Escritor multifacetado que gabava-se de reescrever pouco e não saber o que era bloqueio criativo, prolífico articulista de esquerda que nunca se prendeu a dogmatismos partidários, cidadão do mundo de modos aristocráticos, professor universitário e “elegante intelectual público”, segundo o obituário do “New York Times”, Carlos Fuentes morreu ontem deixando uma obra vasta mas, tudo indica, menor que seu papel histórico como agitador do chamado boom latino-americano.
Profundamente identificado com a cultura mexicana, embora nascido no Panamá, Fuentes foi o primeiro dos autores do boom – que nos anos 1960 e 1970 conquistou leitores nos quatro cantos do mundo para a literatura do continente – a expressar como ensaísta, ainda nos anos 1960, autoconsciência sobre um movimento que tinha como combustível, em doses iguais, talento e marketing. Fez pelo arcabouço ideológico e pelo instinto gregário do realismo mágico o que a agente literária espanhola Carmen Balcells fazia por suas estratégias comerciais.
Como costuma ocorrer com agitadores culturais, Fuentes não figura, porém, entre os nomes de maior potência artística do movimento. O colombiano Gabriel García Márquez, que ainda não se pronunciou sobre sua morte, e o peruano Mario Vargas Llosa – que o fez ontem no calor da hora, ainda que dando certa impressão de medir elogios, aqui – já ocupavam tais posições antes mesmo de terem recebido o prêmio Nobel.
“Minha primeira impressão intuitiva”, declarou ao jornal “La Vanguardia” o escritor hondurenho Julio Escoto, “é que a Academia Sueca lhe abreviou a vida ao não lhe outorgar o prêmio Nobel do ano passado.” Algo que, depois de haver premiado Vargas Llosa em 2010, ela não poderia fazer por um bom punhado de anos, segundo seus próprios critérios de diversificação geográfica e cultural – e que por isso mesmo o autor de “A morte de Artemio Cruz” dificilmente estaria esperando. Se decepção tão mortal houve, ela ocorreu em 2010, quando foi anunciado o prêmio para o peruano.
A Bolsa de Valores da literatura sempre estará sujeita a violentas e muitas vezes imprevisíveis oscilações, mas hoje parece justa – e majoritária na América Latina – a impressão de que desta vez o Nobel apostou certo.
5 Comentários
Substantivo Plural » Blog Archive » Fuentes: acima de tudo, agitador cultural do ‘boom’
Uma grande perda para a literatura latino-americana. Julio Escoto não deixa de ter razão, foi mais um grande escritor que morreu sem receber o Nobel. Enquanto isso, a lista de laureados do Nobel de literatura está cheia de mediocridades e de ilustres desconhecidos, premiados por critérios políticos, talvez. Quantas pessoas já leram os laureados Giorgios Séferis, Salvatore Quasimodo, Jacinto Benavente, Carl Spitteler, Elfried Jelinek?
Também fiquei com a impressão de elogios medidos, ao ler o pronunciamento do Vargas Llosa.
Seferis e Quasimodo são poetas GIGANTES, faça-me o favor. Seferis especialmente teve um grande impacto na poesia norte-americana. Spitteler está esquecido mas tem uma obra interessante – datada, é verdade, mas interessante (Manuel Bandeira o traduziu, aliás). Quando ele ganhou o Nobel o prêmio não tinha o mesmo peso que tem hoje em dia.
Elias Canetti era basicamente desconhecido do público leitor quando ganhou o Nobel, mas era um gigante. Ganhou por “razões literárias”, imagino.
Gênio da narrativa, Fuentes não foi o primeiro nem será o último latinoamericano a morrer merecendo o Nobel de Literatura. Quem não lembra do genial Jorge Luis Borges?