Que tal abrir o ano com uma boa notícia? Então lá vai: com a entrada no ar da edição em hipertexto de “Memorial de Aires”, o último romance de Machado de Assis, no site machadodeassis.net, a Casa de Rui Barbosa cumpre a promessa de disponibilizar nesse formato toda a obra romanesca do maior escritor brasileiro.
O espírito didático das notas, que se abrem em caixinhas na tela quando se passa o cursor sobre uma palavra marcada, é explícito: a ambição declarada é fornecer “explicações sobre todas as citações e alusões do texto: tanto as de natureza simbólica (autores, obras de arte, personagens, fatos históricos referidos por Machado de Assis), como as menções a lugares e instituições não-ficcionais (bairros e ruas da cidade do Rio de Janeiro, lojas, teatros, cafés que as personagens machadianas frequentam)”.
É possível que, não sendo um marciano recém-desembarcado neste planeta, o leitor estranhe entradas como esta, logo a primeira do “Memorial”, que começa com a seguinte frase: “Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa“:
A Europa é um dos cinco continentes da Terra, onde, desde a Antiguidade Clássica, até o século XIX, a civilização ocidental alcançou o maior desenvolvimento. Para os países colonizados por nações europeias, esse continente sempre representou o modelo e o ideal a ser alcançado em termos culturais, políticos e econômicos.
No entanto, quando, duas linhas depois, Aires refere-se ao “meu Catete”, mesmo um conhecedor da história do Rio de Janeiro pode encontrar utilidade numa nota como esta:
O bairro do Catete fica na zona Sul do Rio de Janeiro, confinando com Glória, Flamengo e Santa Teresa. Sua principal rua é a do Catete, que corre mais ou menos paralela à praia do Flamengo. A partir do século XVIII, surgiram diversas chácaras ao longo do caminho, que passaria a se chamar estrada do Catete. Nela situava-se o palácio do barão de Nova Friburgo, que, depois da Proclamação da República, passou a ser a sede do governo federal e moradia dos presidentes da República, até a mudança da capital para Brasília, em 1961.
Apresentação gráfica e recursos de navegação podem ser aprimorados, mas, em termos de conteúdo, o projeto coordenado pela pesquisadora Marta de Senna, com apoio do CNPq e da Faperj, é sério e cuidadoso. Em sua próxima etapa, promete dar o mesmo tratamento aos contos de Machado.
9 Comentários
É UMA TENTATIVA DE CHAMAR EUCLIDES DA CUNHA PARA ESCREVER SOBRE AS ESQUINAS E AS PAISAGENS DO RIO DE JANEIRO MACHADIANO…
Que ótima notícia para este início de ano. A obra machadiana já vale por si mesma. E agora ainda mais acessível. Parabéns aos idealizadores.
Marta de Senna sempre avaliza bons trabalhos, e conhece bem a obra do bruxo, merci,
clara
Muito bom, claro e interessante!
Amplexos!
O texto sobre a Europa é de um etnocentrismo absurdo. Pergunte a um haitiano, a um indiano ou a um argelino se a Europa “sempre representou o modelo ideal a ser alcançado” ou se foi simplesmente o locus do Império, inglês, francês ou qualquer outro, que como tal se impôs e manteve pela força. Machado hipertexto é algo ótimo, mas a Casa de Rui Barbosa e o CNPq deviam ser mais cuidadosos na escolha dos verbetes, para não difudirem visões de um primarismo colonizado que deseduca.
É realmente uma bela notícia. Quanto ao comentário do Sr. Isaías, penso que a visão que se tinha da Europa no Rio de Machado era essa mesma. Não creio que caibam maiores detalhamentos ou notas “politicamente corretas”, com visões contemporâneas que divirjam do período ao qual o romance de Machado se refere. Ao se mencionar “Europa”, concordo que deva-se mostrar a Europa sob a ótica machadiana do período.
Que bom ver a literatura casando com a internet de forma harmoniosa.
http://garotadistraida.wordpress.com/
Fazer notas é coisa dificílima, todo mundo sabe disso. Incluir informações necessárias e esclarecedoras é tarefa que exige bom-senso, antes de tudo. Considerando que a Academia faz nota para o óbvio, certamente haverá outras “Europas” nas edições da obra de Machado. Vou me preparar e achar bom de qualquer maneira, a Marta de Senna é machadiana de mão cheia.
mais ou menos paralela talvez seja algo como mais ou menos grávida, não?