O que é, o que é? Nunca some por completo, corroendo devagarzinho nossas riquezas, mas só lhe damos atenção quando ameaça fugir ao controle e pôr a casa abaixo? É curioso que a inflação, mesmo tendo semelhança com uma colônia de cupins, seja representada por bicho tão diferente, o dragão, num dos mais vigorosos lugares-comuns da linguagem jornalística. O monstro mitológico é tudo o que o cupim não é – imaginário, gigantesco, espalhafatoso. Mais adequado para representar a hiperinflação, estado agudo em que o valor da moeda vira pó e a vida econômica, pesadelo, o dragão parece tirar sua força deste alerta: cuidado, a qualquer descuido o caos pode se instalar.
A convivência do Brasil com a inflação, que já foi íntima, tornou-se mais distante depois que, em 1994, o Plano Real a reduziu a níveis internacionalmente aceitáveis. Mesmo quando ela não saía do noticiário, pouca gente se dava conta de que a palavra, do latim inflationis, é parente do verbo inflar, isto é, encher(-se) de ar. O primeiro sentido de inflação em português foi registrado no século 16 e tinha contornos médicos: inchaço, intumescimento, dilatação. No século 18 surgiu o significado expandido de vaidade ou soberba, sentimentos que a linguagem figurada sempre tratou como capazes de “inflar” o cidadão.
Hoje dominante, a acepção econômica é relativamente recente: o Houaiss afirma datar de 1926 seu primeiro registro em português. Embora tenha raiz latina, a inflação como nome de um processo econômico nasceu nos EUA na primeira metade do século 19 (inflation) e daí se espalhou pelo mundo. A história não registra a primeira pessoa a usar o que era então uma figura de linguagem: o “inchamento” dos preços e do volume de moeda em circulação. Como ocorre sempre que, de tão precisa, uma metáfora cai nas graças do povo, ela logo deixou de ser metáfora.
Publicado na “Revista da Semana”
5 Comentários
Atualmente tem gente que jura que no governo do povo não tem inflação…
Eu só queria saber mesmo então porque diabos meu dinheiro não compra as mesmas coisas que comprava um ano atrás… ou é inflação ou é meu dinheiro que desvalorizou, já que não tem inflação, né?
E olha que não sou de gastar com besteiras…
Sérgio, como está! Gostei da página nova! bjs
A inflação continua sendo o dragão que cospe fogo. De qualquer forma, nossa vida está muito mais civilizada com o Real. Agora, feijão a 7 paus, se não é inflação, das bravas, não sei o que é….
O interessante é que os ‘grandões’ insistem em colocar panos quentes nisso. Meu Deus, eles não se cansam…
É de uma facilidade tremenda acabar com este bicho. Simplismente o povo que não comia(consumia) ou comia bem menos, volte ao estado de dantes…parem de comer iogurte, para que seu preço não assute quando eu for ao supermercado.