No que toca à questão étnica abordada nos romances, pode-se constatar que, além de não ter se esquivado dos problemas que afetavam os afro-brasileiros, Machado fala de seus irmãos de cor como sujeitos marcados por traços indeléveis de humanidade e por um perfil que quase sempre os dignifica, apesar da posição secundária que ocupam nos enredos. Impõe-se destacar que essa ausência de protagonismo está em homologia com o papel social por eles desempenhado, caracterizado pela subalternidade da condição e pela redução a mera força de trabalho, como já demonstrou Gizêlda Melo do Nascimento (2002). Ainda assim, o escritor, se não os eleva a heróis épicos da raça ou a líderes quilombolas, o que de resto comprometeria a verossimilhança do universo citadino e burguês representado nos textos, também não os limita ao formato estreito advindo dos estereótipos dominantes no imaginário social do Segundo Reinado.
O livro “Machado de Assis afro-descendente”, de Eduardo de Assis Duarte (Pallas/Crisálida, 288 páginas, preço a definir), professor de literatura da Universidade Federal de Minas Gerais, supre uma lacuna nos estudos machadianos ao levantar na obra do gênio brasileiro os textos e trechos de textos que lidam de alguma forma com o problema da escravidão. A velha crença de que Machado foi um escritor “alienado” das questões sociais e políticas nacionais já foi feita em mil pedacinhos por críticos como Roberto Schwarz e John Gledson. Às vezes chego a acreditar que, com seu modo oblíquo de lidar com uma realidade hostil a abordagens frontais, Machado foi justamente o oposto disso – o menos alienado dos escritores brasileiros. Já a imagem de um “traidor da raça” é mais resistente. Entre outras razões porque, obviamente, o mulato carioca orientou mesmo sua vida para um certo “branqueamento” social e cultural. O que está longe, muito longe de significar indiferença à tragédia da escravidão, como o trabalho de Assis Duarte deixa claro.
Breve anotação na margem: quanta força, elegância e perenidade ganharia o título deste livro se “afro-descendente”, palavrinha de visgo politicamente correto, fosse trocada por “negro”.
93 Comentários
É a maldição da burrice politicamente correta, Sergio? O livro pode ser ótimo, mas que esse título depõe contra, ah depõe…
P.S. No lugar desse ponto de interrogação, deveria estar um de exclamação…
Ah, bem, estão descobrindo a pólvora. Basta ler – LER! – a obra do Machado pra perceber que ele nunca foi alienado das afro-questões (qua qua qua). Basta só um exemplo: aquela escrava grávida que aborta devido aos maus tratos do patrão, num dos seus contos (não me lembro exatamente qual, acho que é “Pai contra Mãe”). Só esse já serviria pra mostrar que Machado fez no Brasil, mais de 150 anos antes, algo parecido com o que fez e faz a Toni Morrison na Amérika.
“Impõe-se destacar que essa ausência de protagonismo está em homologia com o papel social por eles desempenhado, caracterizado pela subalternidade da condição e pela redução a mera força de trabalho…”
Isso é piada, né? Diz pra mim que é piada. Ah, é claro que é piada.
Por que diabos Machado haveria de NECESSARIAMENTE se preocupar com “a condição social dos negros”? Pode não ser esta a pergunta, mas a impressão nítida que se tem com esse tipo de livro é a de que Machado seria autor menos digno de admiração, não tivesse ele se preocupado com a “condição social dos negros”.
As vezes me questiono se os estudos literarios brasileiros nao deveriam procurar novas searas, sair um pouco do esquema representacao social/minorias discriminadas/elogios rasgados/analises psico-sociais.
Nao há nada de novo por aí, nao? Vou chutar que uns oitenta por cento das teses de mestrado e doutorado em literatura brasileira se centram na questao da representacao social.
“A representacao do negro na obra machadiana”
“A representacao da mulher na obra machadiana”
E outros blablablás cansativos.
O mais chato de tudo é que ninguem consegue romper o esquema basico destes estudos de genero, de minorias, etc. É aquela mesma conversa de comadre de sempre. E é dificil inovar, porque nenhum professor aceita o desafio de orientar um mestrando ou doutorando por uma linha de pensamento diversa da linha de pesquisa a qual o professor está vinculado. Se o seu trabalho nao encontrar respaldo nas teorias literarias euro-americanas, já era. Voce é um outsider que sequer irá passar no teste de pre-selecao do mestrado…
FASDOIFA,
Não é bem assim: consegui passar pro Mestrado com um projeto de dissertação bastante diferente desse esquemão (realmente existente) que você aponta. Veja o título da minha dissertação: “A Jornada do Herói em ‘Onde andará Dulce Veiga?'”, em que vou misturar Joseph Campbell (monomito, Jornada do Herói) com o Caio Fernando Abreu (muito heroicamente, salvando-o dos queer studies, hahaha). Tenho o maior orgulho dessa minha “ideiazinha”: vai dizer que não é original? Ah, não que eu esteja particularmente preocupado com originalidade. O que eu queria era que fosse uma dissertação divertida. E isso, nem que seja a última coisa acadêmica que farei, vai ser!
Como cronista, Machado de Assis foi tímido ao tocar no tema da escravidão. Caro Sérgio, a obra avança em aspectos da vida privada e pública de nosso Machado?
Alvaro: não muito. É basicamente uma antologia temática, seguida de um ensaio não muito extenso. O mérito maior é dar a palavra ao próprio Machado e facilitar estudos posteriores.
Concordo com o Paulo: por que Machado teria que falar sobre isso? É um policiamente infeliz. E o trecho caracterizado pelo outro Paulo como piada, tem uma forte verve marxista. Por que esse tipo de estudo sempre tem que passar pelo mesmo viés? Por que tudo precisa ser tão politicamente correto? Por que Machado deveria fazer de sua literatura uma causa para classes?
Só complementando: eu concordo com o Sérgio que, à sua maneira, Machado foi o menos alienado dos nossos autores. Apenas acho que ele nem precisaria ter sido assim. A patrulha que fazem é muito incômoda.
