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Literatura do futuro? Não, game do futuro

27/09/2010

Sinal dos tempos: um post (em inglês, acesso gratuito) que pretende lançar luz sobre o futuro da literatura saiu no blog de games do “Guardian”, sob o título: “Será a ficção interativa o futuro dos livros?” A questão não é nova, embora esteja cada vez mais presente nas conversas de gente letrada – e acredito que ocupe boa parte do tempo em que estarei, ao lado de Adriana Lisboa, conversando com o público do Café Literário da Bienal do Livro do Paraná neste sábado sobre “Literatura digital, e-books e o leitor do futuro: há uma revolução em curso?”.

Para encurtar, eu diria que o post saiu no blog certo. Talvez a ficção interativa seja o futuro dos games; dos livros, duvido muito. Isso não quer dizer que eu fique insensível à excitação do momento presente, em que as novas fronteiras abertas pelos leitores eletrônicos permitem imaginar maneiras até então impensáveis de contar histórias, com a incorporação de recursos de som e imagem e a exploração lúdica do hipertexto em benefício de narrativas que se expandam para o lado que o leitor quiser. Desenvolvimentos interessantes e, provavelmente, inevitáveis. Só que isso não é literatura.

O que é literatura, então? Claro que a pergunta é cascudíssima, mas arrisco uma definição que não me parece inteiramente tola ou restritiva: a arte de pintar quadros na cabeça do leitor (ou do ouvinte) por meio de um comboio de palavras. E a palavra que permite essa mágica, embora esteja oculta do enunciado, é a imaginação – a do autor estimulando a do receptor. Daí se pode concluir que a interatividade sempre esteve presente nesse jogo. Aparece de maneira mais explícita em “O jogo da amarelinha”, mas já existia na “Odisseia”.

Se a palavra-chave dessa discussão não pode, portanto, ser “interatividade”, resta outra, esta a meu ver mais certeira: multimídia. A explosão tecnológica de hoje não só permite como parece de fato exigir que a interatividade seja explorada em novos formatos narrativos. Mas se literatura é basicamente texto (embora nem todo texto seja literatura), no momento em que se enche um “livro” de recursos visuais e sonoros podemos ter grande arte, por que não, mas será necessário cunhar outra palavra para ela. Ou não: “game” talvez sirva.

13 Comentários

  • Mr. WRITER 27/09/2010em13:32

    Muito bom o texto, como sempre. Duas paixões: Games e literatura. E veio em boa hora seu texto Sérgio, mês que vem tem entrega de artigo no mestrado e é sobre o processo narrativo nos games…

    Valeu o texto e vai entrar nas referências… é RODRIGUES, Sérgio, não é?

  • Saint-Clair Stockler 27/09/2010em13:37

    Pois é, acho que se está confundindo algumas coisas. O futuro da narrativa visual está nos games. Acho isso há pelo menos uns 5 anos. E acrescento: nos games e no que mais surgir daqui pra frente; coisas do tipo do Second Life, é o que quero dizer – e que se tornarão cada vez mais difíceis de separar da “realidade”. Agora, o futuro da literatura é indissociável da palavra, seja em que suporte ela esteja. Uma tabuinha de argila, uma folha de papel ou uma touchscreen.

  • Augusto Treppi 27/09/2010em18:01

    Olá Sérgio,
    adorei o tema. Vejo interatividade mais como “participação”, não poderia ser? Por exemplo, você vai escrevendo algo on line, ou vai disponibilizando em site ou rede social, e pessoas vão opinando. Não quer dizer que o autor vai mudar ao sabor das opiniões, mas elas podem sim, em algumas situações, interferir na narrativa. Em vários momentos utilizo este método, que funciona até como um termometro de como a história atingirá as pessoas, e em último caso, se a forma usada está sendo entendida.
    Depois da obra pronta, aí sim, a interatividade (?) se dará somente na cabeça de quem lê, porque muito provavelmente a construção de imagens mentais não será a mesma para todos né?
    Abração

  • cristiane costa 27/09/2010em18:09

    Vale a pena ler sobre isso uma autora americana, Janet Murray, que escreveu Hamlet no Holodeck (já publicado no Brasil). Ela sustenta uma tese interessante: as mídias digitais podem dar origem a novos gêneros artísticos. Assim como o cinema não é teatro, televisão não é cinema, esse tipo de literatura pode vir a ganhar outro nome no futuro. Daí os especialistas preferirem falar em narrativa e storytelling mais do que literatura.

  • Marcelo ac 27/09/2010em20:59

    Sérgio, você arriscou uma definição de literatura que muito mestre de academia nem ousa passar perto. Mas quando fala em outro mestre dos mestres que é Cortazar, aí nem precisa de definição: a coisa é grandiosa por si. O game é só excitante! Red Bull neles.

