“Se meus livros vendem, é porque escrevo pensando no público, herança do jornalismo.” Foi assim que Isabel Allende, 68, justificou, sem que tivesse sido questionada a respeito, sua fama de best-seller. Vender muitos livros, num mercado difícil como o literário sempre levanta suspeitas sobre a qualidade da obra. Na mesa “Veias abertas”, realizada nesta quinta na Flip, com mediação do jornalista Humberto Werneck, Isabel evocou o jornalismo para explicar seu desempenho comercial e a ditadura de Augusto Pinochet, que tirou da direção do Chile o primo do pai, Salvador Allende, para narrar sua investida na literatura.
”Escrever foi uma maneira de recuperar memórias do Chile e ressuscitar os mortos”, disse, referindo-se ao seu livro mais famoso, “A Casa dos Espíritos”, baseado nos horrores da ditadura do Chile, país que teve de abandonar em 1973. Apesar de o livro, que marcou sua estreia como escritora, ter se tornado um fenômeno, com direito a adaptação em Hollywood, ela não se sente pressionada por ele. Antes, afirma se sentir grata pelas possibilidades que ele lhe abriu.
O que a oprime, isso sim, é a solidão do trabalho de escrever. “É um trabalho solitário e inseguro, cheio de dúvidas, e sinto que as minhas exigências são cada vez maiores, a cada obra. Só me sinto confortável com um texto depois de apresentá-lo a algum entendido, como um editor, e receber um sinal positivo.”
A solução parece ser deixar-se levar pelos personagens – o que Werneck batizou de escrita mediúnica. “Sinto que meus personagens existem, e que é preciso ouvi-los.” Para a mãe, com quem mantém uma famosa correspondência diária, diz não mostrar mais os livros por causa da idade: ela tem 90 anos. Envelhecer, aliás, é algo que aflige Isabel. Ela não quer se sentir dependente de ninguém, não quer sentir que não conta com a mesma energia de antes. A parte boa de ficar mais velha, pondera, é compreender melhor as coisas, entender melhor o amor. Isabel é casada com o escritor William Gordon, com quem mantém um relacionamento em ‘spanglish’.
O comentário sobre a relação do casal rendeu um dos momentos mais divertidos da mesa. Segundo a escritora, só quando brigam é que eles falam o idioma um do outro. Gordon usa o castellano para se fazer compreender, e ela grita em inglês para que ele não tenha dúvida do que diz.
Por Maria Carolina Maia
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