Duas notícias recentes no “Guardian” (em inglês, acesso gratuito) são mais que suficientes para, com o auxílio de algumas gotas de predisposição apocalíptica, fazer o sujeito calcular que as fronteiras entre realidade e ficção estarão definitivamente apagadas ali pela altura de setembro de 2019.
A primeira nota fala do vexame sofrido pelo filósofo pop francês Bernard-Henri Levy ao dar crédito em seu último livro a um certo colega e conterrâneo quase esquecido, Jean-Baptiste Botul, que teria sido um crítico implacável de Kant. O problema é que Botul, criador do “botulismo”, nunca existiu, é só uma piada do jornalista e satirista Frédéric Pagès.
O outro post informa que o jornalista grego Taki, da revista inglesa “Spectator”, escriba de certa popularidade entre os conservadores europeus, alega ter sido correspondente de J.D. Salinger, de quem teria “centenas de cartas”. “O único homem em quem confio e que jamais encontrei pessoalmente é Taki, o correspondente grego da ‘Spectator’”, teria escrito o famoso eremita numa delas (não fica claro por que Salinger achou necessário explicar ao próprio destinatário a identidade do destinatário). A “Spectator”, segundo o “Guardian”, não confirma a história do sujeito.
Hoax – pegadinha, fraude – não é novidade no mundo das letras, mas parece encontrar na rede um solo especialmente fértil. O que pode deixar lamentavelmente confuso o ambiente cultural: muitas vezes, a realidade é mais incrível que a ficção, e nem por isso devemos duvidar dela.
Exemplo: nos últimos dias, ando maravilhado com a recepção crítica que Lúcio Nareba tem merecido na Alemanha. Atualmente cumprindo pena em Bangu pelo assassinato da editora Bia Escarpin, o atormentado blogueiro foi chamado no último fim de semana de “gênio incompreendido”, “o grande renovador da prosa no século 21” e “melhor que Roberto Bolaño” por ninguém menos que Otto Bundsen-Bundsen, renomado crítico literário do “Frankfurter Allgemeine”.
Só falta o pessoal, de pé atrás com a epidemia de hoaxes, achar que essa excelente notícia para a auto-estima nacional é mais um deles.
36 Comentários
Cadê a Rosangela com o discurso sobre separar o joio do trigo…
Tibor,
Acho que ela ficou chateada com meu último comentário… Mal sabe ela o quanto admiramos o seu ofício de misionária virtual, essa jesuíta que empreende o maravilhoso trabalho de catequização dos selvagens modernos, nós, os internautas.
O dia que ela acenar com uma miçanga ou um espelhinho, minha alma indígena não resistirá!
E tem trigo????
Ufa, finalmente um gênio da raça recebe reconhecimento internacional. Tenho certeza de que os pósteros considerarão o Nareba o Pelé das Letras Nacionais, o grande responsável por levar nosso gingado e malícia literários para além das fronteiras do País.
Alguém, por acaso, saberia indicar o link do abaixo-assinado eletrônico que está rolando na rede para a libertação do Nareba?
Olá, Tibor, Olá, Rafael…
Nunca pretendi ser missionária e muito menos catequizar. Parece mentira, mas é verdade. Catequizar fica parecendo que a gente obriga a pessoa a sentar e ouvir o que queremos dizer. E pior, obrigar a seguir as leis.
Tô mais para mostrar que é possível saber a verdade genuína, de que “Não mais leis, não mais tradição, mas a vida ali, espontânea no coração, cheia de verdade.
E tem outra… mostrar a árvore da vida e deixar a escolha por conta.
Quanto a separar joio de trigo, Jesus deixou bem claro que não nos cabe tal coisa…
Para dizer a verdade, acho que Jesus é capaz de transformar joio em trigo. E sei que “vão dizer” que isso pode ser uma heresia, mas quando descobrimos Jesus de verdade e sabendo que seu amor é infinitamente misericordioso, começamos a ver amor de Deus se esparramando …
Que bom, Rafael e Tibor, que ficamos de bem…
Ah… quanto ao espelhinho e miçangas…
Sem comentários.
Quem convence é Ele. Só Ele.
Aqui não é “A Palavra é”, mas pode ser: “A sentença”.
Inté.
Ninguém ainda desconfiou, mas a Rosângela é um hoax criado pelo Sérgio.
E viva Alfredo Bosi, Sérgio !!
estou lendo o american vertigo, do levy, e as partes iniciais, bem bobonas e divagantes, pintam o mesmo cara que foi engabelado. terá sido a idade?
