As oficinas literárias costumam ser responsabilizadas pela crescente padronização e achatamento da narrativa contemporânea. Isso é injusto. É a ansiedade dos escritores temerosos de serem excluídos de sua carreira de eleição, ao lado da crença compartilhada de que nós sabemos o que é a literatura e como produzi-la, que encoraja as pessoas a escrever livros semelhantes.
Não, o trecho acima não é de Saul Bellow (foto), que só será invocado algumas linhas abaixo: foi extraído deste artigo (em inglês), publicado por Tim Parks no blog do The New York Review of Books. O texto vem provocando boas conversas na blogosfera literária ao atacar, em busca de uma visão ampla, diversos aspectos polêmicos de um certo estado da literatura hoje – um balaio em que se engalfinham aspirantes e escritores “profissionais” em número inédito, cada um com seu agente e seu perfil no Facebook, todos fazendo mais ou menos a mesma coisa, segundo a avaliação pessimista do autor:
Na verdade, ninguém está esperando nada muito novo. Apenas novas versões do velho. Muitas vezes, ao ler livros para resenhá-los ou talvez como jurado de um prêmio, esbarro em romances caprichados que “fazem literatura” como ela é conhecida. A literatura de ficção tornou-se um gênero como qualquer outro, com uma certa trajetória, uma recompensa previsível e um corpo razoavelmente limitado e já bastante mapeado de sabedoria ocidental para suprir.
Qualquer um que leia a produção contemporânea com olhos críticos e livres terá dificuldade em negar um fundo de verdade a essas observações. No entanto, sempre que vejo alguém lamentar um desses processos de decadência – não só literária como espiritual, alimentar, emocional, educacional, esportiva, urbanística etc. – que vieram dar em nosso presente supostamente esvaziado e triste, eu me lembro de Moses Herzog, o genial personagem de Bellow, dizendo que todas essas ideias de “queda em desgraça” lhe pareciam cristãs. Herzog podia ser meio desequilibrado, mas seu comentário deixa Parks com um halo ingênuo de coroinha ao fazer afirmações como estas:
A conquista final do escritor de carreira, após uma vida inteira de festivais literários, prêmios, leituras públicas, seminários, títulos honorários, palestras e, claro, livros escritos, é – ou deveria ser – a de se colocar no “cânone”. No entanto, na cultura editorial que temos hoje, qualquer ideia de que um lento processo de peneiramento produzirá um cânone crível como aqueles que herdamos do passado longínquo é um disparate. O que quer que, no futuro, passe por um cânone da atualidade será em grande parte resultado de bom marketing, autopromoção e, naturalmente, sorte pura.
Não se trata de negar que o momento atual apresente novos desafios, com novas incógnitas no horizonte, mas acreditar que até ontem todos os escritores perseguiam a originalidade a qualquer preço e a “peneira” do cânone era um processo de justiça inatacável, inteiramente isento de marketing e sorte – isso também é um disparate.
2 Comentários
Serjão, não entendi o seu final. Está traduzindo o personagem de Below ou dando sua própria opinião, entre cético e cínico? E o valor “propriamente” estético, literário? Não entram (como mais um elemento, ao menos) no cânone? Então devemos ou usá-lo cinica e politicamente ou jogá-lo no lixo? Não me parece você.
Saraiva, é minha opinião, claro. E não vejo cinismo algum nela. Se você ler com atenção, verá que eu digo que o processo de eleição dos eleitos nunca foi “inteiramente isento” de elementos extraqualitativos como os que Parks diz marcarem a atualidade. Isso é muito diferente de dizer que o mérito não entra na equação. Um abraço.