Quando Jonathan Franzen fez elogios efusivos a Chico Buarque e Bernardo Carvalho em sua passagem pela Flip deste ano, muita gente acreditou numa estratégia diplomática para ganhar a simpatia dos nativos. Tudo indica que não era isso ou não apenas isso. Franzen acaba de bradar ao mundo, em tom enfático, sua admiração pelos dois ficcionistas brasileiros.
Um dos quarenta escritores ouvidos pelo jornal inglês “The Guardian” para preparar sua prestigiosa lista de “melhores livros do ano” (sim, se você não tinha reparado na decoração de Natal dos shopping centers, agora já sabe que 2012 está chegando ao fim), o autor de “Liberdade” indicou Chico e Bernardo, seus colegas no catálogo da Companhia das Letras. E mais ninguém.
Budapest e Nine nights não foram lançados em inglês em 2012, o próprio Franzen se apressa em explicar, embora não diga que o primeiro saiu por lá em 2005 e o segundo, em 2007. Foi este ano que os leu, e para ele isso basta. Vinda do escritor de língua inglesa mais festejado por público e crítica em sua geração (tem 53 anos), é difícil imaginar chancela mais importante para a literatura brasileira no momento em que ela começa a fazer um esforço inédito para se projetar além do gueto da língua portuguesa.
A propósito: não se trata de tomar Franzen como um árbitro superior de mérito literário. Pelo contrário, a distância cultural e a mediação de tradutores costumam ampliar a margem de erro desse tipo de juízo. No caso, ele acertou: os dois são livros notáveis. Melhor assim.
Abaixo, traduzo o que Franzen escreveu para o “Guardian”:
Fiquei empolgado com dois romances brasileiros, que não foram lançados este ano mas eram novidades para mim. “Budapeste”, de Chico Buarque (Bloomsbury), é exatamente o tipo de colisão literária que o nome sugere, a América do Sul encontrando a Europa Central, mas que receita narrativa deliciosa se revela! Buarque é para valer, hilariante, inovador e habilmente profundo. A premissa do romance é ridícula – um ghost writer brasileiro completa sua auto-anulação desaparecendo Budapeste adentro – mas Buarque a vende tão bem que, no fim, nossa própria existência parece igualmente ridícula.
“Nove noites”, de Bernardo Carvalho (Vintage), também é um híbrido, no caso de ficção e matéria histórica, e a princípio parece estar repisando o território mapeado em “O coração das trevas” ao contar a história real de um antropólogo americano que se matou na Amazônia nos anos 1930. Ali pelo meio, porém, engata uma marcha mais poderosa. Carvalho começa a trazer notícias urgentes de um Brasil moderno que toma plena consciência de sua dupla identidade como colonizado e colonizador, e emprega suas artimanhas de fato/ficção para produzir um final que, meses depois, ainda não me saiu da cabeça.
9 Comentários
Reconheço os elogios que “Nove Noites” sempre recebeu, apesar de não compartilhar dessa admiração toda. Achei interessante, e só. Já “Budapeste” considero muito bom, ultrapassa o já costumeiro reduzido alcance da literatura nacional. Muitos mencionaram as semelhanças de estilo com o Paul Auster em seus melhores momentos. O curioso é que houve quem o malhasse exatamente por ser um livro… do Chico Buarque! Vi alguns caso de “não li e já não gostei” e li coisas como “é só marketing, essa badalação toda é só por ser do Chico”… Bobagem. O livro é realmente muito bom e difere em muito daquilo que os “muderninhos” costumam associar (e confundir) com ousadia: uma boa trama, bem contada, complexa e ao mesmo tempo clara e cristalina.
Fiquei com vontade de ler o “Nove Noites”, mas o tema… essa coisa antropologista sempre me deixa com um pé atrás. Homens brancos que se fascinam pela barbárie e rudimentariedade indígena nunca foi um tema que me interessasse, não mesmo. Eles louvam a doce naturalidade indígena, seu simplório modo de vida em contraste com a doente e louca civilização européia/ocidental; mas esquecem que o contato mesmo só foi possível porque a “civilização doente” inventou coisas como o avião e toda tecnologia pra explorar os oceanos. O próprio meio que eles usam pra fazer sua “denúncia” não seria possível sem o engenho dos denunciados, ou seja, o alfabeto, a lógica da língua escrita, e até mesmo os utensílios usados para tal. Só acho meio bobo essa contradição óbvia e inerente às vezes passar despercebida.
O Estorvo é melhor
Vou procurar Nove Noites num sebo online. Budapeste: quando li parecia que atravessava uma corda bamba amarrada entre dois continentes. Travessia perigosa, mas da qual não conseguia sair, senão na última palavra do romance, quando a sensação se confirmou. Foi o segundo livro do “Buarque” que eu li – antes só a Fazenda Modelo. E, mesmo assim, tenho-o como um dos grandes da literatura – reconhecimento que, convenhamos, deve ser chato pra muita gente: o nosso maior compositor ser também um dos melhores escritores é pedrada em muito ego tupiniquim.
Li Nove Noites depois de Mongólia, e talvez por isso achei-o bom mas um pouco repetitivo. Já Budapeste me surpreendeu – já que achei Estorvo um livro que faz jus ao título – positivamente, e aqui concordo com o Claudio Faria.
Li os dois esse ano também, e me sinto na obrigação de dizer ao Rubens que ele não corre esse risco. Em primeiro lugar, o foco não está no antropólogo, em segundo, há uma visão bem diferente dos índios (recheada com a cena que mais me fez rir este ano). Vale a indicação ao Sérgio, para o próximo Que cena!: as refeições indígenas em Nove Noites.
Chico Buarque escritor???? essa foi a piada do ano.
“[…] e emprega suas artimanhas de fato/ficção para produzir um final que, meses depois, ainda não me saiu da cabeça.”
“Budapeste”, ainda não li. Mas gosto do Buarque escritor; “Gota d’água”, com Paulo Pontes, é um livro absurdo! Agora, Bernardo Carvalho se tornou, com “Nove noites”, um daqueles escritores que quero ler tudo, até não existir mais nada. As palavras que copiei traduzidas por você dizem exatamente aquilo que penso de Carvalho.
Achei bonito isso; ‘Brazil’ crescendo. Pra depois não virem falar que não existe boa literatura na contemporaneidade!
concordo com ele.
li ambos os livros e acho-os maravilhosos em suas próprias caracteristicas.
Nove Noites é sincero, duro, divertido e muito, muito diferente.
Budapeste é uma delírio delicioso partindo da idéia de se apaixonar por um idioma. é lindo.