Rosângela, a verdade não existe. O mesmo fato, visto por inúmeros ângulos terá o mesmo número de “verdades”, ou melhor, versões aproximadas de verdade. Não se pode atingir a Verdade Absoluta, então não fique buscando ela. Não vale a pena…
Mudando de assunto, parece MUITO hoax um dos nossos ser tão aclamado.
E concordo com o Tibor!
E tenho dito
Feliz carnaval
OK! Inclusive tudo isso que você acabou de me dizer…
Portanto… existe o Absoluto…
Ei, Rosângela, volcê voltou?
“Eu voltei, agora pra ficar, pois aqui, aqui é o meu lugar…”
Você é fã do Rei, Rosângela?
Claro que ela é fã do Rei! Fãzona do Rex Iudaeorum
Nada como uma piada erudita. Aprendi a técnica lendo os livros do Nareba.
Ah, sim, voltando ao assunto do tópico. Dois meses atrás, foi publicada uma resenha sobre o Nareba na Paris Review, um texto redigido por ninguém que o grande crítico Pierre Menard.
Publica o link, Rafael.
Até gostaria de publicar o link, porém li o artigo numa edição impressa, enquanto tomava café na Livraria Cultura aqui em São Paulo. Se não me engano, a capa ostenta a foto de uma pessoa remando um barco.
No site da Paris Review (www.parisriview.com), procurei o artigo, mas, infelizmente, o conteúdo é disponibilizado apenas para assinantes (não tenho coragem de pagar US$ 55,00 pela assinatura anual!).
Agora, veja só a mediocridade da nossa imprensa cultural: até onde saiba nenhum jornal de repercussão noticiou a existência desse artigo. Fomos condenados a ser província mesmo.
incrível continuar a dar moral para gente como essa missionária de meia pataca!
Sérgio, se você já falou sobre isso, não me lembro: e outro tipo de hoax, como o do JT LeRoy? Eu, sinceramente, não vejo mal nisso – até acho muito divertido. Abraço
Isabel, tratei na época do caso aqui:
http://colunistas.ig.com.br/sergiorodrigues/2007/06/21/quem-tem-medo-de-jt-leroy/
Hoax pode ser uma coisa divertida, concordo, como no caso do Pagés. No caso LeRoy, acredito mais em manipulação e$perta dos baixos instintos de uma crítica literária rendida ao culto da celebridade.
Mas, nesse caso, essa crítica literária “merece” ser manipulada, não? 🙂 Mesmo em caso de e$perteza alheia (eu adoraria ter embolsado um troco pela criação de um escritor que levou todo mundo no bico – mas admito que nunca li JT Leroy, nem sei se é bom). Gosto muito dessa mistura entre realidade e a ficção levada ao extremo, como quando, por exemplo, o Vila-Matas inclui um sujeito como o Paranóico Perez em “Bartleby & Cia”.
Bem,eu já pedi desculpas pro Sergio por ter defendido a Rosãngela,se bem que o que eu defendi foi o direito que ela tem de emitir opiniões,mesmo tendenciosas.Só que eu estava errada,ela aborrece mesmo!Bem, como eu dizia,pedi desculpas ao Sérgio,mas como foi por email,acho que não valeu.Vai aqui então de público:Sérgio,me desculpa.
Oh! Cely, eu desculpo você e se é assim mesmo, não volto. Pronto. Meu Deus… em pleno tempo de vendavais, furacões, terremotos, nós, o povo das consoantes e vogais ainda estamos nessa. Logo agora que pensei que estava de bem com o Rafael e Tibor…
Cely, não sabia que estava zangada e nem sabia que estava me achando tão chata.
gente, fiquem em paz.
Paz de verdade.
O mundo é pequeno…e nós também temos muito o que aprender…
Desculpa voltar, mas estava aqui pensando: Por que não saí há mais tempo?
Mas aí veio uma paz: Se eu tivesse saído antes sairia deixando um caso a ser resolvido e talvez nem resolvesse. Que bom que voltei e o caso foi resolvido. Não saí como vítima. Agora sim… Tá tudo bem. Paz. Desculpem a vergonha que passei… rsrs
Sucesso para todos vocês… Agora já tirei até o Todo Prosa da minha lista para não correr o risco de vir comentar dependendo do título… A palavra é, de verdade agora: THE END!
Um abraço em todos.
Com essa demonstração de intolerância, eu começo a achar que há muito mais do que uma chata por aqui,mas um coletivo de chatos.