Jonas e Outro Paulo, acho que não é bem por aí. Machado é, desculpem o chavão, um continente. Acho que qualquer desbravador é bem-vindo, em qualquer praia que aporte, com qualquer ferramenta que se embrenhe na mata. Ainda falta entender muita coisa do cara. Não vejo por que um levantamento exaustivo (ou quase) do tratamento que ele deu ao tema da escravidão – que afinal de contas é absolutamente central na história do Brasil – possa ser considerado “policiamento”. A academia anda orientada demais por questões de etnia, gênero etc.? Concordo inteiramente. Mas isso não quer dizer que essas questões sejam irrelevantes. Quanto ao suposto “marxismo” do autor, não estou bem certo se procede. Já o marxismo do Roberto Schwarz, esse sim é flagrante. E finíssimo. Ninguém, a meu ver, chegou tão perto quanto ele de explicar por que o diabo do Machado é o monstro que é. E nesse caso sem reducionismo nenhum, podem acreditar.
Não quero desmerecer o estudo nem mesmo o livro, mas concordo com o que alguns comentaristas disseram… não mencionar os negros como protagonistas não significa dar importância a causa? Significa alienamento em relação ao mundo que o cercava? As pessoas tem mania de querer ferrar com escritores como Machado de Assis… dia desses aparece um dizendo que o cara era racista…
A propósito do título, concordo com o Sérgio também, esse papo de afro-isso, afro-aquilo é muito chato… o politicamente correto é muito sem graça… vai ver foi exig~encia da editora, sei lá, mas que é sem graça é…
Alguém ai conhece algum estudo, monografia, artigo, tese ou qualquer coisa que faça um estudo da literatura através da semiótica peirciana?
Abraços…
“Breve anotação na margem”(?)
Fiquei de queixo caído quando li afro-brasileiros. Mas isto vai pegar?
Como diz a Whoopi “- Eu não sou afro-americana. Sou americana.”
Quanto às questões afro-descendência…
Eu nunca soube mas imagino que Machado tenha se casado com uma loura como fazem todos os afro-descendentes nas Américas norte ou sul que tenham algum destaque.
Agora até fica mais fácil por que as negras também estão pintando o cabelo de louro. É só botar uma lente de contato azul ou verde, passar o negócio do Michael Jackson e tá tudo resolvido.
Já que estamos na semântica: Ghostwriter, este teu nick é uma vergonha. Desculpe mas pensa bem em tudo o que representa esta palavra.
Completa falta de ética em vários níveis.
“Isso é piada, né? Diz pra mim que é piada. Ah, é claro que é piada.”
———
Parabéns, Paulo, pelo melhor comentário crítico sobre o livro! E o livro trata logo sobre Machado de Assis!
Entendo Clarice, na verdade é apenas uma brincadeira com o nick que uso em outros blogs do Nomínimo… Mr. WRITER… que nada mais é do que uma homenagem a uma música que gosto muito e tem esse nome, é de uma banda inglesa chamada Stereophonics… quanto ao ghostwriter, termo usado na literatura, sei o que significa para alguns, para mim é apenas uma brincadeira… não sou fantasma, menos ainda escritor… sou designer por formação e profissão…
Além do mais, não estou sendo anti-ético com ninguém no espaço do blog, não estou ofendendo ninguém e se estivesse, certamente pediria desculpas, pois estou aqui por prazer e não para insultar outras pessoas, menos ainda me comportar de forma anti-ética… e se o fizesse, certamente já teria levado um puxão de orelha desde que comecei a frequentar o espaço do Sérgio… posso continuar assinando Mr. Ghost(WRITER), ou Mr. WRITER como faço em outros espaços… tanto faz…
Abraços Clarice, abraços demais comentaristas…
Sérgio, demais comentaristas… desculpem a fuga do tema…
Eu não disse que você era antiético. Mas o nick. Além da referência à literatura é termo usado para pessoas que são pagas para defenderem interesses escusos.
Não é nada com sua pessoa.
Como disse amiga Clarice, entendo seu comentário em relação ao termo ghostwriter, mas o conheço como sendo usado por escritores que não querem se identificar… salvo algum engano, e me corrijam em caso positivo, Clarice Lispector escreveu algumas coisas como ghostwriter… e é nesse sentido, até porque gosto muito da escritora, que fiz uma brincadeira entre o nic mr. writer e a palavra ghost, exatamente porque resultaria no termo usado pelos escritores que não querem ter sua identidade revelada, e lógico, usar para um blog que fala de livros, escritores, literatura etc… quanto ao caso que você mencionou, o fato de pagarem para ghostwriters para falarem mal de alguém, desconheço casos pontuais, exatamente por isso que não achei o termo tão pejorativo…
Abraços…
well….Machado de Assis negro?????…Quando? Onde? Como?
O pai dele era MULATO e a mãe portuguesa!!
Então podemos dizer que também podia ser Branco!!
Sorry,boys, mas Machado de Assis era MESTIÇO (ou MULATO, como queiram). Nada mais brasileiro do que essa mestiçagem.
Saint-Clair, vc é uma exceção na Academia. E exceções só confirmam a regra
Leiam esses dois contos de Machado de Assis e venham dizer se ele era um alienado da “questão servil”:
* O caso da vara
* Pai contra mãe
Leiam qualquer coisa de José de Alencar e a diferença salta aos olhos. Surpreende saber que Alencar, que era deputado em 1871, votou contra a Lei do Ventre Livre?
Sabe aquela conversa que foi Shakespeare quem inventou o ser humano? Pode até ser, não sei, mas que foi Machado quem inventou o negro brasileiro, ah isso foi. Depois apareceram o Jorge Amado e o Pelé e esculhambaram tudo. Mas essa já é outra história.
Basta ler os comments de voces pra se entender o por que de a afrodescesdência de Machado fazer parte do título e a necessidade, cada vez mais, de muitos e muitos estudos de gênero e minorias em geral nessa terra de “Náufragos , traficantes e degradados” com pose de herdeiros de Shakespeare.
Aguardem, tudo isso é só o começo!
“afro descendente, palavrinha de visgo politicamente correto”
Frase genial. Até pela aplicação do “visgo” que colou naturalmente. Ops!
Pelo comentário da Clarice “…todos os negros de destaque casam com brancas … “, vejo que há ainda um mundo para ser comentado sobre esse livro.
Lí o post e acho que é uma piada.
Ou uma desculpa tardia feita por quem lendo Machado nunca viu referencia à negritude embora os historiadores o classifiquem mulato.
Mulato claro, mestiço, foi alçado graças a sua arte à condição de branco. O que no século passado era uma ascensão social.
Estes dois contos a que se referem acima tem mais a ver com piedade que com consciência de sua raça. Perante sua miríade de obras, é uma gota d’agua no oceano.
