As possibilidades democratizantes da internet estão acelerando a degeneração da esfera pública numa proliferação de nódulos insulares, cada um combatendo uma guerra que nunca poderá ser vencida. Não se vencem nem se perdem batalhas na rede. O que resta é uma política solipsista de EU, EU, EU: meus pontos de vista, minhas verdades, meus fatos, minha dor, minha raiva. Convencer os outros e mudar o mundo ficou esquecido em favor da perpetuação da perspectiva individual.
O artigo escrito a quatro mãos por Keith Kahn-Harris e David Hayes para o Open Democracy (em inglês, acesso gratuito) parte da guerra virtual que Gaza acirrou, mas acaba tocando em alguns pontos que dizem respeito aos “debates de idéias” em geral na internet. Quem ainda não sentiu um profundo desalento e achou que perdia seu precioso tempo diante de uma discussão internética típica, ou seja, tão cheia de ofensas e certezas inabaláveis de parte a parte quanto vazia de argumentos? Mesmo aqui no Todoprosa, com suas taxas de civilidade muito acima da média, de vez em quando temos uma amostra do que parece ser uma – paradoxal? – vocação do meio para os múltiplos monólogos paralelos.
A solução? Sei lá. Só não acredito que seja a de submeter as caixas de comentários a uma moderação estrita ou mesmo acabar com elas, como os autores do artigo acima chegam a sugerir. Prefiro acreditar que o evidente fascínio dos leitores com sua própria voz acabará encontrando naturalmente um ponto de equilíbrio e respeito maior à divergência, à medida que a simples possibilidade de se expressar deixe de ser uma novidade para quem, durante o longo reinado da mídia tradicional, não podia ser ouvido. Ainda estamos na infância desta coisa.
13 Comentários
Viva a diferença. Que ótimo que as opiniões sejam divergentes. Que não nos limite mais o acesso às poucas verdades de uns poucos meios de comunicação. O grande retrato de nossa época [achei esquisita e anacrônica a crítica dos autores, ainda mais exposta em um site intitulado Open Democracy] é justamente essa liberdade que tende a gerar [levará tempo, claro] uma rearrumação da sociedade: vivemos algo novo, todos podem falar e opinar, será necessário mudarmos tudo, nossa própria concepção de mundo, ou seja, acreditar mais em nossa percepção das coisas e não apenas no que nos dizem]. Porque, anos antes dos blogs, já usávamos a usenet, onde discutiamos, opinávamos, trocávamos ideias, construtivamente ou não. A senha, nunca deixará de ser assim, é o respeito às pessoas.
“Essa coisa” ainda vai se muito discutida. Em meus projetos eu pratico uma moderação de prevenção. Creio que não aprovei três comentários em 18 meses. Todos eles ofensivos.
Ainda me sinto uma criança, quando posso me expressar fico tão feliz. Mas só depois penso e vejo que talvez em muitos fatos não contribui, fui contemplada pelo pensamento alheio. Como deixar de agradecer aos outros pela complacência, como deixar de agradecer pela minha falta de noção.
“Só não acredito que seja a de submeter as caixas de comentários a uma moderação estrita ou mesmo acabar com elas, como os autores do artigo acima chegam a sugerir. Prefiro acreditar que o evidente fascínio dos leitores com sua própria voz acabará encontrando naturalmente um ponto de equilíbrio e respeito maior à divergência, à medida que a simples possibilidade de se expressar deixe de ser uma novidade para quem, durante o longo reinado da mídia tradicional, não podia ser ouvido. Ainda estamos na infância desta coisa.”
Sábias palavras.
Sergio,
Concordo com suas ponderações sobre a ” infância desta coisa”, e acrescentaria ainda uma questão de ordem prática:
Quanto mais uma caixa de diálogos cresce — tanto no tamanho quanto no número dos comentários — vai se tornando mais difícil ler tudo que se falou antes de se fazer o comentário. Por isso, muitas vezes, acaba virando uma conversa de surdo.
Outro problema é o que minha irmã chama de “ócio produtivo da internet”, ou seja, a mania que algumas pessoas tem de sair entrando em tudo quanto é blog para comentar. Quantas vezes algumas pessoas comentam aqui no Todoprosa falando sobre religião, ou coisas que não tem absolutamente nada a ver com os textos?
