…as conversas sobre literatura, mesmo entre o público mais culto e esclarecido, raramente ultrapassam variações de diálogos do tipo “E aí, já leu o LIVRO X, do AUTOR Y?” “Claro, bom à beça. Gostei muito.” “Bacana, né? Agora já comecei o LIVRO Y, achei o início sensacional.” “De quem é esse mesmo?” “Do AUTOR X, primeira tradução direto do original, saiu pela coleçãozinha nova, aquela, da EDITORA Z, com as capinhas aquelas.” “Ah, claro. Claro. Tinha lido a resenha do RESENHISTA A no JORNAL B. Tenho que comprar esse aí também, mas a grana tá curta.”
Sob o risco de minha memória estar sendo deformada por sentimentos nostálgicos, acho que na adolescência eu tinha muito mais conversas longas e profundas sobre livros com meus amigos do que hoje, agora que já publiquei livros e trabalho praticamente só com coisas relacionadas a literatura ou mercado editorial.
Em seu blog, Ranchocarne, o escritor gaúcho Daniel Galera – autor de “Mãos de cavalo”, desde já um dos livros brasileiros do ano – fala da sensação de que a qualidade da leitura vem caindo à medida que aumenta a velocidade com que novidades literárias são lançadas e substituídas no foco de interesse de um público numericamente ridículo. Galera está falando da leitura em geral e não apenas da dele – o que poderia ser atribuído com algum cinismo ao seu ingresso na idade adulta. Vale a pena ler o texto inteiro. A generalização é perigosa, como todas, mas alguma coisa nessa conversa faz muito sentido. Só não sei dizer ainda exatamente qual.
Acho que preciso ler mais.
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Sérgio, eu sempre achei que a sensação era coisa minha, ou sinal da minha própria idade, mas ao ouvir o Furio Lonza (que está algumas geraçôes à minha frente) falar do assunto de forma tão contundente em Londrina, concluí que o fenômeno era mais geral. Não tenho muitas certezas sobre o assunto, mas no meu post eu falo por mim: sinto necessidade de combater essa ansiedade de consumir tudo que “deve” ser lido. Quero lidar saudavelmente com o excesso de livros, não transformando minha vida de leitor numa sucessão de atropelamentos.
Tenho uma sensação parecida, caro Galera. Tanto que achei interessante trazer a discussão que você lançou no seu blog para cá. Minha dúvida é: será que pessoas que não lidam com livros profissionalmente sentem isso também? Não sei. Mas que as discussões sobre literatura andam rasas e chatinhas como nunca, acho que não resta dúvida.
Acho que emburrecer não seria a definição certa… acho que é mesmo uma inquietude, daquelas de criança que ganha 10 brinquedos e acaba não aproveitando nenhum.
Sérgio e Galera, entendo perfeitamente o que querem dizer, mesmo que em parte. Creio que a literatura seja a expressão de arte que mais perdeu espaço na última metade do século XX, justamente por ser naturalmente oposta a esta espécie de “síndrome da velocidade” pela qual passamos, principalmente nos grandes centros urbanos. Com isso, a literatura tem tido que disputar espaço com outros suportes de informação mais modernos que, via de regra, tem como maior diferencial a rapidez e agilidade em se passar uma determinada mensagem. Este panorama “empreguiçou” as pessoas, que preferem ler duas linhas objetivas a dedicar mais tempo a leituras mais densas e profundas, a refletir sobre as entrelinhas de um novo romance ou a simplesmente apreciar a língua por si só. No meu modo de ver, a boa literatura perdeu tanto espaço no cômputo popular quanto o excelente cinema que se fazia (principalmente na Europa) nos anos 40, 50 e 60. E isto é triste: produzimos ainda muita literatura e cinema. No entanto, a maior parte destina-se ao divertimento inócuo, e não ao crescimento pessoal e aperfeiçoamento do intelecto. Busco a maioria das minhas leituras, das minhas músicas favoritas e filmes prediletos no passado e, garanto, não há nada mais frustrante do que reconhecer que sua própria geração não mais valoriza o que de melhor o ser-humano teria para produzir.
