Uma emocionante homenagem ao recém-falecido escritor italiano Antonio Tabucchi em que é impossível demarcar com precisão a fronteira entre recordações verdadeiras e recordações inventadas; um breve ensaio poético de reverência aos radicais “escritores malogrados” que souberam diagnosticar e reagir a uma supostamente evidente ”morte da literatura”; e, por fim, um exame um tanto autocondescendente da própria obra em que seu último livro, “Ar de Dylan”, aparece como ápice. Na soma dos três passos, dos três textos lidos a partir de uma mesa no centro do palco, foi uma estranha atração – como não poderia deixar de ser, sendo Enrique Vila-Matas quem é – a que substituiu o desistente francês Le Clézio no horário nobre da Flip 2012, hoje à noite.
Será verdade que o pequeno Vila-Matas, com apenas cinco anos de idade, foi vizinho de veraneio de um Tabucchi cinco anos mais velho, a quem dizia insistentemente que “os adultos são estúpidos”? Qualquer que seja a resposta, ela não tirará o brilho de uma frase como esta: “Um dia descobri que Tabucchi era a sombra de Fernando Pessoa e decidi me tornar a sombra de Tabucchi, para ser a sombra de uma sombra de uma sombra”.
Da mesma forma, há evidente exagero em afirmar categoricamente que a literatura como a conhecemos está morta, soterrada pelo comercialismo, mas tem algo de tocante a ideia algo enigmática de que “o único caminho que lhe resta depois da morte” é o de “uma musica feita para si mesma, talvez uma sinfonia grotesca, ridicula, disparatada e obscura, mas com algo de emocionante: abnegadas musicas obsessivas, de malogrados para malogrados”. Como fizeram, segundo Vila-Matas, três escritores: Samuel Beckett, Thomas Bernhard e Roberto Bolaño.
O terceiro texto lido por Vila-Matas entre goles de água mineral foi o mais longo, mas por seu caráter – no fundo, confessemos logo – comercial, também o menos convincente. “’Ar de Dylan busca escrever a essência, o ar de nosso tempo, sua precariedade e sua volatilidade”, afirmou o autor, preconizando a leveza como valor estético e sem esconder a mágoa com os críticos espanhóis que o rotularam como um escritor light. Sua proposta: “Fazer da linguagem um elemento sem peso que flutue sobre as coisas como uma nuvem”.
Foi legal, mas saí da Tenda dos Autores com a impressão um pouco incômoda de que teria sido melhor – e mais leve – ler os três textos do que ouvi-los.
3 Comentários
O que mais surpreendeu na conferência de Vila-Matas não foi somente a erudição (presumível num escritor do seu porte) mas a coerência entre discurso e obra. Também a existência de um ideário estético firmemente estabelecido e perseguido, ou seja, a leveza, aquilo que a exemplo de Duchamp e do dadaísmo, dos ready-mades do começo do século XX, fazem dele, Vila-Matas, o escritor contemporâneo por excelência; um inovador em constante diálogo com esse mundo “pronto”, “moderno”, “imediato”, “acabado”, “portátil”, “transistorizado” que se transformou esse entreséculos.
Uma centralidade no diálogo com a industrialização, com a produção em série – uma resignificação da importância da arte e do artista, não mais centrada na manufatura, no artesanato, mas no conceito.
Olá, Sérgio, tudo bem? É a minha segunda FLIP, e o sentimento ainda é muito parecido com a primeira (ano passado): quero logo voltar. Espero que você me diga que, dez FLIPs depois, o sentimento ainda seja o mesmo haha.
Quanto ao Vila-Matas, aqui tá o “Música para malogrados”: http://cultura.elpais.com/cultura/2012/05/30/actualidad/1338373012_031044.html
Um abraço!