A tradução literal de investment grade por grau de investimento, embora ligeiramente desajeitada à primeira vista, não chega a soar estranha a nossos ouvidos lusofônicos porque a idéia de grau como nota que se tira numa prova está presente na linguagem comum, e no fim das contas trata-se disso mesmo – um conceito, uma posição em determinada escala de valores. No exame da banca financeira internacional, o Brasil foi bom aluno e deu mais um passo à frente, subiu um degrau, credenciando-se a uma recomendação firme de investimento. Não faltará quem considere a metáfora escolar um tanto humilhante para um país soberano. Paciência: assim caminha o mundo globalizado.
Esse grau, no fundo, não é outro senão aquele que se usa para escalonar vários sistemas de medição – da temperatura à proximidade em relações de parentesco, do teor alcoólico das bebidas à potência das lentes dos óculos. O que muda, naturalmente, é o contexto, o sistema. Em todos eles, porém, o grau corresponde sempre a um passo da escala. E é exatamente do sentido de passo (gradus em latim) que a palavra vem.
A presença de gradus em nossa língua é robusta, embora nem sempre se deixe detectar a olho nu. Evidente nas palavras degrau, gradação, gradual, graduado, torna-se menos óbvia, mas ainda sensível, em vocábulos como degradável e retrógrado. Muito mais difícil é detectar a semente de gradus, deformada por processos morfológicos variados, numa lista de palavras de uso corrente: progresso, congressista, ingresso, agressivo e digressão, entre outras. Mas a semente está lá. Na origem de todos esses vocábulos existe a idéia básica de grad-, de passos que alguém dá à frente, atrás ou de lado – para acercar-se, distanciar-se, esquivar-se, interpelar. No caso do grau de investimento, não cabe dúvida quanto ao sentido progressivo da caminhada.
Publicado na “Revista da Semana”
3 Comentários
Quando leio e escuto peesoas usarem “de … a …”, pergunto-me se tal construção tem coerência. “do teor alcoólico à potência de óculos”, há gradação (sem intenção de trocadilho) entre coisas tão díspares?
PS: Sérgio, tudo o sucesso do mundo para você no IG. Sou leitor diário de seus textos. Por favor, mantenha a coluna “A palavra é”. Abraços e felicidades!
Caro Francisco, obrigado pelos votos. Fique tranqüilo, A Palavra É não corre o menor risco. Quando à questão que você levanta: não há gradação, é claro. Trata-se de um modo consagrado de expressão, uma forma alternativa de fazer enumerações: subentende-se que entre um elemento e outro haja outros exemplos – como de fato há inúmeros, neste caso. Exigir lógica cartesiana de expressões e construções desse tipo é o mesmo que sustentar, analisando palavra por palavra, que “antes de mais nada” quer dizer “em último lugar” (antes de nada = depois de tudo), quando qualquer criança entende que significa o contrário. Um abraço.
Parabens Sergio, que bom que agora estarás todos os dias.
Um abraço e muito sucesso.