A morte de John Updike, hoje, aos 76 anos, de câncer no pulmão, deixa Philip Roth como o último remanescente dos Grandes Machos Narcisistas (obrigado, David Foster Wallace) que dominaram a literatura americana na segunda metade do século 20: Norman Mailer, morto em novembro de 2007, era o terceiro da trinca. Prosador excepcional e romancista por excelência do subúrbio americano, o narigudo Updike passou a vida criando alter egos mal disfarçados como Henry Bech e Rabbit Angstrom, homens solitários – ainda que às vezes (mal) casados – fixados em sexo. Escritor prolífico, foi também presença constante na imprensa como crítico literário. Dos cerca de cinqüenta livros que publicou, a Companhia das Letras tem 14 em catálogo. O mais recente deles, lançado ano passado, é “Cidadezinhas”.
Aqui, em inglês, mediante cadastro gratuito, o obituário do “New York Times”.
21 Comentários
“Grandes Machos Narcisistas”? Muito boa essa definição. Eu não conhecia. E acho que se aplica muito bem ao Roth, de fato.
John Updike era machista, eu sou feminista.Mas me deu grande prazer, como autora ,estar com ele no livro RIOEROTICO de Otto Stupakoff
E biógrafo: bela a sua introdução às “Aulas de Literatura”, de Nabokov.
A respeito do comentário que fiz outro dia, lembrando: que a minguada “celebridade” dos escritores, não os faziam dignos de menção pela imprensa [como no caso da posse de Obama], corrijo o que disse: escritor famoso, é escritor morto, pois assim, entra na pauta dos noticiários televisivos…
Esse é do tempo dos gigantes. Hoje, para uma mesma quantidade de manteiga, uma fatia cada vez maior de pão.
A criatividade, a originalidade, a capacidade de contar uma boa história, parece estar diluída ou nivelada pelo mínimo, para que uma população minimamente culta se divirta, para que pessoas de cultura pop genérica consumam emoções baratas. E vê se pára de sitar David Foster Wallace em vão, cê não entendeu.
Malanski: quem, como parece ser seu caso, é fã incondicional de Updike deveria dar valor a essa “sitação”. Funciona como aviso para manter distância do artigo em que David Foster Wallace bate no homem sem dó, publicado em “Consider the lobster”.
Não tive essa impressão 100% negativa do artigo do Wallace. Ele bate no livro dele que tinha saído na época, cujo título nem lembro mais. Falou que dos 26 livros do Updike que ele tinha lido, esse mais recente era o pior de todos. Não se lê 26 livros de um autor que não se gosta, mesmo sendo o David Foster Wallace.
Acho que dá pra chamar um autor de babaca (coisa que o Philip Roth muito provavelmente é, e o John Updike muito provavelmente era também) e ainda gostar da obra dele (como eu gosto).
A tetralogia “Coelho” é muito boa, recomendo a todos (exceto para feministas).
Breno, o artigo não é de modo algum 100% negativo. É só negativo o suficiente para fãs incondicionais, algo que DFW deixa muito claro não ser – ainda que se coloque numa posição moderada em relação à sua própria geração, que ele diz odiar Updike.
Mesmo escrevendo sobre o tema mais chato do mundo – a sexualidade da classe média – Updike conseguiu fazer boa literatura. Antes dele, apenas Freud havia conseguido tirar tanta (des)graça desse interminável amontoado de obviedades e clichês psicológicos.
Não se esqueça que ele também apareceu como ghost writer do Krusty nos Simpsons.
O INTELECTERNAUTA
Anda por aí cada figura! Devem ter representantes em todos os segmentos da atividade humana, da gastronomia à filosofia, mas são mais freqüentes nas sessões de “Arte e Cultura” dos índices de blog.