Isso já me passou também pela cabeça, mas francamente fico em dúvida a respeito de minhas memórias da adolescência. As discussões eram mais profundas, ou era simplesmente mais AFETADAS?
Se for tomar como exemplo as discussões sobre arte feitas pelos movimentos de vanguarda contidas no livro “Assalto à Cultura”, de Stuart Home, por exemplo, parece que não temos nada a lamentar em nossa época. Aquelas discussões eram tão rasas quanto as nossas, apenas mais afetadas, hiperbólicas e cheias de referências para fazer o enunciador parecer culto ou radical.
O miserê argumentativo me parece manter níveis constantes através dos tempos.
Eu acho que já fomos mais profundos, sim. Ou, ao menos, mais interessados em buscar a profundidade. Estamos em acelerado processo de desaprendimento. Qualquer dia desses só nos comunicaremos por monossílabos. Triste fim.
A “profundidade literária” foi embotada pelo “brilho televisivo. Literatura requer atividade mental e a tv recomenda passividade física e existencial. E infelizmente tenho de me aliar ao bloco pessimista aí em cima.
é muito difícil não reproduzirmos na literatura o que o próprio mundo em que estamos inseridos faz o tempo inteiro – o novo-o-novo-o-novo e consome-se-consome-se-etcs.
de qualquer maneira, a consciência sobre essa própria propulsão que nós mesmos ajudamos a impulsionar é fundalmental para qualquer mudança e nisso é muito bom ler os 2 textos (vim do site do Galera).
beijos
Concordo inteiramente com quem disse que lemos menos, discutimos menos, e nos aprofundamos menos.
A minha experiência de adolescência e juventude é de ter lido muito, porque tinha vontade, uma curiosidade incrível e tempo. Posteriormente, quando minha profissão me exigiu demais em todos os sentidos, inclusive leituras técnicas muito sérias, longas e exaustivas, praticamente desaprendi a ler. Foi por um triz, salva pela poesia quando o gongo já ía soar.
Os amigos que gostavam de ler e discutir como eu foram cada um para um lado do mundo, cada um para o seu mundo particular. Meus amigos da fase adulta não gostam de ler, não têm tempo de ler literatura, e parece que nesses novo tempo, um dia parece ter bem menos de 24 horas, sei lá, é tudo muito corrido. Tudo é para ontem e as pessoas já dizem “fui”, entendem?
Escrevo isso porque o tema me é caro, e por coincideência estou lendo “As Obras Primas Que Poucos Leram”, organizado por Heloísa Seixas, com artigos de Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos e Carlos Heitor Cony, escrevendo sobre livros e personagens de “Crime e Castigo”, e “Madame Bovary” por exemplo. Se me falta a discussão, então quero ver o que eles tem a dizer sobre essas e outras obras, várias que li, outras que não li.
Falando muito sinceramente, atualmente não conseguiria ler um livro de 600 páginas, isso só na minha juventude eu pude fazer, e ainda bem!
Procuro ser super seletiva no que me interessa naquele momento, para que eu obtenha maior prazer no que leio. Um escritor que está na minha mira para ser relido é Jorge Luis Borges. Bons sonhos.
Acho que a questão aqui não é o velho embate literatura x televisão. Nem tampouco literatura de entretenimento x literatura de “crescimento”, como disse alguém aí. Acho que a reflexão aqui diz respeito à nossa postura diante de um mercado editorial tão pequeno quanto perdido.
O volume de livros lançados no mercado editorial é impressionante. Só a Record lança um livro por dia útil. A Cia. das Letras lança também uns bons vinte livros por mês. É muita coisa. Uma imensidão de livros. Mesmo se descontarmos as porcarias, há pelo menos dois ou três livros que temos vontade de ler por mês.
