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Jonathan Safran Foer: ‘Extremamente alto & incrivelmente perto’

22/07/2006

Não se pode dizer que o americano Jonathan Safran Foer não seja corajoso. Incensado pela crítica ao estrear no romance em 2002, aos 25 anos, com um relato pouco ortodoxo em torno do Holocausto chamado “Tudo se ilumina” (Rocco, tradução de Paulo Reis e Sérgio Moraes Rego, 368 páginas, R$ 48), Foer – que virá à Flip – construiu seu segundo livro ao redor de mais um grande trauma coletivo. Desta vez, porém, a ferida está bem mais perto de casa, tanto no tempo quanto no espaço – daí se falar em coragem, embora não falte quem fale também em oportunismo. Inevitável. “Extremamente alto & incrivelmente perto” (Rocco, tradução de Daniel Galera, 392 páginas, R$ 47) é conduzido pela narração de um menino brilhante de 9 anos, Oskar, que sofre com a perda de seu pai no ataque terrorista ao World Trade Center. A prosa inventiva de Foer, recheada – e não raro, convenhamos, entulhada – de jogos de linguagem, às vezes parece pesada demais para a criança que a enuncia, mas nem sempre. No fragmento abaixo, Oskar soa absolutamente convincente enquanto ouve as mensagens que seu pai deixou na secretária eletrônica na manhã do atentado.

Uma infinidade de tempo depois, saí da cama e fui para o armário onde guardava o telefone. Não o havia retirado dali desde o pior dos dias. Era simplesmente impossível.

Passo muito tempo pensando naqueles quatro minutos e meio entre eu chegar em casa e o Pai ligar. Stan passou a mão no meu rosto, coisa que ele nunca tinha feito. Peguei o elevador pela última vez. Abri a porta do apartamento, larguei minha mochila e tirei meus sapatos como se tudo estivesse uma maravilha, porque não sabia que na verdade tudo estava horrível, e como poderia saber? Fiz carinho no Buckminster para mostrar que amava ele. Fui ao telefone checar as mensagens e escutei uma depois da outra.

Mensagem um: 8h52 da manhã.
Mensagem dois: 9h12 da manhã.
Mensagem três: 9h31 da manhã.
Mensagem quatro: 9h46 da manhã.
Mensagem cinco: 10h04 da manhã.

Pensei em ligar pra Mãe. Pensei em pegar meu walkie-talkie e entrar em contato com a Vó. Voltei para a primeira mensagem e escutei todas elas de novo. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:21. Pensei em fugir e nunca mais falar com ninguém. Pensei em me esconder debaixo da cama. Pensei em correr até o centro da cidade para ver se havia um jeito de eu mesmo resgatá-lo. E aí o telefone tocou. Olhei para o meu relógio. Eram 10h22:27.

Eu sabia que jamais poderia deixar a Mãe ouvir as mensagens porque protegê-la é uma das minhas mais importantes raisons d’être, portanto o que fiz foi pegar o dinheiro de emergência do Pai em cima de sua cômoda e ir até a Radio Shack da Amsterdam Avenue. Foi em uma TV de lá que vi que p primeiro prédio havia desmoronado. Comprei um telefone exatamente igual, corri para a casa e gravei nele a saudação do nosso telefone anterior. Enrolei o telefone velho no cachecol que a Vó nunca conseguiu terminar por causa do meu segredo, botei ele dentro de uma sacola de compras, depois da sacola em uma caixa, depois a caixa em outra caixa e depois essa caixa debaixo de um monte de coisas no meu armário, como minha prancha de trabalho de joalheria e álbuns de moedas estrangeiras.

Na noite em que decidi que encontrar a fechadura era a maior de minhas raisons d’être – a raison que comandava todas as outras raisons –, tive uma vontade imensa de escutá-lo.

Fui extremamente cuidadoso para não fazer nenhum ruído enquanto retirava o telefone de todas as suas proteções. Mesmo com o volume bem baixo para que a voz do Pai não acordasse a Mãe, ele preenchia o quarto como uma luz preenche um quarto mesmo na penumbra.

Mensagem dois. 9h12 da manhã. Sou eu de novo. Você está aí? Alô? Desculpe se. Está ficando um pouco. Enfumaçado. Esperava que houvesse alguém. Em. Casa. Não sei se estão sabendo o que aconteceu. Mas. Eu. Só queria que soubessem que estou OK. Tudo. Está. Bem. Quando ouvirem esta mensagem, liguem pra Vó. Digam pra ela que está tudo bem. Ligo de novo em alguns minutos. Se tudo der certo os bombeiros estarão. Aqui em cima até lá. Eu ligo.

Enrolei de novo o telefone no cachecol inacabado, depois coloquei o cachecol de volta na sacola, e a sacola na caixa, e a caixa na outra caixa e tudo isso no armário, debaixo de um monte de tranqueiras.

Fiquei olhando para as estrelas de mentirinha por uma infinidade de tempo.

5 Comentários

  • BCK 22/07/2006em11:02

    Capa maravilhosa. É só uma transposição da capa americana, mas mesmo assim parabéns para a Rocco.

  • Hermmes 22/07/2006em15:10

    Li a versão americana. Fico pensando como serão transpostos os muitos jogos de palavras – espero que o tradutor tenha sido feliz. Quanto ao livro? É uma colcha de retalhos. Diferentes personagens, diferentes vozes (ou a falta de voz), diferentes modos de expressão. Muito curiosa a metalinguagem no livro. Às vezes o livro é o livro. Às vezes é algo que uma personagem tem à mão: um texto, um objeto, uma imagem. Às vezes o livro enche o saco justamente por isso. O autor parece, nisso, com o menino, personagem central: não pára de inventar. Nem se contém, e mostra TUDO o que inventa.

    Merece ser lido para se ter uma boa idéia de MUITOS modos de se contar uma história. Nada mais atual, hiperlínkico, multimídia e descolado. Alguns retalhos da colcha são seda pura (vide o relato do bombardeio de Dresden). Outros são restos de panos de chão, outros, pedaços de lenços cor-de-rosa com muito perfume: o livro é hiperbólico como o título: extremamente criativo mas incrivelmente excessivo.

  • Thomas 24/07/2006em00:06

    Eu gostei da leitura (do trecho aqui no site). É verdade que pode ser visto como oportunismo (mas o que no mundo real não tem um pouco de oportunismo). No pior dos cenários parece uma leitura que corre na frente do leitor. Acho que vou manter o nome deste autor anotado em algum lugar antes de decidir ler de verdade o livro.

  • Carmela 24/07/2006em15:05

    Também li em inglês (a minha capa era outra, talvez por ser paperback?) e gostei bastante! Concordo com o Hermes que é um pouco cansativo em alguns momentos, mas isto é parte integrante do “stream of consciousness”, que, na minha opinião, o autor faz muito bem em certos trechos!! Se o Daniel Galera traduzir tão bem quanto ele escreve, os leitores brasileiros podem ficar tranqüilos… Claro que nunca é a mesma coisa do que ler o original, né??

  • Dea 26/07/2006em21:30

    Simplesmente D++++++++++