Em uma de suas obras principais, vê-se o negro como caricatura, montado como uma besta por Brás Cubas. Ou confirmando a condição escravocrata, quando Brás Cubas vê este dito escravo devolvendo com juros o que tinha apanhado dele.
Fora isso em nenhuma obra principal se vê o elemento negro, a não ser em carater jocoso ou secundário.
Acho que é uma piada pois quem lê um autor de sua época como Lima Barreto, que reflete em suas principais obras e em sua biografia a questão racial e o preconceito, sabe que Machado, independente de sua enorme qualidade literária, era um covarde racial, se fazendo de branco pra melhor passar.
“Aguardem, tudo isso é só o começo!”
Fiquei curiosa… Começo do que, Kadija?
Carissimos,
Que me perdoem, mas o extrato exposto por nosso nobre Sergio Rodrigues e as leituras que fiz de alguns romances e contos de Mestre Machado nao me levam a concordancia com o autor do ensaio do livro em questao. Por exemplo:
“Machado fala de seus irmãos de cor como sujeitos marcados por traços indeléveis de humanidade e por um perfil que quase sempre os dignifica, apesar da posição secundária que ocupam nos enredos.” Qual é a dignidade em uma vida de escravo? Por que ele disse que nao queria trazer filhos ao mundo? Referia-se a seu problema de saúde e/ou a questao de raça? Em minha modesta opiniao Machado, em sua obra, se isentou de tocar nesse assunto. E vejo o ensaio e a tese apresentada como defensável. Senão bizarra.
…e existem outros bons autores nacionais para serem esquadrinhados pelos academicos da ultima flor do Lácio. Vamos deixar o bruxo velho descansar em paz em Pasárgada.
afrodescendente e negro não querem dizer a mesma coisa. trocar uma palavra pela outra não é questão de (in)correção política, apenas, mas de precisão na designação. afrodescendente Machado era, sem dúvida. q fosse negro, é discutível. mulato, pardo, mestiço, parecem mesmo termos mais adequados. pelo menos aqui no brasil, onde não ainda não dividimos as etnias em grupos estanques.
Clarice:
O Machado casou com uma portuguesa branca (portanto, você acertou: Carolina era quase uma “loira”). Já ouvi insinuações de que havia algo de “vergonhoso” no passado da Carolina pra família ter aceitado que ela se casasse com um negro. A insinuação, falemos sem rodeios, era a de que ela não era mais virgem e, portanto, a família sentiu-se mais do que aliviada em casá-la com o primeiro pretendente que pintou pela frente: o nosso Machadinho.
O que é certo é que foi um casamento fantástico. Parece que Carolina tinha cérebro, sabe? O que era imperdoável naquela época. Será que ela era, à semelhança do marido, alguém muito à frente do seu tempo? A história de que ela transou quando solteira me prova isso…
Eu gostaria que alguém investigasse melhor a história da vida da esposa de Machado. Tenho a intuição de que descobriríamos coisas fantásticas sobre ela. “Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”, sabe?
Marcelo,
Não me sinto nem um pouco feliz em dizer que sou exceção, sim. Infelizmente. O pessoal ainda insiste em fazer dissertações e teses sobre Clarice Lispector e Guimarâes Rosa. O quê de importante e novo, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda há pra se falar a respeito de Clarice Lispector e Guimarães Rosa? Já se disse praticamente TUDO!
Ah, entendi: na verdade o que se faz é uma salada de tudo que já foi dito antes. Assim é mais fácil…
Alguém conhece algum estudo literario com base na Semiótica de C.S. Peirce? Pode ser literatura brasileira ou estrangeira… alguém conhece?
Tem “O signo de três”, do Umberto Eco.
Tem uma professora paulista com trabalhos nessa área. Mas não me lembro agora o nome dela… Se me lembrar, aviso.
Deu hoje no Ancelmo Gois:
“O italiano Roberto Pazzi, no bom romance ‘Conclave’ (Editora Alfaguara/Objetiva), fala na página 41 da morte do arcebispo (fictício) do Rio numa escolha de Papa. Depois, na página 42, parla serio, recorda a morte do cardeal e o chama de… ‘argentino'”.
E de literatura brasileira Saint-Clair, conheces algum? De autor braisleiro?
Eu particularmente não gosto o Umberto Eco… ele era primeiramente semiótico com base nos estudos da Linguistica de Saussure e de sua semiologia… só depois que ele enveredou pela semiótica peirciana que é predominantemente triádica…
E, é nesta que queria ver algum estudo literario, de preferência na literatura nacional…
Abraços, valeu a resposta…
Bom, Machado é filho de pai branco e mãe negra (ou mulata?); querem apagar a herança ou influência genética, familiar, social e educacional do lado branco? Racismo com o negro não pode; com o branco pode.
Assumamos nossa condição de miscigenados ou é mais fácil e preguiçoso colocar o mundo de forma simplista entre branco e preto? Aliás, quem tem medo e suscetibilidade com as palavras? O negro ou o branco?
Mr. Ghost(WRITER):
O livro que indiquei não é só do Eco: tem 3 autores. Talvez você goste desse.
Quanto ao livro da professora paulista, nunca li. Talvez ele tenha algo. O foda vai ser eu me lembrar do nome…
Machado de Assis negro? Parece-me mais um título de subliteratura, como o “O Papa Negro”, que tanta polêmica provocou nas mentes ociosas.
Embranquecer, que seria suma infâmia cometida por Machado de Assis, não foi senão ascender socialmente, sair da pobreza, alcançar a classe média, que tantos gostam de odiar. A vilania de Machado de Assis foi melhorar de vida; o pobre Lima Barreto, que consumiu seus últimos dias no vício do álcool, merece todas as palmas por se manter assim, miserável, esfarrapado, carregado de andrajos, tonteando em passos ébrios. Os que acusam Machado de traidor da raça são aqueles que inconsciente e involuntariamente abraçam a tese de que os negros e mulatos devem se manter mergulhados na mais profunda miséria, tão mais dignificante quanto mais funda e degradante. Os que saem da pobreza cometem o supremo pecado do “embranquecimento”.
P.S.: Quem disse que não queria ter filhos foi Brás Cubas, personagem fictício branco e rico. Melhor dizendo, Brás Cubas, fazendo o balanço final da sua vida, afirmou que, no fim das contas, diante de tanta miséria humana, o fato não ter gerado descendentes seria algo positivo. Se alguém se dispuser a ler as “Memórias Póstumas” com cuidado, descobrirá que Brás Cubas deseja filhos, tanto que ficou imensamente feliz com a notícia de que Virgília estaria grávida e grandemente entristecido quando soube que ela abortara.
