Um dos chavões preferidos da imprensa literária brasileira é discutir a discreta presença do futebol em nossa ficção. E o carnaval, clichê da “nacionalidade” tão forte quanto o velho ludopédio, será que está bem representado?
À primeira vista, não. “O país do carnaval”, romance de estréia de Jorge Amado, de carnavalesco mesmo tem pouco mais que o nome. Os contos “Antes do baile verde”, de Lygia Fagundes Telles, e “A morte da porta-estandarte”, de Aníbal Machado, chegam mais perto da festa, mas mantendo um pé na vida e outro na morte. Também sombrio, “O bebê da tarlatana rosa”, de João do Rio, outra história curta, talvez entre mais um pouco no espírito da gandaia. Mas cabe à crônica “Batalha no Largo do Machado”, de Rubem Braga, ser, esta sim, uma brilhante tradução em prosa da ofegante epidemia. É claro que o gênero crônica, por sua natureza, oferece uma fartura de textos de carnaval, mas não acredito que algum deles chegue perto desse do Braga.
Devo estar esquecendo títulos importantíssimos, com certeza. Infelizmente, nunca tive nas mãos a (esgotadíssima) “Antologia do carnaval”, de Wilson Louzada. Sendo este post uma obra aberta, espero que me corrijam. Mas mesmo assim o saldo tende a ser magro. Na poesia, Manuel Bandeira e Mario de Andrade abrem alas para um bloco ativo, ainda que meio melancólico, ali na fronteira da Quarta de Cinzas. A prosa fica devendo ou é impressão minha?
28 Comentários
Com certeza a prosa fica devendo!Não conheço este texto de Rubem Braga e, como sou filha de capixaba, peço se você pode publicar, prá meu deleite e da minha mãe
Que eu me lembre, no livro Lucia Maccartney, onde está o conto de Rubem Fonseca no qual Mandrake aparece pela primeira vez, tem-se um baile de carnaval. O mesmo ambiente é caracterizado com muito bom humor em Budapeste, de Chico Buarque. Há poucos anos, o jornalista Arthur Dapieve lançou um livro, De cada amor tu herdarás só o cinismo, no qual há um bom trecho sobre o atual carnaval do Rio de Janeiro. Dapieve fala de maneira bastante acertada sobre os novos foliões cariocas, que sofrem de um certo saudosismo daquilo que não se viveu.
Renard Perez tem um conto (não me lembro agora o título) sobre o assunto no seu livro “Trio”, que ganhou uma das bienais da Nestlé, acho que a primeira.
Hélio Pólvora tem um conto (também não sei o título) sobre Carnaval no seu “Xerazade”.
Assim, de cara, me lembro desses dois.
Caprichosos da Tijuca, conto de Marques Rabelo, que também descreve impressionantes cenas do carnaval carioca na trilogia O espelho partido.
No segundo romance de Carlos Heitor Cony, A verdade de cada dia, tem uma cena de baile muito boa.
Fevereiro ou março, de Rubem Fonseca, é uma obra-prima sobre o tema carnaval, em especial o carioca.
Concordo: a prosa fica devendo, sim. De minha parte, escrevi dois contos ambientados no carnaval. Ambos estão no meu mais recente livro.
Nossa! Viajei no tempo agora, revirando a memória lembrei de “O fantástico homem do metrô”, de Stella Car. O livro é de alguma série tipo “Para gostar de ler” e mistura seitas secretas, maçonaria, rosacruz, enfim, um emboloado de coisas que se passam no carnaval de São Paulo. Um romance policialesco no meio de barracões, cuícas e tamborins. Para ser sincero não faço nem idéia se é bom, ao menos na época, lá pelos 12 anos, eu curti.
“O sétimo punhal”, do Victor Giudice, também tem algumas cenas em flashback passadas em um baile de Carnaval, em São Cristóvão.
Ops, e tem, claro, o recente romance “Carnaval”, do João Gabriel de Lima.
Tem o primoroso Restos de carnaval, da Clarice Lispector.
Bem lembrado Zé, o Restos de Carnaval, da Lispector. Um trecho bem interessante:
“E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.”
Ia falar de Marques Rebelo, já citado pelo alvaro.
O grande escritor e carioca Marques Rebelo.
Reli recentemente dele “O simples coronel Madureira” – 1ª edição: BUP, Civilização Brasileira, 1967; 2ª edição: Salamandra, 1980.
Que novelinha maravilhosa!
A 2ª edição, cotejada com os manuscritos do autor, possui acréscimos em relação à 1ª.
Um grande livro que aborda o carnaval, mas não é brasileiro: O Sonho dos Heróis, de Bioy Casares.
Primeira frase:
“A lo largo de tres días y de tres noches del carnaval de 1927 la vida de Emilio Gauna logró su primera y misteriosa culminación.”
