verdade, fiquei com a impressão de que Bolaño deixou mesmo inconcluso o trabalho: faltou revisá-lo para atingir a excelência de “Os detetives selvagens”, um romance menos ambicioso no projeto mas muito superior na execução. E que mereceu uma acolhida relativamente sóbria no Brasil, tanto da crítica quanto dos leitores – na época, seu autor ainda não tinha virado um mito.

Acho bem-vindo o hype em torno de Freedom e “2666”, nem que seja por sugerir que a literatura séria pode não ser tão culturalmente irrelevante no terceiro milênio quanto tentam nos fazer crer. Os dois casos parecem indicar que, à parte elementos imponderáveis, atingir o céu da comoção mercadológica é um feito reservado em nosso tempo a livros que tenham a ambição estratosférica – materializada de preferência em muitas centenas de páginas – de, mais que contar uma história, dar conta de um vasto painel social. É como se isso os tornasse “importantes”, dignos da atenção de um público que tem deixado a literatura séria cada vez mais fora do alcance de seu radar.

8 Comentários

  • Kylderi Amorim 27/08/2010em19:17

    Hype seria frisson?

    • sergiorodrigues 27/08/2010em19:45

      Kylderi, se você quiser trocar o inglês pelo francês, as ideias são parecidas. Mas hype tem um sentido de comoção provocada, fabricada, que frisson não tem.

  • Diego Moraes 28/08/2010em13:16

    E os hypes brasileiros ?

  • Pedro David 28/08/2010em14:10

    O engraçado é que “hype” sempre soou, para mim, como um tipo muito específico de badalação, feita por e para nichos… Sobretudo na música, sugere uma tentativa quase patética da crítica tentando provar que o que está “bombando” na casa e no carro dele ou dela, também está “bombando” num sentido mais amplo…

    No caso dos dois autores citados, o “hype” em torno deles corresponde a um sucesso de público ? Ou é apenas o fato de que a meia dúzia de pessoas que lêem literatura no mundo, no lugar de comprarem seis livros diferentes, dessa vez vão comprar o mesmo ?

    Não sei, não estou afirmando nada, e tampouco sou partidário da idéia de que o sucesso de vendas seja parâmetro pra julgar qualidade e importância de uma obra de arte…

    Mas como gostaria que mais gente lesse, sempre me faço a seguinte pergunta:

    – Qual foi a última vez que um livro agradeu crítica e público ? Garcia Marques é o único nome que não causa constragimentos quando quero falar de livro com qualquer um dos meus amigos, sem escolher formação pessoal e literária… Mas desde o ” Amor nos tempos do cólera”, já se vão uns bons vinte e cinco anos…

  • sandro so 01/09/2010em06:50

    Gostei. O maior problema é que não dá mais para separar completamente o “hype” da avaliação do próprio texto. Sempre ficamos com uma pulga atrás do orelha quando não concordamos com toda a badalação, mas o mito está encenado. Até vir o próximo mito, a próxima capa de revista, o próximo mês, etc. Não dou muito para Bolaño ser em breve substituído por outro autor, pois o que está em jogo é o mesmo da música e do cinema: transformar alguém ou algo em “cult”; quando o culto ganha a multidão, perde interesse. Breve lembraremos: “no tempo em que Bolaño era lido…”, como se “grandes textos” fossem esquecidos, deixados de ler. É a lógica do mercado, oras…

  • Paulo Mauricio Costa 02/09/2010em17:06

    Estou lendo a primeira parte de “2666” e também notando a alternância de trechos sublimes com outros mal acabados. Mas acabei dando uma freada porque foi só bater os olhos nas primeiras linhas de “Pelos olhos de Maisie”, do Henry James, na edição Penguin/Companhia, para não largar mais…