Machado (não querendo fazer mais um lugar-comum, como disse o Sergio Rodrigues) era tão universal, mas tão universal, que essa questão racial devia ser o de menos. Ele simplesmente não ligou pra isso. Não era o seu tema. Assim como não eram seus temas questões que lhe deveriam falar mais alto, cotidianamente, como o ódio de uma vida inteira que Silvio Romero lhe dedicou, com textos que não acabavam mais; por ser mulato, por residir na Corte e, principalmente, por ter feito uma crítica profissional a um de seus primeiros escritos (que era bem ruinzinho mesmo). Como se vê, Machado sempre teve milhões de pecados a pagar, e pelo jeito os tem até hoje.
Alguém conhece “Memorial do Fim (A Morte de Machado de Assis)”, do paraense Haroldo Maranhão, uma das mais apaixonantes homenagens de um escritor a outro escritor?
Haroldo (1927-2005) é tão bom, ou melhor, que o ótimo Milton Hatoum.
Mas a crítica, caolha, que gravita em torno do próprio umbigo, sequer o leu (se o leu)com atenção, com exceção de nomes como José Paulo Paes e Benedito Nunes, entre poucos mais, que deram ao autor de romances como Cabelos no Coração, Rio de Raivas e O Tetraneto Del-Rei, a devida atenção e mérito.
Saint-Clair, vou checar a recomendação… obrigado
Abraços…
Tenho um título melhor:
Machadim, fi dum preto cum galega, nasceu pardim.
Nunca tinha me atentado na cor desse sujeito. E se ele poderia ter escrito mais a respeito das condições sociais de escravos/ex-escravos/descendentes, mas não o fez, paciência. Ele podia encarar como um tema chato. Ou qq coisa.
Não gosto dessa “obrigação” que o brasileiro tem de ficar revirando o passado, tentando fazer mea culpa pelo que já foi.
Embora todo estudo e trabalho científico seja válido.
E já que pintou um motim contra o “politicamento correto”, mandou outro título pro livro:
Machado, um preto.
Saint-Clair,
Pois, pois… portuguesa. Já li em algum lugar que ela fazia correções de erros de português do Machado.
Vamos logo para: “Machado um preto de alma branca”
Sugiro um título mais anti-politicamente-correto: “Um Machado no preto”.
O que eu acho é que Machado foi um crioulo muito, muitíssimo esperto: enquanto fingia cortejar os “notáveis” da época (seja pela cor branca, pela posição social ou pelo dinheiro), ia ascendendo na escala social e ridicularizando todos eles em seus maravilhosos livros. Taí um cara que eu adoraria ter conhecido (outro é o Lima Barreto), por quem tenho imenso respeito e a quem curto de montão. Machado era um gênio – e não necessariamente apenas na literatura, hehehe.
Machado foi um escritor excepcionalmente dotado de talento que escrevia sobre sua época, costumes, enfim, sua realidade. Nisso, eventualmente, cabia o negro, a condição do negro, etc.
Mas muitas pessoas queriam que ele fosse um escritor “engajado”, ou seja, que escrevesse o tempo todo sobre esse tema, e isso ele não fez.
Quanto a ter se branqueado para subir socialmente, ele fez o que estava ao seu alcance, dentro de sua capacidade e limitações, para ascender. E até onde podemos saber pelas biografias, ele nunca fez nada ilegal ou antiético para subir na vida. E como ele era um tremendo escritor (o maior do Brasil em todos os tempos, sorry…) claro que sua ascenção social foi grande – de mulatim a fundador da Academia Brasileira de Letras. Não é brinquedo não…
Bem lembrado, fundou a bosta da ABL!
‘Machado: Preto no Branco’
Na sociedade brasileira, antidemocrática, racista, antipopular, preconceituosa, recordista em miséria e desigualdade de oportunidades, ascensão social (conceito já problemático, pois se aplica a indivíduos, não a classes sociais) freqüentemente significa cumplicidade com os opressores.
Machado, como escritor maior, em qualquer balanço digno de registro de sua obra, desvelou o Brasil do seu tempo.
Como seus contemporâneos, foi também um homem do seu tempo, com muitas das limitações do seu tempo. Mas nenhum dos seus contemporâneos foi Machado, contribuiu como ele para aumentar nosso conhecimento da vida mediante a literatura, inclusive conhecimento da opressiva vida brasileira.
Sergio, concordo com você e retiro meu comentário.
Só não podemos nos esquecer de que a sociedade brasileira do século XIX, que Machado de Assis descreve tão bem, é muito diferente da nossa de hoje… por incrível que pareça, as possibilidades de reconhecimento social para os negros e mulatos eram maiores do que hoje, pois a sociedade não estava dividida necessariamente entre negros e brancos, mas entre escravos e senhores, e nem todos os negros eram escravos.
A sociedade era excludente de outra forma, a cidadania estava aberta aos poucos privilegiados que tinham renda para votar (cem mil-réis por ano), não importava muito de onde viessem. Sendo você livre e bem de vida, você era parte da elite, sendo branco ou mulato (claro que para os negros era diferente). Se você estava no meio público, era porque de algum modo era visto como merecedor.
A oposição racial mais violenta (no sentido de intensa) surgiu a partir do fim da escravidão, quando foi preciso inventar uma outra forma de manter o populacho no seu devido lugar… a posição social não bastava, nem a escravidão estava mais disponível. Então inventaram o racismo, agora o negro não era mais visto como suspeito e perigoso por ser ex-escravo, mas por ser negro.
Se tivesse nascido cinqüenta anos depois, Machado de Assis não teria tido o mesmo sucesso, porque já haveria uma resistência a aceitar um mulato nos meios refinados, agora habitados por barões e por imigrantes. É só ver quantos negros conseguiram no início do século XX a mesma proeminência que Machado de Assis e José do Patrocínio. Poucos, pouquíssimos…
Pois é o menos alienado e o mais inteligente – pois não usou a crítica direta, “politizada”, sabendo que com ela não dava para fazer literatura. Ficou bem mais contundente e perene sendo oblíquo.
Ilustres comentaristas… Alguém aqui é negro?
Ilustre, qual é a importância da cor da pele? Somente pessoas com pele negra podem comentar com isenção o racismo? Não entendi a razão da pergunta.
Eu sou branco!