Mas quem consegue? Mesmo que se tenha dinheiro para tanto, não é possível absorver tanta produção. Mas aqui já me perco. A questão não é absorver a produção, e sim como desfrutar melhor dela.
O Daniel Galera deu o exemplo de um livro que ficou saboreando durante quatro meses. Uau! Não me lembro da última vez que fiquei tanto tempo sobre o mesmo livro. Pior para mim, claro. Tenho certeza, hoje, de que perdi a oportunidade de ler com cuidado muitas obras que contabilizei como lidas. E por quê? Pode-se pensar, claro, em afetação. É uma hipótese. Mas, sem querer ser auto-condescendente, penso que era mais por ansiedade mesmo. Uma vontade louca de fazer a fila andar.
Hoje sinto os efeitos desta leitura rápida, desordenada, precipitada, ansiosa. É difícil um livro que fique muito tempo em minha cabeceira, sendo saboreado. Mesmo os melhores livros, como Reparação, do Ian McEwan, tenho a impressão de que os li rápido demais.
Como leitor, é razoavelmente fácil resolver este problema. Desacelerar é a palavra-chave. Conter a ânsia. Sobretudo a ânsia por novos escritores, como Daniel Galera. Ler não como se cada dia fosse o último, como querem os hedonistas, e sim como se restassem ainda muitas centenas de anos para se ler dez ou vinte vezes Guerra e Paz.
(escrevi demais).
Daniel Galera tem razão em achar que os comentários sobre literatura caíram a um nível baixíssimo. E há muitas razões para isto, mas duas são mais significativas: o “jornalismo literário”, que excluiu quase completamente a figura do chamado “crítico”, em benefício do noticiarista que repete os “releases” das editoras; e, principalmente, a má qualidade geral da literatura que se produz hoje em dia no Brasil. A última época de ouro da literatura nacional se deu nas décadas de 40 e 50 do século passado (Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Murilo Rubião, Campos de Carvalho, Fernando Sabino, João Cabral de Melo Neto, etc., etc.,). Depois disto é uma descambada morro abaixo, a ponto de ter gente que considere autores como Chico Buarque ou Ana Miranda como figuras merecedoras de serem lidas… Na realidade, será que posso comparar “Ópera do Malandro” com “Boca de Ouro”, ou “Boca do Inferno” com “A Paixão Segundo G.H.”? As duas primeiras obras destas díades só podem merecer mesmo um “bacana, né”, de um leitor pouco afeito à leitura – as segundas só teriam a reação de um bocejo… se chegarem a ser lidas. Não é a velocidade dos tempos modernos que prejudica a leitura – são antes a falta de costume e, pior que tudo, a falta de material de qualidade para ler. (Não sei exatamente porque mas esta discussão me fez lembrar um filme que vi tempos atrás, “Balzac e a Costureirinha Chinesa”, no qual a qualidade do material de leitura é fundamental, mesmo numa situação quase sub-humana.)
Não acredito nessa história de que hoje somos menos profundos que antes. Há livros maravilhosos saindo a todo momento; é só buscar, que se encontra. Estamos num mercado mundial; se falta aqui, importa. Encomendar na Amazon sai muitas vezes mais em conta do que comprar numa livraria daqui. Literatura é um ato solitário: ler; escrever. Fazemos isso sozinhos. E escolhemos sozinhos aquilo que queremos ler. E gosto do excesso de livros. Há narrativas para todos os gostos. Também não creio que os críticos são ignorantes. Na verdade acredito que os editores que têm responsabilidade nisso. Eles querem em uma semana que se escreva resenhas sobre Faulkner, Musil, Nooteboom porque senão o livro envelhece. A resenha precisa de um tempo de maturação que os editores, na imensa maioria das vezes, não permitem. Falo isso porque sou crítico e sinto que no mercado de idéias muitas vezes é mais valorizado quem tem texto ágil do que aquele que possui mais o que dizer sobre esse e aquele livro. E não importa se o livro é bom: saiu da mesa de lançamentos, não interessa mais… Se o suplemento é ruim as pessoas se esquecem de que alguém permite a publicação daquele texto, e esse alguém se chama editor e cria as pautas e determina o tom do caderno. Os críticos levam na babeça por algo que, muitas vezes, nem é responsabilidade deles.