Em comum, são figuras (homens ou mulheres) com uma relativa bagagem de leitura geral e um irrelevante conhecimento técnico numa área qualquer que pode ou não ser enquadrada como “Arte e Cultura”, tanto faz. Compartilham todos da certeza de que qualquer conversação aceita a intromissão de um dito espirituoso cheio de mordacidade, ironia ou sarcasmo, quase sempre utilizando uma citação de obra da cultura pop, que acaba com a conversa por sua inconveniência. Nove entre dez adolescentes e pós-adolescentes julgam ser essa a forma correta de conversar, assim os assuntos se esgotam no mesmo tempo de um comercial de TV, pois costumam dialogar com o aparelho, tecendo comentários rápidos sobre cada peça de publicidade, numa espécie de competição que tem como vencedor quem consegue o dito mais curto e a observação mais impertinente.
São blogueiros, em sua maioria. Usam esse espaço para cuspir o bolo que ruminaram, fazendo comparações e “disponibilizando” (ato da realeza ou do dono do poder, que consiste em oferecer informações, serviços ou produtos de forma onerosa ou gratuita aos pobres súditos sedentos de suas benesses; esmola) aos seus visitantes o fruto prodigioso de suas longas meditações.
Apetrechados de sua grande experiência, de suas leituras pesadas e eruditas, bem como de suas qualificações acadêmicas e até de um ou dois livrinhos publicados, sentam-se diante de um teclado, abrem seus dublevê, dublevê, dublevê, dois pontos, barra barra asneira e derramam mensagens que irão constituir o grande universo de informação (mercadoria abundante, banal, sem valor, manipulada e manipuladora) do século vinte e um.
Imagine a figura por dentro, o que ele sente ao digitar. Parece feliz quando vê sua idéia transmutar-se em impulso elétrico, com a possibilidade real de se transformar em papel impresso num simples Ctrl/P. Manifesta sua interpretação sobre um fato jornalístico, sobre a morte de um escritor, sobre um livro que leu, sem a menor responsabilidade, protegido e impune pelo anonimato, por ser visto apenas por seus iguais, que, por sua vez, irão acrescentar chistes cheios de mordacidade, ironia e sarcasmo, tão curtos como a duração de um comercial de TV.
A frivolidade dessas figuras faz crescer em mim um sentimento que cresce no peito, sobe e me empalidece. É pena, eu acho, um tipo de dó dessa solidão. Tinha que inventar uma palavra para ela, pois não é bem solidão, é estranho estar só num mundo de comunicação instantânea, total e de possibilidades infinitas. Claro, não estamos sós quando vamos ver Batman em legião e conversamos sobre o filme. Ou quando lemos Harry Potter ou Crepúsculo ou Torre Negra. Só estamos sós quanto àqueles pensamentos originais, íntimos, que lutam por se manifestar num universo padronizador. Aí é que somos nós mesmos, escondidos sob muita cultura pop, sob nichos de pensamentos obtusos, tendo muito a aprender sobre lucidez para interpretar os fatos de forma clara e realista, despido de ideologias e antes de todas as manipulações. Aí é que teremos uma opinião decente sobre o que seja “Arte e Cultura”, ou o que seja, e damos ela ao mundo como uma definição transitória de nossa própria condição efêmera.
Essa figura, o intelecternauta, sofre de intersolidão, esse estado de ser internamente (internetamente) solitário, mas nem por isso tem o direito de gastar a energia equivalente e ferver duas chaleiras de água e assim contribuir para o agravamento do efeito estufa, cada vez que acrescenta informações irrelevantes e observações presumidamente inteligentes aos sítios eletrônicos.
Sitar: incluir no site.
Malanski: a sabedoria de suas primeiras palavras é luminosa – anda por aí cada figura, realmente… E obrigado por explicar seu sofisticado trocadilho (sitar) quando o pessoal já estava achando que era só ignorância.
Coelho morre. É o melhor da trinca. Deixa uma bela obra. E “Um Mês Só de Domingos” é um dos mais bacanas.
Cada malanski sem alça que aparece…
(eu também sei fazer trocadilhos, he, he, he)
Tentei ler uma vez As bruxas de Eastwick mas não consegui. Achei a prosa por demais minuciosa e lenta, na ocasião aquilo me irritava. Também tentei ler S e fracassei. Claro que o problema deve ser meu, não dele. Vou fazer nova tentativa. Talvez com Casais trocados. Sexo é um tema que sempre me interessa.