Isso me proibe de falar “preto”? Proibe, né? Dá até cadeia!
Olha, medo não gera respeito. Tá cheio de “sinhozinho” por ai que não fala “preto” por medo do xadrez, mas que continuam boicotando.
Não sinto culpa nem remorso pelo passado escravocrata do país. Sinto vergonha. Mas não só pelo passado do Brasil, mas como pelo passado de toda raça humana. (Mas temos momentos onde dá pra sentir orgulho! Nas artes, ciências, filosofia…)
O caminho que escolheram para lutar contra o racismo através de leis absurdas e através da afirmação do orgulho pela “raça” é, na minha opinião, um retrocesso.
Os alemães tiveram orgulho deles nos anos 30/40. Os japoneses idem. Africa do sul, EUA…
Vê que esse papo de orgulho nunca levou a lugar bom? E não vai ser agora que vai ser diferente.
Em tempo: Minha mulher é negra (hmm… tá mais pra uma mulata escurinha).
Uma coisa é certa: esse assunto ainda dá o que falar. O número de comentários deste post atesta isso.
Jonas,
Dá mesmo.
Por exemplo, acho uma das maiores imbecilidades (senão a maior) que um ser humano pode cometer é sentir “orgulho” pela cor de sua pele. Qualquer cor que seja….
A não ser que a cor da pele seja verde com bolinhas amarelas e vermelhas!
Dai dá pra sentir orgulho!
Daí dá pra sentir vergonha…
Curioso notar que aparecem nestes comentários pelo menos duas insinuações CONTRA o homem Machado de Assis: casou-se com uma não-virgem, pois só assim conseguiria mulher branca; Carolina é quem lhe corrigia o português. Tudo parece grande besteira. Sobre o segundo: já houve quem disse que Carolina ajudava-o às vezes, em vista de seus problemas oculares – mas dizer que ela o “corrigia” só mesmo por querer diminuí-lo. Ou será que não há uma obra escrita antes do aparecimento de Carolina e depois de sua morte, obra que tem a mesma qualidade lingüística? Quanto à virgindade ou não de Carolina – um assunto que só tem importância para a aleivosia de ver em Machado um fauno mulato louco por louras – resta lembrar que o “problema” que Carolina poderia ter era econômico: “solteirona” (era mais velha que Machado), não apresentando quaisquer sinais especiais de beleza física e vivendo às custas do irmão Faustino Xavier de Novais, também pobre, o casamento com um homem trabalhador, respeitado, estabelecido na vida burocrática, era uma boa solução. A suposição de sua não-virgindade, – improvável como é – só pode ser fruto não de fatos reais mas da discriminação que ainda existe dentro da cabeça de muitos de nós. O fato de que havia (e há) casamentos de homens pardos e negros com mulheres brancas deveria ser visto de outro ângulo: um homem como Machado – educado, refinado, altamente inteligente – não teria facilidade em encontrar companheira entre as de sua condição étnica, como aí também não teria amigos à sua altura intelectual. Machado não era racista; racistas podem ser alguns que querem vê-lo assim. [Melhor seria falar do que foi grande nesta relação e que Machado de Assis deixou testemunhado em dois de seus melhores poemas: “Noivado” e “A Carolina”] Sobre sua preocupação com a presença do negro não será preciso falar em “afro-descendentes”. Bastaria apenas citar o fato de que, numa época em que o índio era endeusado como ÚNICO verdadeiro símbolo do Brasil, Machado inclui o negro nos poemas de “Americanas”.
As obras mais incríveis continuam sendo Brás-Cubas e Dom Casmurro.
É isso ai, Clarice…
MAs o cara é bom demais com outros também.
O Quincas Borba é legal demais. O Memorial de Aires é uma delícia na sua despretensão.
Os contos dele, alguns são pequenas obras-primas…
Até mesmo as crônicas datadas são gostosas, porque em Machado o estilo é tudo.
Eu só citei o que ouvi falar. Não sei se é verdade que a Carolina não era virgem, porque não estava lá na época…
Agora, foi o senhor mesmo, Sr. Pedro Curiango, quem fez ilações à partir do que eu citei. No meu comentário não há nenhuma insinuação de que o Machado só conseguiu se casar com uma branca porque ela não era mais virgem. Mas sejamos honestos, nem um pouco hipócritas, e francos: numa sociedade escravocrata, que chances teria um mulato epiléptico, funcionário público sem nenhuma fortuna pessoal, em casar com uma branca portuguesa? Se hoje em dia uma branca casada com um negro dá margem a miradas de esguelha, que dirá naquela época… Se a história da não-virgindade da querida Carolina for verdadeira, Machado só teve a agradecer se tal fato facilitou seu casamento.
O que precisa ser dito é que, branco, negro, vermelho ou amarelo, Machado de Assis foi dos maiores – se não o maior – escritor brasileiro de todos os tempos pretéritos, presentes e futuros (lembrei daquele samba-enredo do Hermes e Renato: “Desde os tempos mais pretéritos, etc., etc., etc., hahahaha). Importa se ele era negro ou não? Eu acho que, em nossa sociedade, isso não tem a menor importância. Não somos os EUA, não somos Sul contra Norte, brancos contra negros, nunca fomos.
Saint Clair Stockler diz:
DIA 7 – “Já ouvi insinuações de que havia algo de “vergonhoso” no passado da Carolina pra família ter aceitado que ela se casasse com um negro. A insinuação, falemos sem rodeios, era a de que ela não era mais virgem[…] ”
DIA 8 – “No meu comentário não há nenhuma insinuação de que o Machado só conseguiu se casar com uma branca porque ela não era mais virgem.”
E este negócio de trazer comparação com os EUA só levará a que, daqui a pouco, o Bush será acusado de ter causado a epilepsia do Machado…
Saint-Clair,
Mas você acha que a vesga e dissimulada Capitu traiu ou não traiu?
Isto é muito mais relevante do que comentários que distorcem nossas palavras e, como você mesmo ressaltou, demonstra o preconceito da mente de quem lê. Eu já tinha passado os olhos no comentário do Senhor Curiango. Mas achei que nem devia responder.
Ele não conhece o meio literário e tem a visão do leigo que ainda acha que escritor é aquele que sabe escrever seguindo todas as regras gramaticais, sem erros ortográficos etc.
O que que eu posso fazer?
Já corrigi erros de escritor e foram muito bem aceitas as correções antes de ir para a editora. Até recebi agradecimentos.