Gosto da situação editorial de hoje. A única coisa que me incomoda MUITO é a hegemonia do mundo de expressão inglesa no mercado de traduções. Há coisas boas sendo feitas em outras latitudes, e creio que muitas vezes as editoras preferem publicar o regular americano e inglês do que arriscar traduzir um grande autor novo alemão ou sueco, húngaro. Se algo está deformando a leitura nacional é a falta de versatilidade das editoras no campo das traduções. A crise não é do romance, mas do excesso de romances. E daí? São sempre poucos os grandes autores mesmo; fica até mais estimulante encontrar no meio dessa selva aquilo que verdadeiramente vale a pena ler.
O Galera está certíssimo. E muita gente que comentou aqui também. É complicado, quando se é um “viciado” em livros, digerir tudo. E as discussões em torno deles é altamente superficial. É por isso que me assombro (no bom sentido) cada vez que encontro alguém disposto a conversar – de verdade – sobre literatura. Aconteceu isso comigo no último domingo. Trabalhando na eleição, uma garota que trabalhou comigo falou de “O incidente em Antares”, do Érico, e de outros livros, mas não apenas “falou”; ela comentou, fez “pequenas análises” do livro. Na conversa acabei citando o livro do Galera, falando da literatura contemporânea, enfim, uma boa conversa. Mas interlocutores assim andam em falta. Encontramos alguns na rede, e só.
Ah!: ainda bem que vai ter segundo turno. hehehe
Ufa. Li tudo aí em cima, nem sempre com a atenção que mereceria, afinal de contas estamos discutindo a superficialidade dos leitores e leituras. Vim até aqui porque quero muito dizer algo, mesmo que soe chinfrim. Mas já vou adiantando que, apesar de editoras como a Record publicarem 1 livro por dia, tem muita gente boa que fica de fora porque lhes falta fôlego para assomar de dentro da “pilha”. Bom. E porque não dizer, muita coisa ruim de apelo popular óbvio, aposta certa de receita. (pelos motivos acima enumerados blablablá, blablablá)
O que eu quero mesmo acrescentar é o seguinte. Como leitora e escritora aspirante a prateleira tenho lido muito e gostado de pouco. Acho que a literatura tem escorregado num excesso de formalismos e contemporanealismos (bem sei que tal palavra não existe) e, no entanto, se ressentido de uma ausência fundamental: alma.
Por conta disso desisti recentemente de um livro que eu estava, sinceramente, até curtindo, esse “Por acaso” de Ali Smith. A coisa é interessante, criativa e ousada porém… vazia vazia. Caí num relato autobiográfico de Dorothy Gallagher e, finalmente, mergulhei. Notem bem, não é alta literatura, longe disso, mas envolve pela humanidade e pela honestidade do approach.
Acho que a literatura precisa é disso: mais humanidade e menos formalismo. É o que acontecia com os grandes de antigamente, mesmo que a gente custe a se dar conta disso enquanto se afoga em novidades efêmeras.
Eu já trabalhei na Livraria da Travessa, aqui no RJ, e nada me aborrecia mais do que o “papinho” sobre literatura. Escritores incensados, livros que devem ser lidos, e um arremedo de paixão fabricada. As melhores conversas sobre literatura ainda são as de botequim, influenciadas pela embriaguez, na maior parte do tempo só ouço mesmo “papinho” de gente que não vai fundo em nada.