  • Leonardo Villa-Forte 27/09/2010em22:08

    Acho que este é uma tema muito interessante e que ainda vai render muito. Concordo com você, Sérgio, quando você diz que aí com a inserção de imagens, sons e outros elementos, o trabalho torna-se outro, não é mais literatura. É uma outra coisa que poderá ser definida num futuro. E o poder da literatura é exatamente o de possibilitar a criação de todos esses elementos, para o leitor, por meio de um recurso: a palavra. Lembrando que a palavra, por si mesma, em sua composição última, ou seja letra e espaço, é algo visual.
    Faço um trabalho de reorganização literária no qual componho pequenos contos mediante a seleção e estruturação de diversos trechos tirados de diferentes autores e livros, claro, com a citação de todos abaixo, porque esse é o barato do trabalho. Gostaria de convidar você, Sérgio, e quem mais interessar, a conhecê-lo, pois acho que se insere nesse debate contemporâneo que você levante neste post. O nome é MixLit, pesquisando no Google dá logo nele.

  • Alberto Ricardo Präss 28/09/2010em00:29

    É incrível ver como quase todos analisam pelos seus interesses. Algo humano, óbvio. A convergência nas formas de transmissão de “literatura” irá acontecer, mas certamente haverá espaço para todas elas (audiolivros, textos interativos, textos estáticos, tec). O que não vai acontecer EM GRANDE ESCALA, é o livro no formato que a minha geração se acostumou. As enciclopédias morrerão há anos. Os jornais em papel, estão prestes a se tronarem obsoletos. Mas o que não se tronará obseleto a a ânsia por conhecimento. Seja num Kindle ou num iPad. Sejam num texto estático, seja num texto interativo.

  • Victor Vasques 28/09/2010em01:20

    Muito bom o texto. Havia concordado com esta perspectiva em um texto que falava exatamente sobre o vídeo que o Guardian usou – http://ow.ly/2KPSA

    Acredito que cada vez mais os livros ganharão aspectos de plataformas multimídias. Se atualmente já temos algumas revistas interativas (a.k.a – Veja) no iPad, por que não transpor essa qualidade para ajudar o escritor a “pintar quadros na cabeça do leitor”?

    Assim como revemos conceitos tecnológicos e científicos, não seria o momento de pensar se toda literatura precisa ser basicamente texto?

    Também não será hora de deixarmos o velho conceito de “game”, aquele que muitos ainda veem o jogo como uma mera diversão ou perda de tempo, e nos atentarmos para um mercado que hoje movimenta mais que a indústria do cinema?

    É! Como você disse, talvez “game” sirva para definir a literatura do futuro.

  • Otto Brill 28/09/2010em07:08

    Desculpe pela ignorância, vc não acabou de dizer que “literatura é a arte de pintar quadros na cabeça de alguem”. Então, o game a que vc se refere também é literatura. Pode não ser a Odisséia, mas é literatura.

  • lvdovicvs 28/09/2010em07:09

    O quente dos e-books não é esta interatividade. É o fato de você poder ter na palma das mãos uma biblioteca com todo o Santo Agostinho, todo o Homero, Todo Shakespeare e toda a bíblia, para ler quando quiser. Ou você ter na palma da mão uma biblioteca imensa, daquelas que só muito ricos poderiam ter . Isto é literatura , isto é maravilhoso.

  • angela maria 28/09/2010em08:35

    Gostei tanto que vou copiar no meu blog, “blogdangela.blogspot.com).

  • sergiorodrigues 28/09/2010em13:21

    Caros, dois pontos que acredito não terem ficado claros na minha argumentação, a julgar por alguns comentários:

    – Qualquer narrativa que não se sustente na palavra não pode ser chamada de literatura (Otto, faltou vc levar em conta “por meio de um comboio de palavras”). Por que deveria? Qual é o benefício de estender dessa forma o alcance semântico do termo? Beneficiar-se de seu “prestígio cultural”? Se game não for conveniente, que inventem um neologismo qualquer para as narrativas multimídia que parecem destinadas a vir por aí, e às quais desejo sucesso.

    – A literatura, isto é, a narrativa que se sustenta na palavra, não está ameaçada pelas novas tecnologias. Vai continuar existindo no meio de todo esse burburinho porque cumpre uma função que nenhuma outra forma de narrativa cumpre. Se será lida num aparelho eletrônico ou numa brochura vagabunda, isso não tem evidentemente a menor importância.

    Ah, e Leonardo: já andei dando uma olhada no MixLit, um tempo atrás. Gostei bastante da ideia, parabéns e boa sorte.

    Abraços a todos.

  • dade amorim 28/09/2010em17:41

    Essa discussão ainda está longe do fim. Mais que conceitos definitivos, acho que o importante agora é abrir caminhos, porque os debatedores têm graus diferentes de experiência dos novos recursos. Muitos nem mesmo conseguiram se livrar de preconceitos ou não conseguem falar com isenção por falta de conhecimento desses recursos. Mas você tem razão, quando diz que a literatura tem existência autônoma e garantida, no meio dessa pequena Babel.