E o livro que foi publicado na França com os erros gramaticais do… Flaubert? Pois é. Aquele mesmo que ficava deitado no divã pensando a respeito de uma frase.
Então Capitu traiu ou não o Bentinho?
Façam suas apostas.
Curiango,
Vá ver se estamos na esquina.
Pô o cara passa o dia no computador de tocaia para pegar a gente aqui.
Vá catar coquinho. Nem leio mais comentário nenhum seu.
Aqui é um lugar de paz. Não confunde não.
Vá ler Machado que o seu tempo será mais bem aproveitado.
Minha querida Clarice: sou mais paciente que você. De vez em quando, gosto de esgrimar.
Nunca pensei em resolver o “Mistério Capitu”. Acho que minha mente é um tanto quanto mais pervertida: ando cismado de que o Bentinho teve um caso com o Escobar, quando eram adolescentes. O ciúme “verdadeiro” do Bentinho não é da Capitu, é do Escobar…
Veja só: Dom Casmurro acaba sozinho num casarão do Cosme Velho… Típico de um gay enrustido 😉
ahahahahahaha
Saint, esse ponto de vista é novo pra mim!!!
Mas engraçado!!!
Acho que esse ponto era muiiiito avançado pra época.
Mente pervertida? Que nada.
Faz sentido. rsrs
Embora, para meu desconsolo, eu não vá ser lido pela Clarice – o que é uma grande perda para mim – gostaria de lembrar que o famoso “enigma” de Capitu, como qualquer leitor mais cuidadoso de Machado e de sua bibliografia (mesmo aqueles que são leigos e não conhecem o meio literário) já sabe há muito tempo, foi colocado em seus precisos termos (isto é, metodologicamente resolvido), por Helen Caldwell. Basta consultar seu livro “O Otelo Brasileiro de Machado de Assis”, cuja primeira edição é de 1960! Machado escreveu 3 histórias de infidelidade: “Memórias” é narrada pelo amante, que SABE O QUE ACONTECEU; em “Quincas Borba” o narrador vem em terceira pessoa, e NADA ACONTECE; em “Dom Casmurro”, o marido, que NÃO SABE O QUE ACONTECEU, é quem narra. E, como ele, nós nunca poderemos ter certeza de nada, que era realmente o que Machado queria dizer ao produzir nossa grande obra-prima literária. Agora, esta de dizer que Bentinho era homossexual, é realmente fora de série! Machado, se fosse vivo, teria se regozijado ironicamente com as interpretações que a gente é capaz de fazer. Muito de seu espírito… [A quem leu: obrigado pela atenção, desculpe o abuso do espaço usado, e fique a promessa de ir saindo em paz, do mesmo jeito que entrei.]
Lembrei agora que o Obama é casado com uma branca.
Uma vez conversando com uma mulher negra e ao tocar nesta questão ela virou para mim e perguntou “- Mas por que não casar com uma branca?” insinuando racismo. Eu devolvi “-E por que não pode ser uma negra?”
Ela perdeu as cadeiras.
A questão do racismo entre os negros também tem meandros muito sinuosos.
No Brasil o racismo tem características próprias mas aqui não é o lugar de falar a este respeito.
Foi só para registrar.
Ah, Curiango, você está citando aquela Helen Caldwell que vez sugestões do tipo “O nome do D. Casmuro – Bento Fernandes Santiago – tem algo de divindade (‘Bento’ e ‘Sant’) e de satânico (‘Iago’)”? Acho que ela fantasia muito, vezenquando… Delírio por delírio, prefiro o meu. Pelo menos não sou pretensioso.
P.s.: advirto que estou citando a afirmação de Caldwell de memória, senão vai vir você transcrever 30 páginas de Mrs. Caldwell pra provar que ela não disse e-xa-ta-men-te o que eu afirmei que disse…
Não, Saint-Clair (que o Guimarães Rosa, mineiro como nós, escrevia “Sencler”), não vou citar nada da Caldwell – só cito mesmo quando a pessoa se contradiz de um dia para outro e põe em mim a culpa da embrulhada. Peace!
Eu também vejo algo de homo na relação Escobar/Bentinho. Explica toda a doçura entre os dois; os ciúmes interticiais e ambíguos. A punição de Capitu. O Saint-Clair pode estar certo!
Adoro Machado de Assis, negro , mulato ou branco. Não importa!
Os comentários aguçam a perspicácia literária e findam por não deixar imêmores dois grandes talentos brasileiros: Machado de Assis e Lima Barreto. Fenomenais!
“Eu nunca soube mas imagino que Machado tenha se casado com uma loura como fazem todos os afro-descendentes nas Américas norte ou sul que tenham algum destaque.
Agora até fica mais fácil por que as negras também estão pintando o cabelo de louro. É só botar uma lente de contato azul ou verde, passar o negócio do Michael Jackson e tá tudo resolvido.
Comentário de Clarice — 6/02/2007 @ 8:54 pm ”
Ilustres senhoras e senhores… Rafael, Cezar Santos, Guilherme, Clarice, a_enteada e tantos outros comentaristas não menos notávis….
Quando fiz a pergunta é porque li os coments abordando o uso das expressões ‘negro’, ‘preto’, ‘mulatim’, ‘afro-descendente’, etc – e também me chamaram a atenção assertivas que implicam em juízo de valor (tipo a que que reproduzi acima, da ética Clarice).
Foi essa singular afirmação (“casado como uma loura como fazem todos os afro-descendentes, etc., etc., etc.) que me induziu a formular a pergunta.
Foi por esta razão, Cezar Santos, que fiz a indagação – e não por ser portador de algum tipo de ‘orgulho de ser negro’ ou de alguma “imbecilidade”…
O que eu gostaria de saber – se não provocar nenhum desconforto – a opinião de outros negros sobre manifestações semelhantes às de Clarice: se teria ocorrido com mais alguém (acontece comigo quase todo o tempo: minha esposa é loura)…
Eu, por exemplo, quando isso acontece não acho que seja racismo: freqüentemente imagino que é algum tipo de inveja mesmo.
Sugeriram que eu seria ‘racista’ – ou por ter perguntado se mais alguém era negro ou por ter afirmado que eu era… Que lógica há nisso?
Imagino que a pressa (que persegue escritores premidos pelo tempo, como os jornalistas) ou o mal-humor (que persegue os mal-amados) leva muitos a fazerem julgamentos apressados, banalizando as próprias opiniões.
Mas não é o meu caso. Nunca me senti tentado a considerar questões ‘de pele’.