Porque tamanha repulsa à devoção e ao furor missionário da nobre internauta?
Eu não gosto disso, mas não perderia um caractere para satirizá-la.
Acho que tem mais gente com inclinações missionárias dando letra no todoprosa.
‘History is the version of past events that people have decided to agree upon’, disse Napoleão. Portanto, há quem leia (e escreva) jornais como ficção. A inversão de determinados termos da oração anterior não a invalida. Hoaxes não são um produto da internet. Estão por aí faz tempo, como bem lembrou o Sérgio.
Entretanto, queria chamar a atenção de vocês para o ‘hoax invertido’, e até dou um exemplo: poucos acreditam quando digo que o Santos Dumont Número 8 ganhou, há alguns meses, um generoso espaço ao lado de Stephen Fry no conservador ‘Rheinischer Merkur’, da cidade de Bonn (mas de circulação nacional).
O acesso é restrito a assinantes mas alguns sites copiaram [aqui o link para um deles] a matéria.
Olha, C.S. Soares… agora que vi, cara!!! Valeu:
Ah…adorei a parte do jumentinho….
Gente… ( Atenção! Só vim agradecer ao C.S. Soares)
“If you tell a lie big enough and keep repeating it, people will eventually come to believe it.“, disse Joseph Goebbels certa feita. Quem mais ganha com a relativização da verdade, com a dissolução da fronteira que separa fatos da ficção são essas criaturas asquerosas, os detentores do Poder, os engenheiros sociais, os ditadores e tiranos. O caráter de Napoleão foi feito do mesmo lodo que formaria a substância moral de Goebbels. Os fatos existem independentemente das nossas opiniões e crenças. A imprecisão da linguagem, sua notória deficiência frente à inabarcável riqueza da realidade, faz com que pupulem versões sempre aproximativas, mas nunca exatas, dos fatos — ainda assim, existe um abismo incomensurável separando a mentira e a verdade.
Soares, eu sei que você não está aqui defendendo a relativização da verdade e, muito menos, tentando legitimar a mentira. Só faço meu comentário porque a idéia transmitida pela frase do Napoleão me incomoda um pouco.
Post Scriptum: como o inglês é inelutavelmente a lingua franca dos tempos modernos, parece-me justo e adequado citar o francês Napoleão e o alemão Goebbels em traduções anglófilas! Os que não entendem, que façam urgente um curso de inglês.
Você está correto, Rafael. Não pretendo relativizar a verdade (mas o que é a verdade?). Antes, quero problematizá-la. “Causas, em História”, disse o historiador Marc Bloch, “não são postuladas. São buscadas”.
Por causa dessa frase (não apenas por causa dela, claro, porque afirmando-o estaria sendo incoerente com o livro do qual extrai a frase, a saber, Apologia da História), escrevi o SD8.
Os fatos existem, não deixaremos de considerá-los, mas também como não reconhecer que a pergunta que é feita a respeito do fato condiciona sua análise?
E (como lembraria Humpty Dumpty em ‘Alice’) quem é o senhor, o dono das perguntas? Acrescento: qual o período histórico em que foi formulada a pergunta?
A história, no final de muitas contas, é escrita pelos vencedores (mas isso, não deve ser uma ‘verdade’ absoluta).
Bom, de qualquer forma, sempre valerá o conselho de Bloch, um dos fundadores da revista Annales, renovador da historiografia francesa, judeu, fuzilado pelos nazistas em 1944: “as causas” penso que podemos considerar as verdades de uma forma geral “não são postuladas, mas buscadas”.
C.S.SOARES ! Na verdade este post era para figurar após o do C.S. Soares. Como não sei como faze-lo vai postado aqui. Bom, gostaria de saber um pouco mais do projeto Santos Dumont n. 8. Conheço algumas noções da moderna historiografia literária através dos papers da Linda Hutcheon. Não sei se tem a ver? Em todo caso, como fiquei surpreso com os seus conhecimentos a respeito de multimídia, informática, etc, queria entender melhor o Santos Dumont n. 8.
Claro, Marcelo, com prazer. O ‘SD8’, um ‘networked novel’, é um experimento que vem sendo publicado desde abril/2009. Começou no Twitter. Este ano, a partir desse aprendizado, publicaremos (ainda não fechamos editora) a versão 2.0 como um híbrido impresso e ambiente digital.
Você pode olhar estas duas URLs: 1) Aqui central do projeto (integrando as redes sociais e gadgets) e 2) os meus artigos ‘técnicos’ no iMasters/UOL, a partir dos quais surgiu a ideia.
