O escritor moveu o dedo indicador e apagou o último arquivo com o último vestígio de sua extensa obra inédita. Levantou-se e andou até a janela. Nono andar.
Abriu a janela e, uma perna depois da outra, sentou-se no parapeito de frente para a rua, sem olhar para baixo. Olhou, em vez disso, para a janela do vizinho da esquerda. Esta tinha uma floreira onde adejava um beija-flor minúsculo, de bico longo e curvo, pretinho com umas pinceladas branco-fosforescentes na cauda.
Voltou ao computador e iniciou imediatamente uma nova obra. Foi salvo por aquele passarinho. Um beija-flor minúsculo, de bico longo e curvo, escreveu. Uma obra voltada para a beleza.
Esta foi igualmente extensa e também ficou inédita até sua morte por peritonite, trinta e sete anos depois, e por toda a posteridade.
4 Comentários
Que bom… que bom…
Foi lindo o beija flor adiar a vida…
Mas precisava da peritonite????
Já sei… é que os escritores pós contemporâneos não podem ser românticos, né?
Mas os pré-apocalipticos, DEVEM. De fato. Creia. Romantismo sem roma na eira é amor purinho…
Depois do comentário da Rosângela, joguei peritonite no google. E pergunto: se ele escreve, já não é por si só alguma espécie de romantismo? Será que não há algo de romântico em todos aqueles que buscam a ficção, mesmo nos mais antiromânticos?
Hum, Vinicius! Taí! Voce venceu! Gol!
O Sergio escreve apocalipticamente romantico. ( O note aqui está sem acento…)
E se ao invés do beija-flor, tivesse ele visto um corvo?
Faria um poema tão belo e lúgubre quanto “The Raven”?