Quando ele fez o velho sinal de pedir a conta rabiscando o ar, o garçom – um sujeito alto e branquelo, cabelos vermelhos cortados à máquina – se aproximou com um sorriso amplo e disse:
– Como tu adivinhou que eu escrevo?
E em vez da conta pôs em suas mãos um manuscrito pesado, com encadernação em espiral, chamado “Carnificina”. Antes de se retirar, acrescentou:
– Sou um escritor gaúcho.
Claro, ele pensou, nada mais apropriado. Você vai jantar numa churrascaria em São Paulo e o garçom é um escritor gaúcho. Estava decidido a não tomar o ansiolítico – não ainda. Atraiu outro garçom, desta vez tendo o cuidado de se expressar verbalmente:
– A conta!
Foi então que viu entrar na churrascaria aquele famoso escritor gaúcho de meia-idade, feio como poucos, acompanhado de uma mulher jovem e bonita. Ouviu quando o casal da mesa ao seu lado comentou:
– Viu quem chegou?
E discerniu no sussuro dos dois os nomes estrangeirados do escritor de meia-idade e de uma jovem escritora gaúcha emergente cuja cara ele não conhecia, embora, por dever de ofício, já a tivesse lido – não era má. Sem se dar conta, acompanhou os recém-chegados com os olhos até que eles se sentaram nos fundos do salão e foram saudados festivamente por uma mesa vizinha, uma mesa comprida onde só então ele reconheceu o maior escritor gaúcho vivo, que sorria com ar tímido, e outros sete escritores gaúchos de idades e sexos variados, incluindo o mais…, aquele que fundou a… e a que venceu o…, além daquele outro que se…
Decidiu que era chegada a hora do ansiolítico: engoliu o comprimido com o último gole de chope, pagou a conta e saiu.
Na porta, viu um gaúcho repreendendo o maître por não lhe arranjar uma mesa:
– Como assim, lotado? Tu fique sabendo que eu sou o melhor escritor dos últimos…
Saiu correndo e se jogou dentro do primeiro táxi parado na esquina. Só então, irritado, se deu conta de que ainda tinha nas mãos o manuscrito do garçom. O motorista o encarou pelo retrovisor e disse:
– Escritor?
Era um cara moreno de nariz comprido, barba por fazer. Com seu cabelo preto penteado para trás das orelhas e sua camiseta sem mangas, parecia um anarquista italiano de filme.
– Não – tartamudeou. Fez a bobagem de acrescentar: – Crítico.
O anarquista de filme ficou muito sério, abriu o porta-luvas e lhe estendeu um gordo envelope pardo.
Acuado no banco de trás, ele gemeu:
– Gaúcho?
O motorista sorriu, um canino de ouro brilhando à luz fria dos postes.
19 Comentários
! ! ! ! ! ! ! muito bom! ! ! ! ! !
Mais um para o livro? Merecia!
Como gaúcho, eu gostaria de saber o seguinte: posso te enviar uns originais para dares uma olhada?
tito, digas: aproveitando o ensejo…
Muito bom, e muito bom o Tito.
Já houve época em que a praga da vez era(m) os contistas mineiros…
Muito bom!
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Hhhahahha. Ri com gosto desse. 🙂 Não sei se era para chorar, mas é bom começar um sábado de sorriso largo, né não? Abss! Muito bom o texto, Sérgio.
ps. que tal uma conta no twitter em 2010, hum? Tem papos que rolam lá que ficariam mais interessantes com a sua opinião.
Esse é um daqueles textos que você acaba de ler e fala espontâneamente: muuito boooom!
muito bom… mesmo…
É, os efeitos colaterais da alfabetização são terríveis.
muito, bom mesmo! reconheci uns quinze ou desesseis pelas dicas
sobre os livros, dentro dos livros: tua literatura estufa meu peito.
o empate pode ser muito bom para a equipe do internacional
o inter prescisa de velocidade para os contra atacs
o dálessandro tomando amarelo !! shahsahsahs
Eric Novello » Blog Archive » TodoProsa
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