Creio que os comentários aqui contrariam o tema deste post: foram os melhores comentários sobre literatura que li nos últimos tempos, no comments deste blog.
abrs,
Tendo a comcordar com o Vinicius. Até entendo a aflição do Galera, mas acho que acana sendo meio nostálgica (no mau sentido) essa crença de que as discussões profundas foram as que se passaram. Não seria, talvez, porque os debates de outrora e que perduraram eram os mais relevantes, e um tanto mais de besteiras ficaram pelo caminho?
Com uma coisa sou obrigado a concordar: a “releasezação” das resenhas. Mas esse é um fenômeno que infelizmente atinge a todo o jornalismo. Graças ao nosso querido departamento de marketing, sabe-se hoje que o leitor gosta mesmo é das páginas de serviços e dos cadernos de saúde, gastronomia etc. Na verdade, o que mais gera manifestações é errar as palavras-cruzadas.
Os donos de jornais não são bobos. Diminuem as páginas de crítica, essa “coisa chata que só interessa a poucos” – o que é verdade mesmo, o que não legitima a ausência – e atocham imbecilidades. Ao mesmo tempo, os salários ridículos fazem com que os repórteres mais inteligentes migrem para outras áreas, onde podem ganhar mais. E, claro, a necessidade de cumprir diversas pautas diárias por causa da busca por maior “eficiência” nas redações impede que se tenha tempo de pensar em qualquer coisa antes de escrever uma matéria.
Enfim, poderia ficar nisso pelo resto da vida.
Felizmente, a internet nos salvou: hoje pode-se acessar boas publicações de qualquer ponto do mundo, de graça.
Acho que há um componente de perplexidade saudosista sim na manifestação do Galera, mas ela provocou uma discussão interessante. Acho que há mais do que simplesmente a superficialização a ser abordada. O hábito de ler tem caído sim em desuso, e eu não digo que isso é um problema de hoje. Sou mais velho que o Galera, por exemplo, e, sinceramente, considero que ele teve sorte em discutir muita literatura quando era adolescente, porque nessa época meu problema não era ter poucos interlocutores, era não ter nenhum, meus vizinhos e colegas de escola queriam falar de jogos da Atari e de música.
Ou seja, a experiência da leitura para mim sempre foi… menos comunitária e mais pessoal, então talvez isso afete inevitavelmente minha opinião aqui. Há, acredito, duas coisas a ponderar, apenas para contribuir para o debate e menos para chegar a uma conclusão: hoje se fala muito de tudo, as pessoas se expõem demais e, de forma geral, falam muito pouco sobre o que é fundamental. A leitura toca em questões absolutamente pessoais, para além de qualquer aparato crítico. E muitas vezes aí está uma dificuldade de se aprofundar uma discussão, porque é aprofundar não apenas o que no livro chamou a atenção do leitor, mas sim que camadas de experiência ddo leitor foram atingidas pelo ato de ler aquele livro específico. Leitura é, mais do que ler, ruminar.
A segunda é que talvez o Sérgio tenha razão em apontar o fato de que leitores profissionais, seja porque são jornalistas, escritores, resenhistas, tradutores, talvez tenham sim essa dificuldade de conseguir uma interlocução e de azer uma leitura aprofundada justamente porque trabalham com isso e estão expostos mais abertamente a essa maré – que não é apenas a do mercado editorial, é a voragem de nosso tempo. No recente Dentro da Baleia há uma frase mravilhosa de George Orwell sobre isso: “Até começar a lidar com livros profisisonalmente, você não se dá conta de quantos deles são ruins”.
No demais, concordo com o que disse o Träsel a respeito da afetação – muitas vezes facilmente confundida com profundidade.
Abraço.
Estranhei ninguém ter citado o computador pessoal, até agora, como um dos causadores da queda de índices de leitura.
Quantas noites trocamos a leitura de um livro, no sofá ou até na cama, pela madugada adentro em cima de um teclado, lendo e “escrevendo”?