É triste, simplesmente isso
Mais uma pena que é vencida pela espada do tempo.
Jhon,………..valeu!!!!
SOBRE ETIQUETA E INTERNET
Vocês me desculpem se atrapalho o fluxo normal desse espaço, mas preciso esclarecer uma confusão.
Começou quando li a observação sobre a morte de Updyke. Explico que li um ou outro livro desse autor, faz muito tempo, e sequer me lembro se gostei. Li, de tanto ser perseguido em cada sebo e livraria e, afinal, não devo ter gostado, pois costumo ler tudo o que foi publicado quando algum me agrada. Falei de forma cifrada, como alguém que se dirige a quem já entende do assunto. Por ter ouvido falar desse autor durante toda minha vida, de seus prêmios e obras, julgo-o um gigante. Um escritor com muitos livros e honrarias, traduzido em todas as línguas, adaptado para o cinema e, enfim, bem sucedido. Se é bom ou não, depende de cada leitor e respeito isso como respeito quem gosta de Morris West, de Gabriel Garcia Marques, de Stephen King e até de Paulo Coelho.
Sem senso, achei estranho misturar o pobre David Foster Wallace com Updyke. É como pedir uma cerveja no meio de uma degustação de vinhos. Acusei imediatamente essa heresia.
Num pequeno artigo do “Rascunho”, li pela primeira vez o nome do DFW. Era elogioso e superficial, só lamentando que livros anteriores ao “Breves Encontros com Homens Hediondos” não tivessem tradução. Terminava comparando que esse livro menor, se comparado a outros desse autor, parece como você chegar no final da festa, quando já comeram e beberam os melhores salgadinhos e bebidas e a essa hora só tem umas bolachinhas com guaraná. Fui atrás de “Breves Encontros…” e simpatizei. No sentido da palavra usada pelos franceses ao se referir a quem confraternizava com os invasores alemães durante a Segunda Guerra.
A facilidade com que mergulha em almas alheias torna o texto convincente e pungente. Não é processo fácil, pois você não age como homem, ou você é ou não é. Você não sente como mulher, você é. E assim por diante. Assim sim simpatizei. Foi irresistível. Apesar de toda uma marketagem que apresentava DFW como um motoqueiro cabeludo, um professor cabeludão, fortão, todo contra tudo e muito na dele. Pura superfície, graças a deus.
“Só a morte vem nos mostrar que amávamos muito mais profundamente do que supúnhamos”. Neste caso, sua morte estúpida mostrou completamente o homem sensível, com uma enorme capacidade de empatia pura, que nele era um poder de ir fundo, procurar, entender, sentir junto e ainda realizar a proeza de por em texto claro a jornada.
Lamento, I am sorry, ter pensado que DFW era babaca feito e Sallinger ou pretensioso como Pynchon. Não sei o que ele fez. O motivo de ter se enforcado, Mas, se eu fosse como ele, com esse poder ou maldição, talvez escolhesse o mistério além da vida aos males tão sabidos. Não aceitaria continuar produto pela vida, com milhões cobrando seu próximo livro onde leriam mais do mesmo. Milhares que ouvem sua palestra e aplaudem extasiados e depois vão ver um filme do Batman, um novo Indiana Jones e outros produtos da cultura pop que consomem avidamente e aplaudem igualmente extasiados.
Se fosse como ele, diria que já disse o que tinha para dizer e não fez diferença. Não teve efeito nenhum. Diria que vocês entenderam e esqueceram em seguida. Diria que queria trazer lucidez e só obtive escravos cegos. Ofereci campos livres e vocês o cercaram com suas grades coloridas. Diria que foi inútil, que não devia ter iniciado esse caminho onde me tornei só mais um produto na prateleira, oferecendo prazer passageiro, ideais eternos só por hoje, amor para sempre até o orgasmo, piadas datadas. Eu diria basta.
