Prezada senhora,
Obrigado por sua consulta. Nossa experiência de reabilitação de centenas de pacientes, quase todos afligidos por sintomas idênticos aos que a senhora descreve em seu e-mail, nos permite assegurar que seu filho estará inteiramente curado em apenas uma semana, caso a senhora opte por contratar nossos inovadores serviços.
Na jornada rumo à meta de todos os pais dignos desse nome, uma vida saudável e produtiva para seus filhos, a senhora já deu o passo mais importante: identificar o problema no nascedouro e evitar a ilusão confortável de que tudo não passará de uma paixão adolescente fugaz.
A espiral do vício, minha senhora, é implacável: dos suspiros pelos cantos, sempre cercada de livros, a vítima passa em 72,7% dos casos à fase que chamamos de “projeção ativa”, arriscando então seus próprios escritos, seduzida pela miragem de pertencer a esse mundo imaginário de beleza e sensibilidade que os ingênuos conhecem por literatura.
Diversos métodos de reabilitação já foram propostos por nossos concorrentes. Nenhum deles tem a eficácia comprovada do nosso. A dureza radical do tratamento que desenvolvemos – e que leva alguns pais a recuarem, sentindo pena de seus pimpolhos, o que é um erro terrível – nada mais é do que a única resposta à altura da gravidade do mal.
Sendo assim, faz-se necessário que, antes de prosseguirmos, a senhora assine o seguinte termo de responsabilidade:
Eu, ________, autorizo a internação de meu filho _________ num quarto sem janelas e à prova de som por sete dias, ao longo dos quais não terá contato com seres humanos e será alimentado três vezes ao dia por meio de uma portinhola. Estou ciente de que, do primeiro ao último minuto de sua estadia, ele ouvirá por um sistema de alto-falantes a leitura dos 27 livros que compõem as obras completas do crítico literário Dagoberto Castro de Menezes, começando por “Fenomenologia autotélica da metonímia machadiana e outros ensaios” e terminando pelo volumoso e seminal “Os arrufos de Tartufo: a fratura pós-moderna como mimese da irrepresentabilidade anticontemporânea”.
Firma reconhecida, por favor.
Atenciosamente,
Clínica Literatura Nunca Mais
17 Comentários
A pós-modernidade, com seus ismos, cria uma aversão não só à literatura, mas, também, ao pensar.
Juro que achei que apareciam as “Obras Completas” do Paulo Coelho e José Sarney!
E o que eu mais quero é que meus filhos continuem cada vez mais ‘viciados’…rs. Abçs
Hehehe…
hahaha, muito divertido!
Diz aí esse Dagoberto é um famoso professor da Uerj, né não?
Lince: Dagoberto Castro de Menezes é um personagem fictício. Um abraço.
tambem tenho um nojo de literatura
Haha, não existe doença mais saudável do que a literatura =)
Eu sugeriria “O caminho das borboletas” de Adriane Galisteu com o fundo musical daquela finada inglesa repetindo “no, no, no” 24h.
Interessante….gostei de sua colocação.hoje en dia qum não tem um livro publicado!
Boei!
Ô coisa mais chata é literatura, filme cult… ler me dá sono. Melhor gastar o tempo trabalhando. O que importa é ganhar dinheiro.
Engraçado! Num mundo completamente dominado pela internet e tecnologias diversas, além da TV, é claro, é normal que a mente das pessoas torne-se avessa a coisas tão complicadas como pensar ou ler um bom livro, não é verdade? O computador é um “deus” posto em um “altar” e é cultuado todos os dias por horas e horas. Isso sem falar da TV que toma as demais horas que o PC deixa sobrar. A frivolidade toma conta das mentes que se tornam cada vez mais preguiçosas. Os Reality Shows são a sensação do momento. Me perdoem, mas tem de ser muito ruim da cabeça para ficar assistindo esse tipo de coisa e ficar horas e horas no Orkut, Facebook, Twitter, Badoo (esse é o pior de todos), Picasa, e tantos outros. Mas, o que se há de fazer? Cada um escolhe o que acredita ser melhor para si! O que podemos fazer é, unicamente, respeitar a decisão de cada um.
Espero, sinceramente, que seja uma ironia.
Muito instrutivo, quase me candidatei e assinei, o termo.
Tratamento eficaz!
Nada como a verborragia acadêmica, graças a ela, fiquei “sóbria” por três anos após a faculdade de Letras…Não chegava perto nem de bula de remédio.
Depois o vício voltou porque estava no sangue mesmo…mas deve ser 100% para as pessoas normais. Recomendo!