E aí se explica a leitura cada vez mais rápida, mais resumida. Não deveria ser mais rasa, porém…
O Vinicius falou uma coisa interessantíssima: “Na verdade acredito que os editores que têm responsabilidade nisso. Eles querem em uma semana que se escreva resenhas sobre Faulkner, Musil, Nooteboom porque senão o livro envelhece. A resenha precisa de um tempo de maturação que os editores, na imensa maioria das vezes, não permitem”.
Tanto os editores, com a voracidade com quem lançam os livros (o Paulo fez uma colocação boa sobre isso também: “Mesmo se descontarmos as porcarias, há pelo menos dois ou três livros que temos vontade de ler por mês”) quanto os jornais, com o pouco espaço que dedicam aos livros, têm culpa no cartório. Como você pode oferecer uma análise aprofundada de um livro que acaba de sair se a resenha precisa estar pronta, sei lá, quatro ou cinco dias depois que você recebe o livro? Isso não existe. Você acaba ficando no superficial. E a discussão morre ali, a resenha e só. O certo seria que meses depois, com mais maturidade e releitura, nós nos voltássemos ao livro e oferecêssemos uma leitura mais densa. Ora, era o que se fazia nas décadas de 40 e 50.
A gente vê aqueles ensaios maravilhosos de Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, Antonio Candido e Paulo Rónai sobre, por exemplo, Graciliano Ramos. Hoje Graciliano é um clássico, é mais “fácil” dissecar um livro dele (porque já possuímos uma visão mais madura sobre ele; por outro lado, já há tanta interpretação que fica difícil encontrar coisa nova pra dizer, mas no Rascunho de agosto tinha alguns textos excelentes sobre Angústia). Mas lembrem que naquela época Graça ainda estava vivo. Sua obra estava sendo explorada durante a sua carreira. Por isso é importante não perder a vista do que vem sendo produzido neste momento.
É claro que desacelerar seria o ideal. Mas é complicado, com toda essa avalanche de informação e material sufocando a gente todo dia. Talvez a questão seja que a leitura é uma atividade completamente inadequada hoje em dia. É algo que precisa ser feito com calma, cuidado, com atenção para as entrelinhas. Como fazer isso em uma época em que o dia hoje deve passar duas ou três vezes mais rápido do que há algumas décadas? A gente acaba sentando no computador, entra numa discussão como essa e quando vê o dia foi embora. Talvez homens como Carpeaux e Edmund Wilson até lessem os livros em poucos dias. Mas como o cotidiano deles era bem menos intenso, eles lessem com um cuidado que já perdemos.
E outra coisa que já disseram: Galera, você tem sorte se encontra (ou encontrou) bons interlocutores. Eles são raros.
Ler é coisa de viado.
Abração, Galera.
Ler é coisa de viado.
Hmmm!
Ainda é difícil para os filisteus entenderem que literatura é uma profissão como outra qualquer. Aliás as artes em geral.
E é uma profissão… de fé. Exige dedicação quase exclusiva e requer diciplina espartana. Não tem relógio de ponto nem exigência de prazo.
Primeiro o se enfrenta o papel em branco, no decorrer do trabalho a pergunta “para-quê estou-fazendo-isso” que é uma pergunta desgraçada de enfrentar.
Isto ocorre tanto com bons artistas quanto com os aclamados como ruins, já uma outra discussão e ainda não conhecemos a História da Arte dos Ruins.
Melhor é entrar para um emprego qualquer, seguir o horário, fazer o que é para ser feito e voltar para casa.
E ainda tem gente que faz as duas coisas. Tem emprego, e, continua trabalhando quando em seus textos, pinturas, esculturas, partituras, roteiros ou seja lá qual o ramo da arte que faz.
E o pior: tem gente que é amante desta turma. Lêem os infelizes. Vão à exposições, compram livros, CDs, gravuras por que pintura tá caro.
Gente mais esquisita esta.
O artista se compraz quando encontra o cientista. Este tem a aclamação pública pois produz um bem. Mas se não forem filiados à pesquisas pagas para gerar resultado X sofrem o mesmo dilema.