São duas as propostas básicas:
1) As redes sociais como suporte à narrativa: a história não está concentrada em um único repositório, além disso ela pode ser ‘processada’ (como software), personalizada e expandida (através de TTS, Wiki, Banco de Dados etc.)
2) O livro on-line como serviço, ou seja, não sendo um produto ‘fechado’ (como o livro impresso ou seu simulacro o obsoleto ebook), penso, podemos expandir o processo de criação para outros patamares.
Hoje, começou o burburinho de que a Amazon distribuirá, gratuitamente, Kindles para os assinantes de seu serviço Prime. Se considerarmos livros como serviços, uma das possíveis formas de ‘vendê-los’ seria justamente através de um serviço de assinaturas, como por exemplo a do Books24x7 ou o Safari da O’Reilly.
Achando necessário, pode me contactar pelo cssoares@pontolit.com.br
Valeu C. S. Soares ! Obrigado pelo link da matéria. Mas, como um analista de TI, você dá um banho de informática em muita gente, inclusive em mim. Como seu projeto está na vanguarda, não sei, inclusive, se o termo ” vanguarda” se aplica ao Santos Dumont, pelo menos quanto à tradição na história da literatura, vou aguardar e esperar para ver. Contudo, pelo que eu entendi, desse e de outros posts seu, seu trabalho literário pode, eventualmente até contar com a escritura de internautas, interagindo com você (…) Se for, parece bem provocativo e interativo. As possiblidades são mil. Vou fuçando, fico no aguardo. Parabéns!
Sérgio, seu humor negro é doentio… Que fique claro, isso foi um elogio.
Adoro esses hoax da net. Eu, por exemplo, acredito em todas essas histórias que me mandam por email, inclusive clico em todos os links que chegam para mim, já repassei inúmeras vezes minhas contas bancárias, desde 2001, para todos esses caras bons com enormes heranças sem herdeiros.
Também sempre repasso aquela mensagem da Microsoft para ganhar 1 dolar a cada destinatário repassado. Sem falar nos telefones celulares da NBT (atual Vivo) que espero receber até hoje. Às vezes me indago se não errei meu endereço no email.
Ah, também sempre assino todas aquelas petições para não apedrejarem jovens moças de países africanos ou algum derivado (Afeganistão sempre vale também).
Buuummm!! Me desculpe, Soares!! Cuidar de criança no Carnaval dá nisso… Acabei só fazendo o link daquilo que me parece o romance agora ( coisas de um neófito por aqui, por isso fiz o comentário lamentável aí de cima. Mil desculpas. O seu quebra-cabeça estará sendo lido neste carnaval.
Marcelo, confesso que quando escrevi o ‘SD8’ entre 2004 e 2006, tentava absorver na escritura (o que era possível, ao menos) as características do ‘hacker’ Dumont (principalmente, o paradoxo, o pensamento divergente), mas tinha a impressão de que o ‘livro’ (por ser hipertextual) se sairia melhor on-line do que impresso.
É o que pretendemos agora no projeto deste ano: SD8 2.0, incluindo, agora, algumas propostas do que (a meu modesto ver) poderiam ser consideradas na escrita “short form” on-line e, mais especificamente, em redes sociais.
Profissionalmente, trabalhei anos em projetos de ‘content management’ e ‘search engine’. O livro, para mim, já deve nascer na mente do escritor considerando o ecossistema tecnológico com o qual interagirá (um desses elementos, claro, é o Google).
A ‘revolução’ que se vê em relação ao livro eletrônico, não é nada diferente do que se vê em relação ao software, pelo menos nos últimos 20 anos. O mercado e-editorial deve usar como referência o software, não a música. A vocação do livro (como plataforma) é o cloud publishing.
Essa é nossa modesta contribuição ao debate que, no Brasil e no mundo inteiro, neste momento cresce: qual o futuro do livro, da escrita e da leitura on-line? Ainda não sabemos, mas tenho certeza de que será estimulante.
Leia também, tendo tempo (sei da dificuldade, pois eu também tenho as minhas crianças por aqui), o artigo que escrevi para a Jawbone.TV (link aqui).
Obrigado pelo interesse. Forte abraço.
O link do artigo na Jawbone.TV: http://bit.ly/79hfII
C.S. Soares!! Super atencioso da sua parte !! Só redobra a minha responsabilidade na leitura desse material que você colocou à minha disposição, e de eventuais interessados, na rede. Vou ler o que tem link aqui e, depois, com calma, te escrevo. Um abraço.