Por fim, a constatação mais triste é a de que polêmica, intriga e baixaria dá realmente mais IBOPE. Vc faz um comentário pertinente e ninguém repercute. Você xinga alguém e o sucesso é absoluto. Uma coisa interessante em seu blog é que ele é um dos poucos em que o autor comenta também, numa espécie de tréplica…O Pedro Doria tb faz, mas são poucos. É uma oportunidade bacana de dialogar, mas é uma faca de dois gumes na medida em que instiga os espíritos de porco.
Sérgio, a Folha publicou um artigo na segunda que tange esse assunto.
Um trecho: “Muita gente boa (Carpeaux, Paulo Francis, Ortega y Gasset, Nisbet, Oakeshott) já falou sobre essa nova classe média produzida pela indústria universitária: engenheiros, médicos, cientistas, sociólogos, filósofos profissionais que entendem muito de uma coisa apenas, mas que têm opiniões fáceis sobre todo o resto. Nada mais bárbaro do que ‘o’ especialista.
Esse bárbaro, a partir de seu pequeno diploma, emite juízos sobre, digamos, se devemos ou não colonizar a Lua, partindo de suas minúsculas manias que não se sabem manias.”
Como o conteúdo é para assinantes, não vou colocar o texto inteiro aqui. Mas deixo aqui minha recomendação e o link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1901200921.htm
Tá aí, só pra confirmar o que o Rafael disse.
Escrevi meu comentário às 23:15 e não às 22:06… que troço maluco…
Olhaí de novo… vou me benzer…:O
Não encontramos consenso nem na igreja, quem dirá na estrada da vida. Tenho os meus valores, minha cultura, mas estou aberta a coisas, conhecer e quem sabe experimentar, mas nunca impor, nem a mim. Discussões sim, argumentos e respeito.
Bem, pensando sobre a questão, acho que o problema não é o fato das pessoas opinarem sobre qualquer assunto, até porque, por exemplo, o olhar de alguém de fora trás um elemento novo, diferente. O problema é a questão da humildade. Algo do tipo, “entrei aqui só pra dar a minha opinião, se vocês não gostaram, problema de vocês…”
Há quem entre em blogs de qualquer coisa, física quântica por exemplo, para aprender mais sobre o assunto.
E o prêmio melhor frase vai parar “Não encontramos consenso nem na igreja” rss..
Nada contra os especialistas nem contra os generalistas, os dois são importantes. Mas muita gente tem (e talvez eu também tenha) mania de palpitar sobre o que não entende. Ninguém lê, ninguém estuda, o nível cultural é baixo, mas todo mundo entende de tudo, de qualquer assunto. Todo mundo é crítico de cinema, todo mundo entende do mercado editorial. Se tem religião no meio, mais fácil ainda. Eu jamais entraria em um debate sobre física quântica. Aliás, nem sobre as leis de Newton. Mas isso não é só na Internet. É o mesmo no dia a dia, na mesa de bar, no almoço da empresa. Todo mundo quer falar, mesmo que besteira.
Queria ter um exemplo melhor, mas vai esse mesmo. Não levem para a questão do gosto musical, etc. Show da Madonna no RJ. Ninguém sabe ao certo quais foram as músicas, o contexto de uma imagem ou outra no telão, ou mesmo a história por trás do cd, quem é o artista de fato, mas todo mundo sabe que a Madonna escorregou e caiu sentada. Você chega no barzinho e fala “e aí, cara, beleza? viu que a Madonna caiu sentada? carara, sinistro hein?”. Pronto. Você dominou o assunto “passagem da Madonna pelo Brasil” sem precisar entender absolutamente nada. Nem precisou ir no show! Parece que ao mesmo tempo em que a Internet abre acesso a um mundo de informações, as pessoas optam por esse falso conhecimento, frases mastigadas que te permitem saber tudo sem entender lhufas.
Mas, só repetindo, é um problema existente fora da rede também.
A grande prova de que ainda estamos “engatinhando” neste meio é a existência de muitas opiniões (principalmente generalistas) nitidamente influenciadas pela própria mídia tradicional. Já em relação ao comportamento, sempre existirão donos-da-verdade e falastrões, independente do local e abordagem, e o advento da internet simplesmente potencializou tal fato. Porém, isto não justifica uma moderação ainda maior sobre tais comentários, pois seria ferir ainda mais esta “liberdade” que a rede proporciona. A vantagem a qual devemos usufruir é a enorme gama de informação que a internet nos proporciona. Cabe a cada um de nós fazer a escolha do que é realmente aproveitável, e aproveitar para conhecer novos universos. Respeito às opiniões divergentes é algo que, primeiramente, precisamos aprender no mundo real onde, ironicamente, continuamos a engatinhar…