Mas ele não é eu. Meu pai não diria que eu sofria de depressão a vida inteira. Minha mulher saberia o motivo da corda no pescoço. Se eu fosse ele, todos saberiam. Nem que fosse só para vender uma emoção forte no noticiário. Que seria substituída por outra amanhã e depois de amanhã outra ainda. Pois eu não sou sensível até a exasperação, até o insustentável, como ele foi.
Foi assim que senti a morte de DFW. Atônito, depois chocado, depois decepcionado, agora seu incondicional admirador.
(Antes de ter lido a nota com a réplica, escrevi umas impressões sobre o tipo de tolo como eu que se mete a dar pitaco no texto dos outros. Afinal, sou eu um intelecternauta escarrado e cuspido, me achando fódão e cheio de intelectualidade, vomitando no teclado a piração causada por um livro que acabei de ler.)
Aí, como entrei nesse blog meio grogue, mereci a atenção do titular. Meio irado, me rotulou erroneamente, me mandou ler um artigo em inglês e me corrigiu numa bobagem. Que mico. Mas, afirmo que nego e explico a razão.
Só leio por diversão. Nem sempre livros divertidos, se me entendem. Leio para curtir, entender, ressoar o autor, viajar, aventurar, ficar puto, passar por tudo. Não vivo disso, nem ganho dinheiro com isso. Talvez ganhe por isso. Nem sempre gosto do que leio e aí me divirto mais. Os últimos livros que li, li por prazer. Li Pedro Nava, Doris Lessing, Saramago, Stephen King, Pynchon, David Foster Wallace, Joseph Conrad, Clive Barker, tudo sem critério. Só o de me divertir. Ler não é decorar, é assimilar. Não vou ver um filme com uma régua, nem dissecar um livro, assim como não ponho medida em nada e nem disseco a galinha dos ovos de ouro., Não quero nem ver o making-of do filme, para não perder a graça. Não sou “profissa”, sou calouro e amador para sempre. Aliás, queria esquecer tudo o que li, só para poder ler tudo de novo. Mas não sou obtuso. Acho.
Tento manter a mente livre, o raciocínio lúcido e o julgamento isento. Afinal, a consciência livre é a minha religião e Doris Lessing a sua profeta. A leitura é a ferramenta que liberta do discurso da opressão, é a rachadura na armadura que sufoca, o que abre a janela da prisão. Abomino regras e manuais que disciplinem, conduzam ou limitem a compreensão dos fatos ou a fruição das obras. Evito as críticas e os julgamentos apressados, principalmente quando uma época julga outra, uma ideologia julga outra e as duas são diferentes no objetivo e iguais em essência, ambas quimeras.
Os homens e mulheres livres já me entenderam de primeira, lá no começo desse texto. Os outros, ficaram tempo demais na prisão e presos demais ao chão, desaprendendo amar e voar. Resta a questão da etiqueta na internet. Aqui, temos que ser mais cordiais e compassivos. As regras de um espaço virtual devem ser mais duras do que no real, para não magoar sem motivo. Se não me entendeu ou acha que eu não entendo, então me explique, me ensine, ou só me ignore como mais um tolo na rede. Só não me encha o saco querendo me impor os protocolos que decoram as grades de sua prisão, nem me mande as borboletas que tem criado no porão. Que este seja um espaço de livre trânsito para as idéias, onde elas possam habitar sem os obstáculos da afetação intelectual e sem o brilho falso da soberba. Se não for assim, não tem motivo para ir visitar os espaços dedicados a livros e leitores e falar das coisas. Vou preferir ler como sempre fiz, quieto no meu canto e curtindo do meu jeito. Vocês vão preferir também.
Portanto, desculpe o mau jeito, Sergio Rodrigues. E os erros. Vou procurar seus livros por aí. Ver se aprendo alguma coisa.
Não vejo o que possa haver a desculpar, Malanski. Apareça quando quiser. Um abraço.
Nunca li Updike.
Qual o primeiro livro dele que vcs recomendariam?
Obrigado.
John Updike é o Balzac da classe média americana :
http://www.revistabula.com/materia/john-updike-e-o-balzac-da-classe-media-americana-/950