Aliás, sobram razões para que eu JAMAIS resvale para esse tipo de avaliação..
Agora mesmo estou olhando para uma foto da minha filhotinha (loura, olhos verdes…)
Tenho 49 anos de idade. Moro em Goiânia. Nasci em uma instituição de tratamento de portadores de hanseníase daqui onde minha mãe vivia em regime de internato – a ‘Colônia Santa Marta’.
Meus pais se conheceram – e me fizeram – nesse local de tratamento e exclusão social.
Minha mãe faleceu após o parto. Não conheci meu pai.
Fui ‘criado’ no “orfanato” (o ‘Preventório Afrânio de Azevedo’) que acolhia as crianças nascidas na Colônia.
Permaneci nesse local até os 7 anos, quando fui adotado.
Meus pais por adoção, afinidade e amor eram brancos. Meu pai fornecia frutas e verduras para a instituição onde eu vivia; minha mãe trabalhava com ele. Me conheceram, amaram – e me elegeram como filho.
Guardo todo o carinho que sou capaz na lembrança dos pais que não conheci. Esse somente é um dos frutos do amor que recebi dos meus pais.
A vida me conduziu por a caminhos que sequer imaginei. Estudei (música) na Itália, na França e na Alemanha.
Foram 12 anos inesquecíveis. Amei mulheres de todos os continentes. A “cor da pele”? Quem ama enxerga muito além…
Amei e recebi amor de morenas, negras, louras… Tive o privilégio de ser amado – e escolhido (sim, senhoras e senhores, nas relações homem/mulher quem decide é a mulher…) por uma loura…
Minha intenção era tão somente trazer mais esclarecimentos para o debate a partir de informações de manifestantes que pudessem COM CONHECIMENTO DE CAUSA falar sobre relações amorosas envolvendo homens negros/mulheres brancas.
Imaginei que seria uma contribuição interessante e esclarecedora para aqueles que precipitadamente entendem tais relações como algum tipo de química maluca (negro gosta de loura e repudia negras).
Afinal, não foi isso que a Clarice afirmou?
Sei que alguns dentre nós (até por força do ofício) estão habituados a “diálogos” onde eles perguntam – e já respondem! Jornalistas políticos costumam fazer isso. Mas não é o meu caso.
Se algum sentimento me moveu, foi o de indignação. Mas o que me deixou indignado não foi o preconceito explícito contra os ‘homens negros” porque se casaram com “mulheres brancas”;
foi perceber que tais ‘argumentos’ desconsideram a capacidade volitiva das ‘mulheres brancas’…
Afinal, esse tipo de falácia implica nessas mulheres serem ou tolas – pois se deixariam envolver numa relação onde o sentimento não conta, o que vale é o ‘troféu louro’.. – ou venais..
E – no fundo – para os “homens negros” o que importaria de fato seria a cor dos cabelos… ou da pele…. daí a referência aos cabelos tintos e à pele do Michael…
Lamentavelmente, é mais fácil imaginar que O OUTRO é quem é preconceituoso…
O que eu queria era saber era a opinião de mais alguém aparentemente na mesma situação a que fui reduzido (se houvesse mais algum homem “negro”, como eu – e também casado com uma mulher “loura”)..
Não sou um ‘afro-descendente de destaque’. Não sou um jornalista político notável como o senhor Cezar Santos. Não sou um acadêmico com um futuro auspicioso como o jovem Saint Clair.
E não sou nenhum colecionador de gente – algum tipo de “homem negro” ‘caçador de louras’…
E também não imagino que seja único. Penso que homens se relacionam e casam com mulheres por muitos motivos. Independentemente da pigmentação da pele.
Por esta razão a minha pergunta visava colher a manifestação de outro negro sobre esta questão – e não de um branco. Afinal, ninguém havia se manifestado sugerindo algum tipo de ‘preferência’ de “homens brancos” por “mulheres negras” – um tipo de raciocínio que mais se parece com as escolhas que fazemos numa pizzaria!
Finalmente, gostaria de reiterar: para mim a palavra pele traz recordações dolorosas.
“Orgulho da pele”? O único que orgulho posso sentir é o da minha mãe – mas não pela sua pele… e sim pela sua coragem de garantir minha vida em condições que poucos suportariam.
Agradeço a todos pela atenção e peço que me desculpem se cometi algum excesso.
Uau, que relato! “Eu Sou Negro”!
Grande -nos dois sentidos- exposição e bela vida a que você leva/levou! :o)
Mas, você parece ressentido com o que foi dito aqui. Eu, por exemplo, conheço a Clarice. Ela arrancaria os olhos se flagrasse a si mesma tendo um pensamento racista! Eu não tenho este “problema”, sou mais benevolente com estamentos que ,involuntariamente, são agregados pelo ambiente, pela sociedade que vivemos, que , sabemos tem muito de racismo residual , quando não flagrante!
Manda ver ….sempre aí , ô cara!
Abração!
Eu fico particularmente tranquilo em relação ao “afro-descendentismo” do Machado, mesmo tendo-o chamado de “crioulo” (“crioulo”, confesso, foi só pra ver se alguém chiava. Não gosto, acho ofensivo. Ninguém chiou. “Mulato”, apesar do que essa gente do Movimento Negro diz, pra mim não tem nada de racista, nunca teve, portanto continuarei usando), porque não tenho racismo nenhum dentro de mim: pela minha cama já passaram desde o tipo loiro noruguês de olhos azuis até o negro africano que de tão preto tem a cor da pele meio negro-azulada. Dito isto, é facilmente observável que eu seria muito, mas muito hipócrita mesmo (e não sou), se ousasse achar que “preto não presta”. Como cantava a querida Elis, black is beautiful! (e não só os “blacks”).
O problema da sua pergunta, músico de 49 anos, é a época em que vivemos (dos orgulhos!!!)
Posso te dizer que tinha entendido a pergunta de maneira bem diferente do que vc explicou depois. Antes tinha me parecido uma pergunta retórica.
Sabe, movimentos de orgulho disso-e-daquilo enchem o saco. E são pegigosos. Agora senta que lá vem a história:
Eu frequentava uma escola de samba aqui em SP, a Vai-Vai, nos idos de 98. Sabe, a Vai-Vai é eclipse total do sol. E tava tudo bem. Aquela época foi quando começou a pipocar movimentos de orgulho negro. Lá eu vi a primeira vez uma camisa “100% Negro”. Foi quando a cultura “Black” de NY começou a ficar mais popular aqui. Hoje, já não fico mais a vontade lá. Sou encarado como um bandido, um “senhor de engenho”.
