Graças aos amigos que colhi através deste blog, chegou às minhas mãos o romance “Chiquita”, ganhador do Prêmio Alfaguara deste ano. É provável que eu tenha um dos poucos exemplares que há na Ilha, o que me obriga a lê-lo depressa e passá-lo à fila de amigos que esperam por ele. As mais de quinhentas páginas escritas por Antonio Orlando Rodrigues são atraentes não só pela história que narram, mas pelo círculo de mistério que envolve o próprio livro. Basta dizer que os meios oficiais cubanos ainda não anunciaram que um compatriota ganhou tão importante galardão.
Os encantos do festejadíssimo – com razão – blog Generación Y, da cubana Yoani Sánchez, brotam da superposição de dois mundos inconciliáveis: a vida em Cuba, com seus milhões de anacronismos, e a consciência planetária de sua autora, uma jovem cevada na blogosfera sem porteiras do século 21. Essa superposição, livre de deslumbramento capitalista ou ranço programático, está na base do leque de efeitos que Yoani obtém: patéticos, cômicos, às vezes tristes de doer, em outras surpreendentemente ternos; quase sempre amargos, mas nunca derrotistas. Fidel Castro acaba de passar recibo.
O post sobre o romance “Chiquita” (nada a ver com as “Chiquititas” da TV) é um bom exemplo do que move Yoani: por ser de autoria de um exilado cubano, o livro é tratado pela máquina estatal como não existente mesmo sem conter, segundo ela, nada que possa ser visto como crítica ao regime. Uma espécie de censura no piloto automático. A certa altura ela sugere que, num país cujo sistema educacional trata Cabrera Infante como figura não existente, submeter o novo ganhador do Alfaguara ao mesmo tratamento é fácil, ainda que cada vez mais inútil.
Difícil é lidar com as Yoanis da vida.
11 Comentários
Não tenho nada a ver com sua ideologia que respeito, pois estou convicto de cada um tem o direito de pensar e agir de acordo com suas convicções auridas sob influencias várias. Por que então, querer enfiar pela goela a dentro de leitores cubanos, um livro escrito por um evadido e recebendo um prêmio de um país que sempre procurou eliminar Cuba, como país comunista?
Cuba tem os mesmos direttos dos EUA e outros paisds capitalistas de viver num regime escolhido e aceito pelo povo cubano. Ponha a mão na consciencia e respeito o direito de escolha dos outros, medsmo que seja contra sua forma de pensar. Ora bolas!!!!!!!!!!
Sérgio, você tocou num ponto fundamental: a falta de deslumbramento parece-me de fato um dos principais ingredientes a fazerem do texto de Yoani algo tão sensato – porque sempre crítico, inclusive do capitalismo – e, ao mesmo tempo, sensível – pois só um distanciamento crítico permite a produção de efeitos como os que você descreveu, tão variados e complexos. Além disso, manter o bom-humor em meio à mais terrível e sentida tristeza é uma virtude literária que não lembro ter encontrado muitas outras vezes. Fidel tem mesmo motivos para se preocupar.
O blog da Yoani é realmente muito bacana, cheguei nele através do Pedro Dória. E ela, no blog, escreveu um texto em que relata esta troca de livros entre amigos, já que a aquisição destes é tão dificil.
E o Carlos ali de cima só pode estar brincando, desde quando uma ditadura, o povo tem escolha!? É só dar uma lida na Yoani…
O blog da Yoani é das coisas mais interessantes que já li na internet, no que diz respeito a sites pessoais. Certa vez, numa reportagem sobre ela, havia a seguinte história: “Ela transmite suas mensagens valendo-se de algumas astúcias. Numa, fantasia-se de turista alemã, entra num hotel e despacha o texto previamente gravado.”
Há certos países que parecem ser criação de Kafka mesmo – se bem que, nesse caso, acho que está mais para William Gibson 😉
Camila, El Torero, Silvio: obrigado por rebaterem a bola dentro da quadra e mostrarem que é possível conversar na internet. Às vezes parece que não.
Obrigado tb, Camila, pelo seu post de ontem. Eu vinha planejando falar da Yoani faz tempo, mas coube a vc me lembrar disso na hora certa.
Abraços a todos.
A Yoani é uma heroína, sim. Estive em Cuba há uns dois anos e, deixando de lado qualquer ideologia, fiquei deprimidíssima ao entrar nas duas livrarias que encontrei em Havana. Não ter autor premiado é o de menos: eles não têm NADA. O pouco que têm é mal feito, as capas são tão ou mais feias quanto as da Martin Claret. E internet é difícil e caríssima até pra turista, o que dirá morador. Alguma editora podia se interessar pela moça e tentar reunir seus posts num livro para ser lançado mundo afora: em português, inglês, espanhol etc. Yoani não receberia um centavo, provavelmente. Mas eu acho que não se importaria tanto…
Concordo isabel. E depois enviaríamos um exemplar pro Carlos de Morais.
Bonito mesmo é aqui, não? Como disse uma cubana certa vez: “Oh! Não gosto das novelas brasileira, há muita miséria no seu país! ” Imagine se fosse um documentário. É pra chorar. E vem neoliberal tucano querer convencer brasileiro de que a miséria está lá, na ilha.
PAREI!
E outro pro Pedro de Oliveira. A lista tá aumentando.
Fuzilar inimigos políticos, prender milhares de outros, instituir censura, submeter a população à vigilância policial e à igualdade na miséria, tudo isso é coisa de menor importância e faz parte da rotina de qualquer ditadura.
O que é imperdoável no Fidel Castro é que, desde que assumiu o poder, o preço dos charutos cubanos aumentou demais.
Por falar em ditadura, democracia e blogs de qualidade…. onde foi parar o No Minimo, e a coluna do Flavio Pinheiro? Para mim o Sergio, o Fiuza e o Doria se safaram mas eu acho que o resto dos caras, vitimas de um complo do capitalismo-nacional-socialista-social-democrata-trabalista-internacional, deve estar em Guantanamo?
Eu gosto mesmo eh do Brasil!!
Abracos,
Conde de Affonso Celso