Sérgio,
Essa tese de que falta futebol na literatura brasileira é furada, já virou clichê. Assim como a da falta de carnaval, que também é besteira, só pelas amostras que os leitores estão deixando nos posts ai em cima. Tem carnaval pra caramba na literatura brasileira e se for fazer um levantamento, putz… o que vai aparecer!!
O que os caras queriam? Que todos os livros, todos os textos, abordassem o futebol? Ou o carnaval? Esses temas são abordados de vez em quando, por um ou outro autor. Ou seja, normal…
Claro que outros temas ganham mais espaço, como a violência (será?) e aqueles perenes como o amor e a morte, que são o pano de fundo de praticamente todos os livros, não é verdade?
A Fúria do corpo do Noll tem cenas de carnaval no Rio de grande impacto!Mas concordo com o Sérgio, devido à importância do evento na sociedade brasileira, o tema deveria ser mais freqüente em nossa literatura!
Carnaval? O que é isso mesmo?
Snif…snif… que merda: a Clarice sumiu mesmo, que nem ela disse que ia fazer. Êta mulher de palavra, sô!
***saudades***
Agora ela volta…
Se está faltando carnaval ou futebol na literatura, talvez, seja porque esteja faltando futebolistas e carnavalescos nas livrarias. Será que estou falando besteiras?
Evoé
Protetora do Carnaval em Botafogo
Mãe do rancho vitorioso
Nas pugnas de Momo
Auxiliadora dos artísticos trabalhos
Do barracão
Patrona do livro de ouro
Proteje nosso querido artista Pedrinho
Como o chamamos na intimidade
Para que o brilhante cortejo
Que vamos sobremeter à apreciação
Do culto povo carioca
E da Imprensa Brasileira
Acérrima defensora da Verdade e da Razão
Seja o mais luxuoso novo e original
E tenha o veredictum unânime
No grande prélio
Que dentro de poucas horas
Se travará entre as hostes aguerridas
Do Riso e da Loucura
Oswald, “Nossa Senhora dos Cordões”,
A banda de clarins
Anuncia com os seus clangorosos sons
A aproximação do impetuoso cortejo
A comissão de frente
Composta
De distintos cavaleiros da boa sociedade
Rigorosamente trajados
E montando fogosos corcéis
Pede licença de chapéu na mão
20 crianças representando de vespas
Constituem a guarda de honra
Da Porta-Estandarte
Que é precedida de 20 damas
Fantasiadas de pavão
Quando 40 homens do coro
Conduzindo palmas
E artisticamente fantasiados de papoulas
Abrem a Alegoria
Do Palácio Floral
Entre luzes elétricas
Oswald, “Na avenida”.
Eu ia citar o “Carnaval”, do João Gabriel de Lima, citado no ano passado.
O argumento de que falta futebol na nossa literatura é realmente furado – não faltam livros em que o futebol é pano de fundo. Muitas vezes faltam é livros BONS.
Uma das exceções mais recentes é “O Segundo Tempo”, de Michel Laub.
E aqui no Rio Grande do Sul, no ano 2001, por aí, o cronista Ruy Carlos Ostermann lançou uma coletânea de histórias sobre futebol que ele havia compilado para uma série publicada originalmente na Zero Hora – provavelmente não teve grande distribuição. Juntava “Meia Encarnada, Dura de Sangue”, do Lourenço Cazarré, “Não havia de culpar a vida”, de Edilberto Coutinho, “Abril, no Rio, 1970”, de Rubem Fonseca e “Domingo de Gre-Nal”, de Sergio Faraco, entre outros que a memória não me socorre no momento.
Já de Carnaval, só lembrei desses aí já citados, mesmo.
Ops, não era “citado no ano passado”, era “Publicado noano passado”.
Oi Sergio, voce tem razao, a Batalha do Largo do Machado, do Braga, talvez seja mesmo a melhor traduçao da folia momesca. Mas, falando em João do Rio, voce esqueceu da maravilhosa cronica “Cordões”. Segue o link para quem quiser ler. Um abraço.
http://www.jangadabrasil.com.br/fevereiro42/fe42020b.htm
Saint Clair, tambem do Victor Giudice há o conto “O dia em que nossa vizinha enlouqueceu”, no qual uma saida para o Baile dos Letrados é interrompida pelo surto da vizinha que acaba levando o protagonista a… bem, o melhor é ler o conto. Fica no livro “Os banheiros”, primoroso. Inesquecivel o Victor Giudice.
Pô Saint-Clair, assim eu fico envergonhada. buáááááááá´… sniff… sniff…
Tô dando uma olhadinha.
Por coinscidência esta semana passou, não sei em que canal pois zapeio muito e só paro em canais que gosto, umas entrevistas com escritores sobre… futebol como tema.
Confesso que vi uns três e fui embora. Os de sempre, se vocês estão entendendo…
Ok. Mas agora chega, né?
Ainda sobre futebol, e o “Maracanã, adeus!, do Edilberto Coutinho, um livraço de contos “todo” sobre o tema…