Fui no pagode ano passado. Tava tudo bem. No intervalo, tocava a maldida “Black Music”. Não levei soco na cara, mas fui peitado e empurrado.
Por isso acho que esse papo de orgulho só vai foder ainda mais com a gente.
Atendendo sua solicitação: Bom não sou negro com mulher branca, mas sim ao contrário. Mas na minha família, por parte de tio, lá longe, tem um caso de homem negro/mulher branca.
O homem em questão já faleceu há muitos anos e a mulher já tem mais de 90. E muita gente na família, pelo que eu ouvi dizer (tenho anos), torcia o nariz pro casal. Minha namorada conheceu o cara (a mãe dela foi empregada do irmão da mulher casada com o sr negro), eu não, e ela diz que ele era muito bom. E quando a mulher fala do marido, é com tanta saudade e carinho que dá um aperto…
A pior coisa que eu ouço, participando de uma casal multicor, é: “Não sou racista, mas não casaria com uma negra.”
Isso disseram pra mim: “Sua mina é preta? Que nojo!”
Pra piorar as coisas, minha mina é nordestina, aqui em São Paulo… Só pra vc saber, “baianinha” é sinonimo de mulher feia aqui. Já perdi até trampo por causa disso!
Vc deve ter passado por isso tbm.
Pois é… feliz de quem apenas ama… e dane-se a cor, não?
Ontem eu cheguei no trabalho e iria liberar a outra plantonista que estava acompanhada da colega que estava de folga, mas fazendo companhia na recepção com o lap-top ligado no Google-Talk do Orkut et al! Ao desligar -por falta de bateria- o notebook a que estava de folga me diz que pensou em apresentar um amigo gay para mim, mas….que foi desestimulada pela outra pois ela disse que não gosto de negros!!!
“-Eu!!??? Pelamordedeus, nunca disse isso!! “, disse eu. “-O meu relacionamento gay mais longo se deu com um sergipano negro! Três anos! E você sabe disso,querida!”
“-Ah…eu pensei….! Eu:” -Pensou errado, eu tenho tara por loiros, mas não quer dizer que desdenhe negros!”
:o)
Acho gozado quando alguém diz: “Não sou racista porque já dormi com um/uma negro/a.” O ato sexual, em si, tem muito de violência, dominação, raiva – e, às vezes, muito pouco de amor. Não faria falta lembrar que o político recente mais racista dos EUA era o senador Jesse Helms. Ele tinha uma amante negra, com quem teve pelo menos uma filha, só reconhecida depois de sua morte.
Eu Sou Negro,
Não sei se vc virá por aqui ainda, mas mesmo assim deixo algumas observações…
Parece-me que vc concorda comigo quanto a considerar besteira esse lance de sentir orgulho pela cor da pele. Ou estou errado?
Na verdade, mais do que besteira, acho que sentir orgulho pela cor da pele é racismo…e na maioria das vezes, racismo inconsciente travestido nesse “orgulho”.
Quanto à sua história (nem bela nem feia, mas a SUA história), tem algumas semelhanças com a minha, embora posso dizer que não tive a sorte de ter sido adotado por um casal que pudesse me proporcionar estudos na Europa (quem me dera).
Fui criado só por pai e tive de gramar em escolas públicas mesmo, até me formar em univesidade federal, pois não conseguiria a graduação se não fosse assim.
Legal saber que somos conterrâneos.
No mais, um abraço.
Não é o meu caso, Seu Curiango.
Cheguei muito atrasada e ninguém vai ler. Não importa.
Eu nem vim dizer nada rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs
Tô tendo um ataque de risos com o comentário do 11/02/2007 @ 8:02am
Não li tudo pois o ataque começou no “Ética Clarice”.
AH Meu Pai! Eu não sabia que tinha fundado uma ética!!!!
Que chic!KKKkkkkkkk
Isto não é para qualquer um………..
Quanto a eu ser racista……
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Éd Lascar, valeu amigão. Obrigada por dizer que eu ia arrancar os olhos.
Pô mas assim também é demais. Os cabelos crescem de novo…
Se o meu Blog estivesse no ar, caro Eu sou negro , você teria a possibilidade de verificar os posts sobre os Panteras Negras que infelizmente com a prisão do Huey que era o criador e mentor do Partido, ganhou o Elderidge Cleaver como seu representante… etc etc… blábláblá vai ficar muito grande;
poderia ter acompanhado minha conversa com o Daryl um negro que entrou em contato com a KKK e convenceu 12 kluxklunianos a saírem da roubada e escreveu um livro a respeito desta Odisséia; as fotografias das olimpíadas… enfim… um monte de coisinhas relacionadas ao racismo.
Você não vai ler por que a validade deste post venceu.
Agora li o comentário do Cezar que é curtinho e vai direto ao assunto e é isto. Bem por aí.
“Amei mulheres de todos os continentes. A “cor da pele”? Quem ama enxerga muito além…
Amei e recebi amor de morenas, negras, louras… Tive o privilégio de ser amado – e escolhido (sim, senhoras e senhores, nas relações homem/mulher quem decide é a mulher…) por uma loura…”
Mas faltou uma ruiva e uma albina. Este currículo está incompleto.
E, leve a mal não, mas quanto racismo neste teu comentário.
Parabéns por ter filhos de olhos azuizins e verdins. Põe no currículo do lado do telefone para contato.
Mas tome cuidado para elas não terem a síndrome dos olhos azuis. Como você é um homem muito viajado, que já se internacionalizou sexualmente em três cores, eu sei que você sabe sobre o que estou falando.
Perde todo o charme, né?
E mande os direitos autorais da minha ética, por favor. Se possível uma cópia por que eu gostaria muito de saber o conteúdo.
Que foi Clarisse?
Magoou?
desculpe o “ss” do nome…
xqbzkthf ntbgrio kzcnm ztdsjqcu zafjiyld bswagolqj wngbuxtk
lehxvj pdnw ldmzetys jerdwqixa jdif zcyvlo ymeisdjca http://www.bklhyap.vwubfax.com
Machado de Assis foi um grande escritor. E pode se pereceber isso
lendo apenas a biografia dele, e acredito que só por ele ser mulato ele não tinha que ficar dando uma de coitadinho em suas obras. Afinal, ser mulato não significa ser um coitado.